Reinaldo Lobo
O Brasil já produz o “homo
bolsonariannus”. O major Olímpio, senador da República, é um exemplar da
espécie. É um ser que gosta das soluções simples, violentas e estúpidas, como a
idéia de armar bedéis, professores e merendeiras das escolas para reagirem a
ataques de garotos suicidas e homicidas armados com armas de fogo.
Outro modelo da nova safra de brasileiros
surgidos após a eleição de novembro de 2018, é o general Mourão, vice
presidente da República, que foi capaz de diagnosticar o que houve na escola em
Suzano, quando morreram pelo menos dez pessoas , incluindo os dois jovens
suicidas. Achou a chave de tudo: o excesso de vídeo games violentos na praça,
capazes de distorcer a mente dos garotos e garotas.
O grande estrategista militar foi fiel ao
pensamento da Escola Superior de Guerra, segundo o qual o controle das mentes é
o instrumento para manipular populações de seres humanos como parte da guerra
psicológica pelo poder e a dominação. Na época da Guerra Fria , quando o hoje
general de divisão era jovem, esse pensamento visava a combater o comunismo,
essa insidiosa ideologia capaz de lavar e submeter os cérebros das crianças e
dos adultos. Hoje, o discurso é mesmo, ainda que não exista nenhuma potência
comunista atrás de nossas crianças.
A complexidade de uma tragédia como a de
Suzano fica reduzida ao clique do gatilho de uma arma ou de um botão de
videogame.
O “homo bolsonariannus” não está interessado
em complexidades nem em sutilezas psicossociais. Suas respostas são diretas e
imediatas, na ponta da língua. Não lhe ocorre que a insegurança generalizada da
população talvez não se possa resolver com mais armas ou com maior repressão
paterna aos jogos das crianças.
Tampouco passa pelas cabeças do major e do
general que a educação de qualidade nas escolas, emprego para os pais, uma
orientação preventiva de psicólogos competentes, confiança na seguridade
social, a assistência às famílias,
difusão de valores democráticos, como respeito às diferenças e liberdade de
manifestação, igualdade salarial entre homens e mulheres , promoção real dos
professores, alimentação de qualidade, mais cuidado do Estado com as pessoas e
sua saúde mental, sem fanatismo religioso ou reduções simplórias, talvez possam
minorar a angústia das crianças e das famílias.
No mundo inteiro, o reconhecido narcisismo
ferido dos adolescentes, fonte de fúrias, às vezes assassinas e suicidas,
costuma ser prevenido com trabalhos de dinâmica nas escolas e, sobretudo,
evitando-se o acesso às armas de fogo. Não há dúvida de que vídeos e filmes
podem inspirar a FORMA dos gestos violentos, mas só em alguns indivíduos cuja
problemática no lar e nas suas mentes atormentadas os convida à violência.
Crianças saudáveis podem perder o
equilíbrio quando submetidas ao bullying nas escolas, muito freqüentes, mas não
chegariam ao furor narcísico se tivessem assistência a tempo e não obtivessem
acesso a armas de fogo. Uma cultura da paz e do diálogo pode ser implementada
na vida escolar e, mesmo que os jovens tenham uma maior impulsividade, não é a
maioria que chega ao desespero dos atiradores de Suzano. É possível um trabalho
cuidadoso de prevenção ao suicídio – pois os franco atiradores geralmente são
suicidas. Mas isso não ocorre ao “homo bolsonariannus” cuja regra consiste em
usar a violência e a repressão para combater a violência.
Vídeos e filmes violentos, ao contrário do
que supõe o “homo bolsonariannus”, são uma forma de descarga de impulsos
agressivos e caminho para uma forma de alguma sublimação. Só induzem à
violência os que estão suscetíveis a ela, isto é, os mais perturbados ou
traumatizados. Os estudos realizados nos EUA, onde as ocorrências são bem
conhecidas, mostram que quem comete massacres em escolas são os vingadores,
eles próprios vítimas de traumas prévios e de famílias inseguras na condução
dos afetos. Não são afligidos apenas por
questões morais e espirituais, como querem os religiosos, mas afetivas.
A busca dos jovens por atenção e
reconhecimento, sua fome por olhares compreensivos e tolerantes em relação às suas idiossincrasias e expectativas, às
vezes exageradas, pode ser uma das bases complexas da violência, quando essa
busca é frustrada.
Famílias suficientemente amorosas e
tolerantes não geram monstros, exceto em casos muito raros. Só que essas
famílias, para existirem, também precisam do cuidado do Estado e da sociedade
com as pessoas. Cuidados reais, não verbas para construções e promessas de campanha.
É o caso de perguntarmos que educação
familiar e quais famílias produziram seres como Jair Bolsonaro, seus filhos pró
milicianos, o major Olímpio e mesmo o general Mourão, politiqueiro e
oportunista que não ousa contestar a idéia absurda de flexibilizar o uso de
armas entre a população civil, como se estivéssemos em uma guerra permanente
dentro de casa e fora dela. Isso é a consagração da estupidez, do femenicídio,
da brutalidade e do desprezo pelo outro.
Militares gostam de uma guerra, aprenderam
a guerrear como se aprende a jogar videogames, temos problemas com os
traficantes e matamos negros nos morros que são seres humanos excluídos e
miseráveis. Mas será que a única solução que vislumbram é matar mais?
O “homo blosonariannus” não deve ser o
melhor modelo civilizatório para o Brasil, ainda que seja o produto de uma
eleição carregada de expectativas de melhoria da economia e da sociedade. Sua visão “hobbesiana”, sem conhecer Hobbes,
é a de que o homem é o lobo do homem, e não tem outra saída. Esse tipo de homem
se parece muito com um fascista. Pela simples razão de que suas soluções são
iguais às daqueles garotos confusos que mataram uma dezena de pessoas,
inclusive eles próprios
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