sexta-feira, 30 de outubro de 2020

UM FIO DE ESPERANÇA

UM FIO DE ESPERANÇA Reinaldo Lobo A perigosa e doce comunista Manuela d’Ávila, de rosto angelical e inteligência aguda, ameaça vencer a eleição municipal em Porto Alegre, cidade importante. O não menos perigoso socialista Guilherme Boulos, simpático e muito articulado, não para de crescer em São Paulo, cidade ainda mais importante, capital da classe média branca. Esse último, ao lado da íntegra nordestina Luísa Erundina, mais parece um José Mujica jovem, residente na periferia, no Campo Limpo, e dono de um Celta surrado. Ameaça sobretudo os candidatos tucanos e bolsonarianos, como o picareta Celso Russomano à frente. O crescimento das duas candidaturas de esquerda empolga principalmente a juventude, que se desdobra nas redes sociais fazendo campanha para elas. Ambas têm também o apoio de artistas renomados, como Caetano Veloso e Wagner Moura, o que está deixando alguns juízes reacionários (não são poucos sob o regime da família Bolsonaro) enlouquecidos com a possibilidade de a esquerda voltar a governos estratégicos dentro das próprias leis que essas autoridades manipulam. Tanto a gaúcha Manuela quanto o paulista Boulos são lideranças emergentes que têm a vantagem da transparência em suas fichas corridas, da honestidade e da confiança da parte menos alienada da população pobre. No Rio Grande do Sul, ainda que seja um Estado conservador e racista, há também uma tradição de esquerda e de combatividade desde os tempos de Leonel Brizola, passando pela governança de trabalhistas e até de trotskistas em Porto Alegre. O fato de Manuela estar no PCdoB não assusta os mais pobres, que querem trabalho e resultados sociais. Quanto à classe média branca, na sua grandiosa ignorância e mesquinhez política, ainda não se deu conta de que o PC do B é o menos comunista entre todos os partidos de esquerda, pois está na “linha chinesa”, sendo a China Comunista, neste momento, um dos países mais capitalistas do planeta, ainda que intitule seu regime de “socialismo com características chinesas”. O partido de Manuela e do governador do Maranhão, Flávio Dino, é desenvolvimentista, defende um capitalismo sob o estímulo e comando do Estado. Seus líderes não hesitam em propor um “socialismo com características brasileiras”. A estreiteza das classes dominantes brasileiras e dos tacanhos militares submissos aos EUA do presidente norte-americano Trump, é o que faz de Manuela uma perigosa ameaça à estabilidade do capitalismo brasileiro. Dentro das instituições democráticas, sem o poder absoluto do Estado como na China, os comunistas do PC do B são mais moderados do que o PT e até mesmo alguns personagens do MDB ou do PSDB. Já Boulos e o PSOL são diferentes, pois representam movimentos sociais e estão à esquerda do PT. São autênticos socialistas vindos de baixo para cima, das ruas e favelas do Rio e São Paulo, e de frações descontentes do próprio PT. Desconfiam da pureza ideológica dos petistas e da liderança zigzagueante de Lula. Detestam a corrupção e quase fazem votos de pobreza como alguns socialistas uruguaios. O ídolo de Boulos é Mujica, que tem um Fusca, mora num pequeno sítio nos arredores de Montevidéu, saiu pobre da presidência e hoje faz pregação socialista pela mídia, além de defender a liberdade e os direitos à candidatura de Lula. Um jornalista conservador, um amigo inteligente já falecido, Sandro Vaia, costumava dizer sarcasticamente que “o PSOL é o PT antes de crescer”. Tirando o sarcasmo, há uma verdade nisso. Como todo movimento vindo das classes sociais oprimidas e de intelectuais de esquerda, há um risco de que o partido de Boulos possa se burocratizar e envelhecer, como ocorreu com o PT . Por enquanto, Boulos representa, junto com Manuela, o fio de esperança de uma esquerda renovada e crescente. Será difícil Boulos vencer em São Paulo, cidade que já foi a mais malufista e sede das passeatas dos camisas amarelas que ajudaram a derrubar a democracia no golpe jurídico-parlamentar de 2016. Mas já é algo promissor o simples fato de sua candidatura estar em curva ascendente, ameaçando os candidatos coniventes com o golpe e/ou com o bolsonarismo. Alguns eleitores arrependidos de terem votado em Bolsonaro não hesitam em dizer que votarão na oposição para “contrabalançar o poder do louco de Brasília”. A esperança não é só para a esquerda se robustecer, mas a oposição em geral ao governo do bizarro neofascista de Brasília e seus aliados, agora ligados também ao Centrão corrupto, de onde, aliás, veio esse ser originado, em última instância, nos porões da Ditadura de 1964-1985. Naquele passado, as eleições municipais, geralmente menos importantes do que as gerais que foram proibidas, ganharam algumas vezes a grandeza de um protesto contra a Ditadura. Hoje, temos uma espécie de ditadura civil-militar corrupta disfarçada de “novidade” híbrida. Está cada vez mais claro que esse governo não veio para acabar com a corrupção, mas para instaurar a própria política corrupta das elites. As próximas eleições municipais podem servir de manifestação das forças e setores que não estão coniventes com a destruição do Meio Ambiente, dos direitos humanos e sociais. Podem ser um fio de esperança não só para alguns, mas para todos os que querem impedir a destruição completa da nação brasileira.