quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

UM PSICOPATA NO PODER

Reinaldo Lobo* O maior perigo de um presidente psicopata é a disseminação da irresponsabilidade, do desrespeito pelos outros, do pouco caso com a vida, do crime, da mentira e da destruição da Lei por toda a sociedade. Ele é um mau exemplo. Como autoridade, consagra a ideia de que a única legitimidade possível é pela violência, o desrespeito e a força bruta. Jair Bolsonaro tem vários traços de uma personalidade psicopática ou, mais precisamente, possui uma mente delinquencial. Isso mesmo: uma pessoa antissocial e nociva para a convivência. Manipulador e narcisista, portanto, extremamente egoísta, onipotente sem empatia pelos outros, aproveitador, arrogante e estúpido, incapaz de reconhecer o sofrimento alheio e coletivo, sem generosidade com quem não pertença ao seu círculo de semelhantes, vivendo em estado esquizoparanóide quase permanente, impossibilitado de assumir os próprios erros e sempre procurando alguém para botar a culpa. Como é possível que um presidente votado por quase 60 milhões de cidadãos de uma sociedade organizada tenha escapado ao critério seletivo de tanta gente? São todos cegos, insensíveis e ingênuos? Houve manipulação ideológica? Há quem diga, entre os cientistas políticos, que ele é um caso de “presidente acidental”, resultado das circunstâncias políticas e sociais de um período de crise. Não dá para acreditar totalmente nisso, ainda que, em parte, haja alguma verdade na “acidentalidade” do fenômeno Bolsonaro. A “onda Bolsonaro” seria o fruto de um vácuo que surgiu após o descrédito parcial do PT (não foi total, pois o candidato petista teve quase 50 milhões de votos), acrescido do lance da facada (até agora obscuro) que provocou certa comoção e dó por parte dos eleitores. Além disso, ajudou-o a evitar os debates que mostrariam melhor o seu perfil íntimo e sua enorme ignorância cultural e dos problemas do País. Também escondeu informações como sua ligação estreita com milicianos cariocas e o crime organizado. Os candidatos adversários tiveram pudor de expor tudo, pois seria atacar uma vítima de uma “tentativa de assassinato”. O fato é que milhões se identificaram e muitos ainda se identificam com os traços violentos e delinquenciais do candidato, hoje presidente. Teremos no Brasil uma multidão de macunaímas sem nenhum caráter? Parece. Uma personalidade como a de Adolf Hitler, por exemplo, pode passar despercebida em seu caráter deletério por algum tempo, em função da sedução que promove demagogicamente, prometendo o paraíso e entregando algo. Hitler era um ressentido, um artista fracassado, que não conseguiu passar no vestibular para a Academia de Artes, mas com um dom de oratória e alguma criatividade meio delirante. Ele tinha vergonha da origem humilde de seus pais e da sua condição de cabo na hierarquia militar durante a Primeira Guerra. Mas era mais inteligente do que o nosso neonazista caboclo e sabia organizar um movimento, criando uma estética (discutível) própria. Bolsonaro é um ressentido que fracassou na carreira militar, sem nenhum talento criativo. Também tinha vergonha de sua família humilde do interior em São Paulo e esconde suas origens. O seu ferimento narcísico por ser expulso do Exército gerou certamente nele um furor, escondido pela carreira política, igualmente medíocre e, ao que tudo indica, corrupta. Tem em comum com Hitler a violência, o ódio a incapacidade para sentir a dor do outro. Adotou uma ideologia barata de caserna, que lhe permite sair em defesa da tortura e do assassinato de adversários políticos transformados em inimigos. Decidido a ganhar dinheiro na política, aliou-se ao que havia de pior no Rio de Janeiro e no resto do País, como o paulista Paulo Maluf, outro famoso por sua falta de escrúpulos e sua “cara de pau”. O aspecto moral da psicopatia não é relevante em nada para o próprio psicopata. Não se vê como um doente grave, na verdade um vírus ameaçador para o tecido social. Sua ambição é se aproveitar da sociedade em benefício próprio. E só. Mas no caso de Bolsonaro há um particular cinismo em tratar a morte e a doença dos outros, pois sua ação é pautada pela destrutividade. Ele é radicalmente contra a solidariedade e a própria associação de cidadãos livres. O mundo está dividido entre ele e seus filhos, de um lado, e os inimigos do outro. O fascínio por armas e meios de destruição, além de ser lucrativo junto ao lobby dos fabricantes (“bancada da bala”), é algo que ultrapassa o militarismo. É uma identificação com os grupos neonazistas e suprematistas brancos norte-americanos. Ele imita o que julga ser a legitimidade da força bruta e da imposição de poder dos racistas. O psicopata pode ser, como dissemos, um perigo para o conjunto da sociedade, isto é, um sociopata. O psicopata é um sujeito frio, indiferente à dor alheia (“E daí? O que eu posso fazer?”, diz o presidente diante de mais de 200 mil mortos) e, muitas vezes, é um misógino. Mas nem todo psicopata é um perigo explícito para a sociedade como um todo. Muitos exercem suas características em âmbito restrito, socialmente disfarçados, comportam-se cínica e agressivamente no casamento ou no trabalho, mas não atingem o poder e o alcance de um Hitler, de um Trump ou de um Bolsonaro. O psicopata é, antes de tudo, um delinquente potencial. Mente sobre fatos da realidade sem nenhum pudor. Sua relação com a Lei é para negá-la, contorná-la, destruí-la ou usá-la a seu favor. Muitas vezes, é para usá-la contra alguém. No caso de Bolsonaro, temos um presidente de inclinações delinquenciais que nega a destruição provocada pela pandemia, um genocida, e usa o poder para livrar da cadeia seus filhos identificados com o pai e vai fazer qualquer coisa para manter o poder. Até mesmo provocar um golpe ou, como já preconizou, uma guerra civil. O que um psicopata mais teme é a fraqueza, ou melhor, ter a sua fragilidade revelada. No fundo, é um fraco. Daí, as bravatas e a exaltação da “masculinidade”, que quer provar com pistolas, bombas ou Medidas Provisórias presidenciais.