quarta-feira, 30 de maio de 2018

EXPLICANDO O FRACASSO




                                                                Reinaldo Lobo*

    No auge da “ditabranda”, em 1968, quando houve centenas de prisões, cassações, pessoas desaparecidas, guerrilhas, fechamento de instituições democráticas e o fim de todas as liberdades civis, chegou de Brasília um folclórico parlamentar paulista em pleno dia da edição do AI-5, e foi cercado pelos jornalistas. Um deles perguntou:
    -- Deputado, como está a situação em Brasília?
    -- Bem...—disse ele—a situação está cheia de conjunturas e as estruturas são complexas!
     Além do riso provocado, o parlamentar mostrou involuntariamente como a situação estava, de fato, feia. Ao ponto de precisar ser temida e escondida por uma nuvem de palavras de sentido obscuro e duvidoso.
     Hoje, quando temos uma crise quase tão grave como aquela -- bastando os caminhoneiros pararem para a sociedade chegar à beira do colapso--, os ideólogos do neoliberalismo estão dando explicações parecidas com a daquele ilustre parlamentar bizarro dos tempos da ditadura.
      Um conhecido colunista da Folha de S. Paulo, Hélio Schwartsman, paladino da causa do mercado e do “laissez faire”, deu uma brilhante explicação para o caos provocado pela crise dos combustíveis. Permitam-me citá-lo:
      “Como nos tornamos tão vulneráveis? A resposta é simples: complexidade. Há poucas coisas mais complexas do que o funcionamento de uma economia que se conecta em redes cada vez mais interdependentes milhões de agentes que atuam de forma autônoma. A ação estratégica de um único indivíduo – um erro de operação em Itaipu, por exemplo—pode parar o país inteiro”
       O famoso Conselheiro Acácio não daria uma explicação melhor e mais genérica sobre a economia atual. Ficando no nível mais abstrato, cabe tudo e é possível esconder o principal:  o fato de a crise dos combustíveis  não se tratar de um acaso randômico, mas do resultado de uma política geral de preços da Petrobrás, orquestrada por um conhecido adepto do mantra neoliberal, o tecnocrata Pedro Parente. A flutuação de preços, com reajustes automáticos, atrelados ao preço do barril no mercado internacional, vem sendo apontada por vários economistas sérios como a causa eficiente do drama em que meteram o País.
       Citemos mais uma vez --com a permissão do leitor-- a explicação fornecida pelo ilustre colunista:
       “Não nos pusemos nessa posição de fragilidade a troco de nada. A complexidade tem uma face mais positiva que aparece no desenvolvimento tecnológico e na produtividade. As interdependências que nos tornam reféns do imponderável também fazem com que avanços, mesmo que incrementais, tenham impacto positivo exponencial”.
         Ah, agora descobrimos a chave explicativa para o fracasso da política “interdependente” de Pedro Parente na Petrobrás – é o “imponderável”! Os Deuses da Probabilidade mandaram alterar um único elemento para bagunçar o todo!  Tudo era muito positivo -- ainda que “avanços incrementais” -- até que se abatesse sobre a Petrobrás uma “desregulação” do mercado.
       Aliás, a pergunta inevitável: positivo para quem? Quem se beneficia, o País ou os acionistas? A lógica é a da racionalidade ou a do lucro que nos leva a perdas internacionais? Então é preciso colocar a sociedade em risco em busca da “face mais positiva” da produtividade, mesmo que o remédio possa matar o doente?
       Em nenhum momento, o articulista diz que houve o fracasso da política que conduziu os caminhoneiros à greve geral. O que a retórica do ideólogo procura esconder é a feiura do “salve-se quem puder” neoliberal. Para isso, faz um contorcionismo pseudocientífico onde só falta apelar para Teoria do Caos ou a Quântica.
      O viés do ideólogo é, curiosamente, o mesmo da chamada grande imprensa que, em geral, desvia a atenção do equívocos da “equipe econômica dos sonhos” ( o “Dream Team”) do governo Temer. O habitual é criticar a fraqueza política desse governo, mas ressalvando-se os “êxitos” da equipe econômica. Começa a existir uma ambiguidade diferente dessa imprensa em relação aos fatos, na medida em que está ficando clara a dificuldade da área econômica em resolver as questões do crescimento e da estabilidade.
     A narrativa anti-Estado também tende a reduzir sua retórica diante do impacto da greve dos caminhoneiros, que colocou a necessidade de intervenção – não a militar, mas o tabelamento de preços. A imprensa descobriu igualmente, de repente, que a dependência quase absoluta da malha rodoviária, e a não existência de ferrovias e da cabotagem para o escoamento da produção, apontam para necessidade da presença estatal no remodelamento da infraestrutura.
      O modelo baseado no caminhão e no automóvel está-se esgotando, junto com a dependência do combustível fóssil. Isso exige transformação global por uma saída desenvolvimentista, com forte presença do Estado. Exige o que nenhum neoliberal gosta: planejamento estratégico. O culto do espontaneísmo monetarista e a implementação do capital financeiro internacional, fontes da interdependência louvada pelo ideólogo da Folha, não podem dar conta das realidades econômicas, nem das classes sociais em conflito. A crença de que o mercado regula tudo com sua mão invisível nega que as classes têm interesses e almejam a hegemonia no seio da sociedade.
      As contradições do capitalismo brasileiro ficaram evidentes com essa crise, que está longe de acabar. Mas as explicações dadas pelos porta-vozes do establishment lembram um pouco aquele mecânico de carros que, diante de uma pane seca, resolve enganar o cliente propondo trocar a “rebimboca da parafuseta”.

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