Reinaldo Lobo
Desde o estrondoso sucesso do filme
“Tropa de Elite” (2007), do diretor José Padilha, ficou evidente que estava em
gestação na sociedade brasileira um tipo repressivo, violento, “faca na
caveira”, um justiceiro admirado por sua capacidade de simplificar tudo e,
assim, alcançar resultados rápidos contra o crime. O capitão Bolsonaro iria se
tornar mais tarde a encarnação do capitão Nascimento, que até hoje povoa o
imaginário da classe média.
A idealização do herói assassino e
torturador é, todos sabemos, perigosa para a democracia, mas, com a crise
econômica iniciada em 2008 e generalizada a partir de 2013, a extrema direita
ganhou uma opinião pública favorável, pela primeira vez desde a Ditadura
civil-militar de 1964-1985.
Que
fique claro: não foi o filme de sucesso que criou essa situação, mas ele
refletiu um clima potencial no interior de várias camadas das classes médias e
até mesmo das mais pobres. As pessoas estavam cansadas da criminalidade impune,
cujo auge se revelou nas denúncias na Lava Jato.
A violência cotidiana dos morros e
favelas, o tráfico fortalecido pela desemprego em massa, os recordes de balas
perdidas e assassinatos, tudo isso levou a formar um caldo de cultura favorável
ao aparecimento de um Bolsonaro, não por acaso chamado de “o mito” por seus
adeptos.
Os seus potenciais eleitores viam nele a
aura imaginária do capitão Nascimento: rude, tosco, voltado para o dever ao
ponto de, com pouca relutância, matar friamente e torturar, mas sempre do lado
“dos cidadãos de bem”. Estes, como os historiadores e sociólogos sabem, são a
massa infantilizada, de mentes simplórias, dos seguidores de líderes fascistas
mais do que idealizados, idolizados.
A política passou a ser demonizada como
um caso de polícia: “bandidos versus cidadãos de bem”. Essa visão simplória
leva à reforçar soluções onipotentes e igualmente simplórias de Bolsonaro e seu
vice “faca-na-caveira”, o vaidoso e arrogante general Mourão, os quais não
deixam dúvidas sobre seu propósito: tornar a violência política de Estado.
Ocorre que, para isso, precisavam
alimentar o mito do capitão infalível. Depois da facada desferida por um
presumível psicótico que recebia “ordens de Deus” --talvez um invejoso
admirador secreto do “capitão justiceiro” --, houve um efeito psicológico
paradoxal: o capitão mostrou-se às mentes adolescentes e infantilizadas
completamente vulnerável, com perigo de morte, prostrado num leito de hospital.
A pena e a comoção não fizeram
disparar as pesquisas de opinião a favor do líder fascista, cujo ídolo pessoal
é o ex-major Carlos Brilhante Ustra, já falecido, antigo chefe dos torturadores
do DOI-Codi, centro de operações do II Exército em São Paulo – o “herói que
mata”, segundo o vice Mourão.
Os jovens que não viveram o período da
Ditadura e que estão revoltados com os políticos continuam a se inclinar diante
de Bolsonaro, mas talvez percam um pouco do fascínio em relação a um ídolo
vulnerável, vítima de sua própria incitação à violência. A dó pela sua condição
de alvo de um ataque brutal pode não ser suficiente para recuperar o prestígio
de “homem forte”.
O Super-homem que queria armar toda a
população brasileira contra os “bandidos” encontrou a sua “criptonita” na forma
de uma simples arma branca e as mentes simplórias dos que o apoiam talvez
neguem sua fragilidade, mas o fato é que sua popularidade não aumentou depois
do atentado. Tentam restaurar a idealização desfeita cultivando uma outra
imagem, a de mártir. Até agora, sem sucesso.
Um mérito se deve à candidatura do
inquieto fascista: colocou, talvez definitivamente, a questão da segurança no
centro do debate político. A própria esquerda sempre evitou entrar direto no
assunto, negando sua pertinência em função da necessidade de achar soluções
sociais para o problema.
Agora, é impossível ignorá-lo. Os
candidatos da esquerda e da centro-esquerda, como Ciro Gomes, Marina Silva e
Fernando Haddad, sem falar no jacobino Guilherme Boulos, estão sugerindo
fórmulas para reforçar a vigilância das fronteiras, criar uma área forte de
inteligência, unificar as polícias, a fim de enfrentar o crime organizado. Suas
soluções são sempre mais complexas do que as da chapa Bolsonaro-Mourão, que já
propuseram invadir, e não intervir, as favelas para “metralhar uns dez mil de
uma vez”. Parecem que tiraram suas opiniões desses programas policiais na TV,
sensacionalistas para impressionar o público.
O problema com os “profissionais da
violência”, como se autodenominam, é que não se limitam a falar, mas podem agir
num futuro governo, a se delinear a partir das eleições das próximas
semanas. Uma característica das mentes
fascistas, desde Mussolini e Hitler, é que costumam anunciar medidas que muitos
não acreditam que serão postas em prática, mas que se mostram efetivas logo
depois.
Alguns dizem que Bolsonaro não passa de um
boquirroto, como Trump. Ele gosta dessa comparação, pois pode ajudá-lo a ganhar
uma eleição até aqui bizarra. Mas há uma diferença em comparação com Trump: as
instituições da democracia norte-americana são muito mais fortes do que as
brasileiras.
Aqui, onde Bolsonaro encontrou sem dúvida,
como queria o ditador Stálin, o “inimigo objetivo” para assustar o povo -- a
ameaça do banditismo e dos traficantes--, as instituições estão enfraquecidas
pela Lava Jato e pelo impeachment, fruto de uma operação parlamentar bem armada
para desalojar a presidente eleita. O Executivo está fraco, o Judiciário parece
forte, mas está politizado e dividido, e o Parlamento todos sabemos como está.
O poderoso Collor também havia encontrado seu “inimigo objetivo” – os “marajás”
do funcionalismo— e hoje vemos o que resultou do seu governo.
Há uma esperança: na manifestação em que
o capitão foi ferido não havia uma única mulher lhe dando apoio político. A
maior rejeição ao candidato nas pesquisas é das mulheres. Vamos torcer para que
elas, hoje mais próximas da política do que nunca, arranquem de vez a aura dos
fascistas e deem a resposta democrática que a maioria deseja.