Reinaldo Lobo
Não é de espantar que o cabo Daciolo
tenha inventado a URSAL, “União das Repúblicas Socialistas da América Latina”,
para descrever suas preocupações com o avanço do chamado “comunismo” nessa
região do planeta. O cabo presidenciável, avatar de Bolsonaro, foi injustamente
alvo de chacota nas redes sociais. Chamado de delirante e paranoico, é apenas
um simplório e ignorante em matéria de política, ainda que se ache um
espertalhão. Como, aliás, a maior parte da “elite” política brasileira.
O cabo não sabe distinguir socialismo
democrático de comunismo e isso não é só culpa dele. Toda a direita brasileira
não vê gradações e nuances entre os que estão à esquerda no espectro político. Para
essa turma, uma simples crítica social vira sinônimo de “comunismo”, a fim de
aterrorizar a classe média e defender “intervenção militar”.
A
pobreza do imaginário político brasileiro só é comparável à sua capacidade para
criar siglas falsas, vazias e absurdas, além das mais complexas fantasias
conspiratórias.
Temos um Partido Social Democrático, que
não é social, mas só um grêmio fisiológico liderado pelo oportunista
ex-prefeito Kassab, de São Paulo.
Há um
Partido Progressista, de Maluf, filho da Ditadura, agrupamento que não tem nada
de “progressista”, dedicado hoje a fazer negócios e cujos membros apenas buscam
se safar da cadeia.
Existe uma série de partidos
“trabalhistas” cujos militantes e líderes nem sabem exatamente o que é
trabalhismo e nunca ouviram falar de Alberto Pasqualini. Hoje, seu chefe é o
honorável Roberto Jefferson, cujo estilo nem chega perto do perfil de Getúlio
Vargas.
O PSDB (Partido da Social Democracia
Brasileira), tido no início como de centro-esquerda, comportou-se como um
autêntico grupo neoliberal no governo FHC, e, agora, alinha-se com o apodrecido
governo Temer, cuja política de “austeridade” é ultraconservadora. Já o MDB de
Temer nada tem em comum com um movimento que foi capitaneado por Ulysses
Guimarães, tendo se tornado um saco de gatos pardos e noturnos.
O próprio Partido dos Trabalhadores,
considerado o mais coerente ideologicamente e visto como representante da
classe operária, uma vez no governo defendeu interesses de banqueiros, de
algumas empreiteiras corruptas e teve seu auge no governo Dilma, que chamou o
banqueiro conservador Joaquim Levy para dirigir a economia. Quanto ao PC do B,
originário da” linha chinesa”, afirma defender a democracia, mas tem no seu
passado a meta da ditadura do proletariado.
É de se duvidar que exista no mundo
tamanha proliferação de partidos e tanta
contradição entre os seus “princípios” e sua prática efetiva como no Brasil.
Não nos referimos somente ao jogo das denominações, mas ao vazio de conteúdo
programático e ideológico. Boa parte do discurso político nacional reflete a
ignorância em relação a qualquer filosofia, ética e fundamentos da política.
Na Europa, o presidente francês Macron já
citou o filósofo liberal Bertrand de Jouvenel com facilidade; os alemães social
democratas lembram a filosofia de Jurgen Habermas ou mesmo recordam seus
sólidos antecessores políticos, como Willy Brandt. Já os conservadores não
hesitam em evocar Conrad Adenauer e, quanto aos ingleses, falam com
naturalidade do filósofo liberal anglo-austríaco Karl Popper e de Winston
Churchill, o seu grande estadista.
É claro que, na Europa, existem o
fisiologismo eventual e a estupidez dos neofascistas franceses ou, nos EUA, a
de Donald Trump. Mas isso não é a regra dos partidos tradicionais nem do
eleitorado que demonstra alguma fidelidade.
Em
nosso País, falta-nos uma tradição ideológica nítida, fundada não em reações
epidérmicas, mas em pensamento. Nossos partidos têm programas frouxos, que
oscilam em expressar interesses ou motivos eleitorais de ocasião.
Boa parte do mantra anticomunista e
anticorrupção que anima a direita vem dessa estreiteza de pensamento, que
estimula fantasias simplistas como as dos eleitores de Bolsonaro e as do cabo
Dalciolo, esse novo emergente da estupidez nacional, que ganhou uma audiência
súbita e fugaz.
Para esses, a política se resume a uma luta
entre bandidos (comunistas e imorais) e a polícia (incluídos aí procuradores de
justiça e juízes). Os mais sofisticados entre os conservadores falam do perigo
“populista” na América Latina que precisa ser combatido com a extirpação de
seus líderes e a promoção de uma “centro direita” privatista e
pró-norte-americana. Desse ponto-de-vista, a URSAL é o populismo. Esquecem que
pode existir populistas de direita, como fascistas, neonazistas, bolsonarianos,
capitães, coronéis e generais latino-americanos, além de malucos do tipo de
Trump.
Em épocas de crise do capitalismo, que se
sucedem em ondas recentes, o aparecimento de fantasias autoritárias é tão comum
quanto as Fake News hoje em voga. As pessoas inseguras preferem crer em teorias
conspiratórias e buscar soluções “rápidas e simples” para a segurança pública,
o desemprego e a instabilidade social e econômica.
Grande parte dos que seguiram Hitler nos
anos 30 não se baseavam em nenhuma teoria filosófica nazista nem tinham tanta
clareza do que faziam, mesmo existindo tradições social-democráticas na
Alemanha, bem como liberais e monárquicas, todas foram diluídas pela salada
ideológica oferecida pelo “tio Adolf”. Ele foi seguido, em grande parte, por
gente motivada por impulsos reativos ao caos, à inflação e à ameaça de miséria
permanente.
Nossa salada ideológica não tem a maionese
filosófica francesa nem o molho democrático inglês ou mesmo o chucrute prático
alemão. Nossa salada tropical é salpicada de violência, fantasias mitômanas e
ignorância profunda. Precisamos de muito cuidado nesse momento eleitoral pelo
qual passamos.
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