domingo, 6 de setembro de 2020

MENTIRAS QUE NOS CONTARAM

Reinaldo Lobo Uma das mentiras mais escandalosas que nos pregaram, lá pelo final dos anos 80 e início dos 90, foi o rótulo de “globalização” para o que acontecia na economia e na sociedade do planeta. Foi uma invenção de neoliberais disfarçados de socialdemocratas, principalmente o presidente norte-americano Bill Clinton e o primeiro ministro inglês Tony Blair. Não é preciso dizer que logo foram imitados pelo nosso ilustre FHC, que a divulgou como se o mundo tivesse entrado numa nova era democrática, uma espécie de utopia de onde jorrariam o leite e o mel da comunhão entre os povos e da riqueza advinda do comércio sem barreiras. Um sociólogo britânico, Anthony Giddens, tido como conselheiro de Blair, deu a base teórica para a justificação ideológica desse programa, inventando outra mentira escrachada – na verdade reinventando, pois o fascismo já se denominava assim: foi a expressão Terceira Via (entre o comunismo-socialismo e o capitalismo). Na verdade, o governo trabalhista de Blair precisava de uma racionalização para explicar sua adoção, quase ao pé—da—letra, da política herdada de Margareth Thatcher, ultraliberal e conservadora. O objetivo do programa neoliberal era desmontar o Estado-do-Bem-estar Social adotado em quase toda a Europa após a Segunda Guerra Mundial. Essa desmontagem era um efeito do crescimento brutal da economia norte-americana no após-guerra, do novo domínio do capital financeiro e dos monopólios internacionais, chamados agora de multinacionais. A chamada globalização foi pintada como a livre circulação das pessoas e das ideias, como o congraçamento entre os povos, o início do fim das fronteiras e a aproximação cultural. A representação mais encantadora dessa nova etapa era a Europa do mercado comum, moeda comum e economias “cooperativas”. Só esqueceram de dizer que isso se dava no pano de fundo de um capitalismo cada vez mais voraz por novos mercados, além de se ignorarem três questões: os regionalismos culturais, como o do mundo árabe e muçulmano; a miséria crescente no Terceiro Mundo e seus conflitos como área estratégica das grandes potências; e—last, but not least—a crescente presença da economia chinesa, que aparecia como uma gigantesca nave deslizando num mar dominado pela Pax Americana. A economia dita mundializada se tornou um cassino de operações financeiras altamente concentradoras de renda e nunca se viu tamanha distância entre ricos e pobres no planeta. Hoje, a própria Europa, modelo para a utopia, enfrenta o Brexit e conflitos econômicos e monetários entre seus participantes. Com o 11 de setembro de 2001 caiu completamente a quimera de um mundo globalizado, e surgiu uma nova mentira: a crença de que tudo se resumia a uma guerra entre civilizações, a ocidental e a oriental, assim como a um conflito de religiões entre cristãos e muçulmanos. O que era a superfície virou a essência e, assim, fizeram-se duas guerras por petróleo no Oriente Médio, acirrando o novo espantalho—o terrorismo. A superfície, era o perigo terrorista; o fundamento, a guerra pela hegemonia do mercado de energia no mundo, bem longe de ser cooperativo e regulável apenas pelas leis de mercado. A aparente cena idílica da globalização foi substituída cada vez mais por conflitos com refugiados das regiões pobres, que tentam entrar em sociedades sobreviventes da crise geral do capital, cujas contradições consistem em buscar a internacionalização e , ao mesmo tempo, garantir os poderes hegemônicos locais e regionais. A mais nova mentira que nos contam é a do conflito fundamental entre os EUA e a China, quando as duas economias estão cada vez mais complementares e, se uma soçobrar, a outra também irá água abaixo. Há conflito político entre as duas potências pela manutenção dos atuais limites e interesses, agravados pela política regressiva de Donald Trump , forjando um falso nacionalismo norte-americano com finalidades eleitorais e, numa certa medida, financeiras. A pergunta que fica é: quem cria as mentiras, estimulando a ignorância e a submissão das pessoas em toda parte? Vimos como, no caso dos EUA e Inglaterra, a invenção ideológica da Terceira Via foi necessária para servir aos interesses políticos dos respectivos governos. Hoje, as lideranças da China e dos EUA também têm interesses semelhantes: os chineses, em manter o regime totalitário com o povo acreditando num inimigo externo; no caso norte-americano, a mentira serve para ganhar eleições para o partido de Trump, mas também para os democratas. Os chineses tinham um slogan do tempo de Mao Tsé tung: “ o imperialismo norte-americano é um tigre de papel”. Não poderíamos dizer agora que a China também é um tigre de papel?

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