quinta-feira, 13 de setembro de 2018

O CAPITÃO SEM FORÇAS




                                                               Reinaldo Lobo

      Desde o estrondoso sucesso do filme “Tropa de Elite” (2007), do diretor José Padilha, ficou evidente que estava em gestação na sociedade brasileira um tipo repressivo, violento, “faca na caveira”, um justiceiro admirado por sua capacidade de simplificar tudo e, assim, alcançar resultados rápidos contra o crime. O capitão Bolsonaro iria se tornar mais tarde a encarnação do capitão Nascimento, que até hoje povoa o imaginário da classe média.
      A idealização do herói assassino e torturador é, todos sabemos, perigosa para a democracia, mas, com a crise econômica iniciada em 2008 e generalizada a partir de 2013, a extrema direita ganhou uma opinião pública favorável, pela primeira vez desde a Ditadura civil-militar de 1964-1985.
     Que fique claro: não foi o filme de sucesso que criou essa situação, mas ele refletiu um clima potencial no interior de várias camadas das classes médias e até mesmo das mais pobres. As pessoas estavam cansadas da criminalidade impune, cujo auge se revelou nas denúncias na Lava Jato.
      A violência cotidiana dos morros e favelas, o tráfico fortalecido pela desemprego em massa, os recordes de balas perdidas e assassinatos, tudo isso levou a formar um caldo de cultura favorável ao aparecimento de um Bolsonaro, não por acaso chamado de “o mito” por seus adeptos.
     Os seus potenciais eleitores viam nele a aura imaginária do capitão Nascimento: rude, tosco, voltado para o dever ao ponto de, com pouca relutância, matar friamente e torturar, mas sempre do lado “dos cidadãos de bem”. Estes, como os historiadores e sociólogos sabem, são a massa infantilizada, de mentes simplórias, dos seguidores de líderes fascistas mais do que idealizados, idolizados.
       A política passou a ser demonizada como um caso de polícia: “bandidos versus cidadãos de bem”. Essa visão simplória leva à reforçar soluções onipotentes e igualmente simplórias de Bolsonaro e seu vice “faca-na-caveira”, o vaidoso e arrogante general Mourão, os quais não deixam dúvidas sobre seu propósito: tornar a violência política de Estado.
       Ocorre que, para isso, precisavam alimentar o mito do capitão infalível. Depois da facada desferida por um presumível psicótico que recebia “ordens de Deus” --talvez um invejoso admirador secreto do “capitão justiceiro” --, houve um efeito psicológico paradoxal: o capitão mostrou-se às mentes adolescentes e infantilizadas completamente vulnerável, com perigo de morte, prostrado num leito de hospital.
         A pena e a comoção não fizeram disparar as pesquisas de opinião a favor do líder fascista, cujo ídolo pessoal é o ex-major Carlos Brilhante Ustra, já falecido, antigo chefe dos torturadores do DOI-Codi, centro de operações do II Exército em São Paulo – o “herói que mata”, segundo o vice Mourão.
       Os jovens que não viveram o período da Ditadura e que estão revoltados com os políticos continuam a se inclinar diante de Bolsonaro, mas talvez percam um pouco do fascínio em relação a um ídolo vulnerável, vítima de sua própria incitação à violência. A dó pela sua condição de alvo de um ataque brutal pode não ser suficiente para recuperar o prestígio de “homem forte”. 
     O Super-homem que queria armar toda a população brasileira contra os “bandidos” encontrou a sua “criptonita” na forma de uma simples arma branca e as mentes simplórias dos que o apoiam talvez neguem sua fragilidade, mas o fato é que sua popularidade não aumentou depois do atentado. Tentam restaurar a idealização desfeita cultivando uma outra imagem, a de mártir. Até agora, sem sucesso.
     Um mérito se deve à candidatura do inquieto fascista: colocou, talvez definitivamente, a questão da segurança no centro do debate político. A própria esquerda sempre evitou entrar direto no assunto, negando sua pertinência em função da necessidade de achar soluções sociais para o problema.
    Agora, é impossível ignorá-lo. Os candidatos da esquerda e da centro-esquerda, como Ciro Gomes, Marina Silva e Fernando Haddad, sem falar no jacobino Guilherme Boulos, estão sugerindo fórmulas para reforçar a vigilância das fronteiras, criar uma área forte de inteligência, unificar as polícias, a fim de enfrentar o crime organizado. Suas soluções são sempre mais complexas do que as da chapa Bolsonaro-Mourão, que já propuseram invadir, e não intervir, as favelas para “metralhar uns dez mil de uma vez”. Parecem que tiraram suas opiniões desses programas policiais na TV, sensacionalistas para impressionar o público.
     O problema com os “profissionais da violência”, como se autodenominam, é que não se limitam a falar, mas podem agir num futuro governo, a se delinear a partir das eleições das próximas semanas.  Uma característica das mentes fascistas, desde Mussolini e Hitler, é que costumam anunciar medidas que muitos não acreditam que serão postas em prática, mas que se mostram efetivas logo depois.
    Alguns dizem que Bolsonaro não passa de um boquirroto, como Trump. Ele gosta dessa comparação, pois pode ajudá-lo a ganhar uma eleição até aqui bizarra. Mas há uma diferença em comparação com Trump: as instituições da democracia norte-americana são muito mais fortes do que as brasileiras.
     Aqui, onde Bolsonaro encontrou sem dúvida, como queria o ditador Stálin, o “inimigo objetivo” para assustar o povo -- a ameaça do banditismo e dos traficantes--, as instituições estão enfraquecidas pela Lava Jato e pelo impeachment, fruto de uma operação parlamentar bem armada para desalojar a presidente eleita. O Executivo está fraco, o Judiciário parece forte, mas está politizado e dividido, e o Parlamento todos sabemos como está. O poderoso Collor também havia encontrado seu “inimigo objetivo” – os “marajás” do funcionalismo— e hoje vemos o que resultou do seu governo.
      Há uma esperança: na manifestação em que o capitão foi ferido não havia uma única mulher lhe dando apoio político. A maior rejeição ao candidato nas pesquisas é das mulheres. Vamos torcer para que elas, hoje mais próximas da política do que nunca, arranquem de vez a aura dos fascistas e deem a resposta democrática que a maioria deseja.