Reinaldo Lobo*
O capitalismo é uma religião, sugeriu uma
vez o genial sociólogo Walter Benjamin. Para existir, é preciso que as pessoas
acreditem nele. Milhões de pessoas no mundo não pensam muito nisso, estão imersas
no sistema capitalista ou acreditam piamente. Outro gênio, Max Weber, informou
que o espírito do capitalismo é protestante, privilegia o esforço e o trabalho
em busca de recompensas terrestres, além de prometer também o céu.
As pessoas continuam a acreditar no
capitalismo, ainda que permaneçam nele e algumas gostem de possuir capital?
Tenho minhas dúvidas. A maioria no mundo não usufrui dos privilégios do
capital—apenas cerca de um por cento. As massas só pegam certas migalhas do
consumo. A miséria é muito grande em toda a parte, inclusive em zonas sensíveis
do Primeiro Mundo.
A assim chamada globalização, na verdade
uma ampliação sem precedentes da comunicação, só fez aumentar o número de
crentes, sedentos de participar das benesses dos grandes centros de riqueza. As
multidões de refugiados não vão apenas atrás de abrigo, mas dos polos
fornecedores das migalhas para a sobrevivência.
Pode-se pensar que essas pessoas fogem de onde o capitalismo falhou ou
não se implantou, mas o fato é que as áreas do mundo onde houve essa falha pode
ser apenas o enorme reflexo de um mau funcionamento central.
Dois mitos centrais que sustentam hoje a
religião capitalista são o do “crescimento infinito” e o do “consumo infinito”.
Fazer a máquina do capital funcionar é obter um crescimento econômico sem
cessar (PIB, produtividade, etc.) O sistema exige isso automaticamente e, em consequência,
decorre a demanda de um consumo infinito, em perfeito equilíbrio com as contas
de cada economia. No registro imaginário das ideologias das sociedades
capitalistas esses dois mitos foram naturalizados. Não pode haver economia sem
crescimento e sem consumo em fluxo constante.
Marx, um crítico, também acreditou no
capitalismo. Tanto que sua visão de passagem para uma outra sociedade sairia,
sobetudo , das virtudes do capital e seria uma transformação natural
(dialética) em direção ao comunismo, o reino da liberdade.
Sua ideia de revolução não tinha nada a ver
necessariamente com violência física, ainda que registrasse a luta de classes e
seus efeitos políticos, mas seria o resultado do desenvolvimento das forças
produtivas do capitalismo, que encontraria barreiras nas relações sociais
envelhecidas, provocando a mudança. Não falava de decadência econômica do
sistema, mas de seu auge.
Marx era um racionalista e, para ele, tudo
tinha que ter uma lógica estrita e compreensível. Incomodava-o o fato de
existir racionalidade nas fábricas e na produção, mas anarquia nos mercados e
nas sociedades. No comunismo, supunha, não haveria contradições como essa. O
comunismo seria a reconciliação da razão consigo mesma.
Ao contrário dos otimistas, sejam eles os
crentes do capitalismo, sejam os adeptos fervorosos da “razão histórica”,
desconfio que a religião capitalista começa a ser alvo de ceticismo até por
parte os seus maiores adoradores.
A brutal desigualdade mundial das riquezas e
de sua distribuição; as crises sucessivas, as revelações de que o mito do
crescimento infinito é só isso mesmo, um mito, pois a destruição dos recursos
da Terra coloca um limite real; a repetição de pandemias cada vez piores em
devastação, decorrentes da divisão do trabalho na globalização do capital e na
circulação internacional ; as massas de desempregados—tudo isso cria um quadro
nada promissor para os seguidores do Mercado, essa espécie de Deus dos
adoradores do bezerro de ouro.
Os que acreditam na racionalidade do
capitalismo chamam a atenção para a sua plasticidade e capacidade de se
adaptar, achando soluções para suas diversas crises. Não fosse assim –dizem- o
capitalismo já teria sucumbido, digamos, em 1929, mas achou a saída do New Deal
norte-americano, pondo em ação o Estado protetor. Essa flexibilidade do sistema
existe, de fato, pois torna tudo mercadoria: camisetas com estampas de Che
Guevara viraram moda de consumo e o Vietnã se tornou uma economia de mercado.
Tudo, porém, tem um limite. É possível indagar se o capitalismo não
estaria atingindo o seu ponto entrópico. Seu limite seria a destruição de seus
recursos de adaptabilidade, ou seja, seu limite poderia ser a sua própria
destruição.
Freud escreveu uma crítica da religião
intitulada “O Futuro de uma Ilusão”, talvez o seu texto mais duro sobre a
sociedade. Mostra que a religião é uma necessidade para socorrer o desamparo
das pessoas diante da vida e da morte, mas também um erro do tipo obsessivo ,
consistindo numa defesa contra a realidade e um fruto da ignorância. Sua
esperança era de que , no futuro, os humanos pudessem prescindir da crendice e
da religiosidade com o desenvolvimento da ciência e da educação.
A única analogia que proponho aqui com a
obra de Freud é a hipótese de que a humanidade possa prescindir da crença no
capitalismo como única forma de progresso, não pela evolução da ciência e da
educação, mas pela evidência de que a natureza destrutiva do capitalismo ameaça
a própria existência do homem na Terra.
Muito bom!
ResponderExcluirTbm compartilho desse-desejo-utopia que a humanidade consiga prescindir do capitalismo. Só espero que seja antes dele que é autofágico já não tenha destruído a tudo e a todos. Porque às vezes eu sinto que a pergunta é qual é o futuro da desilusão?
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