quarta-feira, 10 de abril de 2019

HOMO BOLSONARIANNUS



                                                                     Reinaldo Lobo
     O Brasil já produz o “homo bolsonariannus”. O major Olímpio, senador da República, é um exemplar da espécie. É um ser que gosta das soluções simples, violentas e estúpidas, como a idéia de armar bedéis, professores e merendeiras das escolas para reagirem a ataques de garotos suicidas e homicidas armados com armas de fogo. 
    Outro modelo da nova safra de brasileiros surgidos após a eleição de novembro de 2018, é o general Mourão, vice presidente da República, que foi capaz de diagnosticar o que houve na escola em Suzano, quando morreram pelo menos dez pessoas , incluindo os dois jovens suicidas. Achou a chave de tudo: o excesso de vídeo games violentos na praça, capazes de distorcer a mente dos garotos e garotas.
   O grande estrategista militar foi fiel ao pensamento da Escola Superior de Guerra, segundo o qual o controle das mentes é o instrumento para manipular populações de seres humanos como parte da guerra psicológica pelo poder e a dominação. Na época da Guerra Fria , quando o hoje general de divisão era jovem, esse pensamento visava a combater o comunismo, essa insidiosa ideologia capaz de lavar e submeter os cérebros das crianças e dos adultos. Hoje, o discurso é mesmo, ainda que não exista nenhuma potência comunista atrás de nossas crianças.
   A complexidade de uma tragédia como a de Suzano fica reduzida ao clique do gatilho de uma arma ou de um botão de videogame.
   O “homo bolsonariannus” não está interessado em complexidades nem em sutilezas psicossociais. Suas respostas são diretas e imediatas, na ponta da língua. Não lhe ocorre que a insegurança generalizada da população talvez não se possa resolver com mais armas ou com maior repressão paterna aos jogos das crianças.
    Tampouco passa pelas cabeças do major e do general que a educação de qualidade nas escolas, emprego para os pais, uma orientação preventiva de psicólogos competentes, confiança na seguridade social,  a assistência às famílias, difusão de valores democráticos, como respeito às diferenças e liberdade de manifestação, igualdade salarial entre homens e mulheres , promoção real dos professores, alimentação de qualidade, mais cuidado do Estado com as pessoas e sua saúde mental, sem fanatismo religioso ou reduções simplórias, talvez possam minorar a angústia das crianças e das famílias.
    No mundo inteiro, o reconhecido narcisismo ferido dos adolescentes, fonte de fúrias, às vezes assassinas e suicidas, costuma ser prevenido com trabalhos de dinâmica nas escolas e, sobretudo, evitando-se o acesso às armas de fogo. Não há dúvida de que vídeos e filmes podem inspirar a FORMA dos gestos violentos, mas só em alguns indivíduos cuja problemática no lar e nas suas mentes atormentadas os convida à violência.
    Crianças saudáveis podem perder o equilíbrio quando submetidas ao bullying nas escolas, muito freqüentes, mas não chegariam ao furor narcísico se tivessem assistência a tempo e não obtivessem acesso a armas de fogo. Uma cultura da paz e do diálogo pode ser implementada na vida escolar e, mesmo que os jovens tenham uma maior impulsividade, não é a maioria que chega ao desespero dos atiradores de Suzano. É possível um trabalho cuidadoso de prevenção ao suicídio – pois os franco atiradores geralmente são suicidas. Mas isso não ocorre ao “homo bolsonariannus” cuja regra consiste em usar a violência e a repressão para combater a violência.
    Vídeos e filmes violentos, ao contrário do que supõe o “homo bolsonariannus”, são uma forma de descarga de impulsos agressivos e caminho para uma forma de alguma sublimação. Só induzem à violência os que estão suscetíveis a ela, isto é, os mais perturbados ou traumatizados. Os estudos realizados nos EUA, onde as ocorrências são bem conhecidas, mostram que quem comete massacres em escolas são os vingadores, eles próprios vítimas de traumas prévios e de famílias inseguras na condução dos afetos. Não são afligidos apenas por questões morais e espirituais, como querem os religiosos, mas afetivas. 
    A busca dos jovens por atenção e reconhecimento, sua fome por olhares compreensivos e tolerantes em relação  às suas idiossincrasias e expectativas, às vezes exageradas, pode ser uma das bases complexas da violência, quando essa busca é frustrada.
    Famílias suficientemente amorosas e tolerantes não geram monstros, exceto em casos muito raros. Só que essas famílias, para existirem, também precisam do cuidado do Estado e da sociedade com as pessoas. Cuidados reais, não verbas para construções e promessas  de campanha.
    É o caso de perguntarmos que educação familiar e quais famílias produziram seres como Jair Bolsonaro, seus filhos pró milicianos, o major Olímpio e mesmo o general Mourão, politiqueiro e oportunista que não ousa contestar a idéia absurda de flexibilizar o uso de armas entre a população civil, como se estivéssemos em uma guerra permanente dentro de casa e fora dela. Isso é a consagração da estupidez, do femenicídio, da brutalidade e do desprezo pelo outro.
    Militares gostam de uma guerra, aprenderam a guerrear como se aprende a jogar videogames, temos problemas com os traficantes e matamos negros nos morros que são seres humanos excluídos e miseráveis. Mas será que a única solução que vislumbram é matar mais?
    O “homo blosonariannus” não deve ser o melhor modelo civilizatório para o Brasil, ainda que seja o produto de uma eleição carregada de expectativas de melhoria da economia e da sociedade.  Sua visão “hobbesiana”, sem conhecer Hobbes, é a de que o homem é o lobo do homem, e não tem outra saída. Esse tipo de homem se parece muito com um fascista. Pela simples razão de que suas soluções são iguais às daqueles garotos confusos que mataram uma dezena de pessoas, inclusive eles próprios
   

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