quarta-feira, 31 de março de 2021
PERFIL DE UM BOLSOMINION
Reinaldo Lobo*
É uma fruta rara nacional, como a jabuticaba. Só dá aqui e pode ter uma curta temporada, de única estação. O fascista caboclo, fascista sem o saber, e sem entender bem o que é isso, é um sujeito de vista curta e ignorância vasta.
Acredita num mito, um ex-capitão expulso do Exército, um aventureiro que se arvorou em salvador do capital sem ter o talento organizador e motivador de um Hitler ou de um Mussolini.O bolsominion é, geralmente, um sujeito frustrado. Como seu líder, aliás.
Queria ser rico, até tentou, procurou aproximar-se dos ricos. Imitou-os o quanto pôde. Foi adotando valores dos ricos, opiniões dos ricos, a ideologia deles, mas acabou no Irajá, atingido pelas agruras do capitalismo, por 2008, por uma falência inesperada, pelos ciclos do desemprego, pelo ódio à pobreza.
Estacionou na proverbial classe média, no rol dos mais ou menos proprietários, ou entre os empreendedores necessitados de um empurrãozinho da política, cheios de dívidas com o Fisco e a legislação trabalhista.
O perigo principal seria transitar para a mais baixa classe média, a C ou D, como aconteceu com alguns dos seus semelhantes. Esse é o seu maior terror: ter como destino final a proletarização.
Reza para qualquer pastor, crê em qualquer Teologia da Prosperidade, e roga: valha-nos o dízimo de cada semana ou mês!
Seu fracasso econômico e sua insegurança social são traduzidos em medo da insegurança pública e em horror da ascensão dos pobres, cujas conquistas de direitos passam a constituir uma séria ameaça.
Como se não bastassem pobres e negros nos elevadores, domésticas com direitos trabalhistas, ainda têm a ousadia de frequentar aviões e aeroportos!
Bolsominions são pessoas com medo e impotência diante do jogo socioeconômico. Muitas vezes seres que se sentem fracassados pessoalmente, sem perceber com clareza que o jogo não lhes pertence e que não são individualmente responsáveis por ele -- pelo menos não inteiramente, uma vez que os processos decisórios do sistema não dependem deles.
O problema é que a ideologia dos bolsominions, copiada dos ricos e, sobretudo, dos ricos norte-americanos, diz que basta o esforço individual e uma dose de esperteza para vencer na meritocracia. Quando não vencem, eles se sentem humilhados e desprezíveis. Muitos deprimem ou reagem por meio do ódio, canalizado para algum inimigo em que está projetada a mácula da inadequação e da traição: os políticos corruptos, por exemplo.
Desde 2013, quando o velho tema da direita brasileira – a corrupção- vestiu a cara da Lava Jato e os conservadores ganharam, pela primeira vez, um público e muitos votos virtuais, acionados ao mesmo tempo por uma imprensa privada sem medo de localizar os alvos – Lula, o PT e os “inimigos corruptos”—os bolsominions começaram a sair da toca, antes mesmo do “fenômeno Bolsonaro”.
Estavam prontos para ganhar as ruas com o som e a fúria do seu ódio. E ainda hoje não abandonaram sua violência e fanatismo.
Na sua simplicidade intelectual, o adversário político não merece sobreviver, mas deve desaparecer, ser eliminado, preso ou morto. Não há adversários, como é a regra numa democracia, que “subsistem” ou “sobrevivem” , como diz um juiz do Supremo Tribunal Federal, após o embate político nas instituições do Estado ou nas eleições.
Como se vê, o bolsominion, cujo caráter antecede o próprio Bolsonaro, não é exatamente um democrata. É um adorador da força militar e bruta, que lhe falta no jogo social e econômico. Crê que essa força deve ser voltada contra os mais fracos do que ele se acha, os vulneráveis, para que lhe sobre espaço no mundo almejado dos ricos, que, na verdade, nunca lhe pertencerá.
O bolsominion, por mais radical que seja, não passa de um coadjuvante da cena social e política. Os sujeitos da ação e dos protocolos do poder são outros. Ele é a massa de manobra até mesmo de seu líder caricato, produto da farsa derivada de uma imitação da tragédia fascista do passado.
Hoje, muitos bolsominions sentem-se traídos pela Lava Jato, pois são aqueles que acreditavam que a Força Tarefa não pararia e iria remover “todos os corruptos”. Mas ela parou quando tirou Lula da cena eleitoral e o seu cabeça, Sérgio Moro, foi para o governo sem nenhum pudor, após ajudar a eleger o ex-capitão de extrema direita.
Não são ingênuos, mas radicais. São os “patriotas” da hipocrisia da direita pela Lava Jato, muitos deles comprometidos com a corrupção. Não surpreende que vários dos bolsominions descobertos com a boca na botija recentemente, em várias áreas da economia e da vida pública, eram corruptos engajados na luta anticorrupção, como os reis das rachadinhas que os lideram.
Nunca foi tão atual a frase atribuída ao literato inglês Samuel Johnson, dita presumivelmente no dia 7 de abril de 1775, lá se vão 246 anos: “O patriotismo é o último refúgio do canalha”.
segunda-feira, 1 de março de 2021
HISTÓRIA DA VIRILIDADE
Reinaldo Lobo*
Já não existem “homens de verdade” na nossa civilização? Corre um boato de que as mulheres se queixam da falta de virilidade masculina, ao mesmo tempo em que desenvolvem sua própria força e desejam homens cada vez mais femininos, sensíveis, com traços outrora semelhantes aos delas próprias. Seria a invenção do “Viagra” um sinal inequívoco e derradeiro da decadência dessa virtude festejada como um ideal durante séculos: a virilidade?
Um grupo de antropólogos, historiadores das mentalidades, filósofos e psicólogos comandados por franceses buscaram responder a perguntas como essas numa obra monumental em três volumes, intitulada “História da Virilidade”, divididos em pesquisas sobre as “Origens”, o “Triunfo” e a “Crise” dessa ideia construída durante séculos para justificar a dominação masculina.
Usando métodos históricos e críticos rigorosos, essa equipe produziu uma pesquisa bastante séria sobre um fenômeno negligenciado e escondido, até porque a ideologia masculina dominante não permitia enxergar plenamente a sua natureza. Esse assunto proibido, que poderia pôr em dúvida o “macho ocidental”, ainda que seja um tema interessante e curioso, só agora começa a ser desvendado em todos os seus ângulos e momentos históricos, justamente no “crepúsculo do masculino” outrora cantado em prosa e versos.
Há um fio condutor nos três volumes desses franceses inspirados em Michel Foucault, Phillipe Ariès e a nova História “das mentalidades”. Consiste na hipótese de que a “capacidade” ou “virtude” chamada de virilidade ao longo do tempo foi uma construção psicossocial de um conceito ideológico que deu suporte à dominação masculina e ao patriarcalismo.
É preciso deixar claro que a virilidade não se reduz ao sexo, nem apenas à diferença de gênero, mas envolve atributos como coragem, ousadia, belicismo, caráter e até habilidade política. E também potência sexual, é claro.
O que se originou um pouco antes da Grécia e Roma, na Antiguidade clássica, passou pelos padres guerreiros das Cruzadas e os Templários misóginos, chegando até aos cowboys e cavalheiros do século 19, período do “triunfo”, veio desembocar na decadência da virilidade contemporânea, dos séculos 20 e 21.
Com oscilações e variações, o fio condutor do ideal de virilidade é o poder. O “machismo” é só uma manifestação exacerbada e meio patológica do desejo de poder, que, por sua vez, esconde o temor da “desvirilização” e da impotência. Uma espécie de machismo estrutural permeia até mesmo os gestos afetados das cortes europeias no advento da modernidade. A promiscuidade masculina também revela uma necessidade de corroboração do poder sobre as mulheres, as relações sociais e a posse das coisas.
Os autores dessa trilogia foram bastante influenciados pela psicanálise, sobretudo em capítulos como “Antropologias da virilidade: o medo da Impotência”, no qual, ao fim e ao cabo, o que se demonstra, baseado em Lévy Strauss e em François Heritier, é que a hierarquia estabelecida entre os sexos e a constituição das regras de comportamento sexual são uma complexa operação movida para evitar o medo à castração, diagnosticado por Freud.
Em suma, a crença na virilidade como uma “superioridade” masculina é um mito. Está evidente, como sempre ,aliás, que essa crença se baseia na insegurança e no desejo de poder, este muitas vezes frustrado no mundo contemporâneo. Foi -- como dizem nossos autores-- sobre um ideal de força física, de potência sexual, de domínio e de coragem que se construiu historicamente na cultura o que se passa como a “natureza” do homem.
Essa capacidade “natural” justificou por séculos a submissão das mulheres, “de natureza mais fraca”, e a repressão a todos os modos de sexualidade e de identidades que não se ajustavam ao modelo masculino. São famosas e já divulgadas pelas feministas as representações “científicas” da mulher como um corpo inacabado de homem, a figura biológica e socialmente dominante.
Hoje, porém uma “crise se propaga no império do macho”, como diz o último volume da trilogia: os massacres guerreiros apagaram a imagem dos heróis, a variação cíclica das depressões econômicas minou o orgulho do trabalhador, o consumo e o crescimento dos conformismos esgotou o gosto pelas aventuras e a ousadia.
O progresso das mulheres e do feminismo também têm amedrontado os homens, a igualdade maior entre os sexos e os protestos femininos estão contestando velhos privilégios masculinos e as violências impossíveis de aceitar.
Não sabemos o que virá, se o matriarcado ou uma plena diversidade e democracia sexual (como propõe a “filosofia Queer), mas não há dúvida de que os homens estão sendo postos, finalmente, no seu devido lugar.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2021
UM PSICOPATA NO PODER
Reinaldo Lobo*
O maior perigo de um presidente psicopata é a disseminação da irresponsabilidade, do desrespeito pelos outros, do pouco caso com a vida, do crime, da mentira e da destruição da Lei por toda a sociedade. Ele é um mau exemplo. Como autoridade, consagra a ideia de que a única legitimidade possível é pela violência, o desrespeito e a força bruta.
Jair Bolsonaro tem vários traços de uma personalidade psicopática ou, mais precisamente, possui uma mente delinquencial. Isso mesmo: uma pessoa antissocial e nociva para a convivência.
Manipulador e narcisista, portanto, extremamente egoísta, onipotente sem empatia pelos outros, aproveitador, arrogante e estúpido, incapaz de reconhecer o sofrimento alheio e coletivo, sem generosidade com quem não pertença ao seu círculo de semelhantes, vivendo em estado esquizoparanóide quase permanente, impossibilitado de assumir os próprios erros e sempre procurando alguém para botar a culpa.
Como é possível que um presidente votado por quase 60 milhões de cidadãos de uma sociedade organizada tenha escapado ao critério seletivo de tanta gente? São todos cegos, insensíveis e ingênuos? Houve manipulação ideológica?
Há quem diga, entre os cientistas políticos, que ele é um caso de “presidente acidental”, resultado das circunstâncias políticas e sociais de um período de crise. Não dá para acreditar totalmente nisso, ainda que, em parte, haja alguma verdade na “acidentalidade” do fenômeno Bolsonaro.
A “onda Bolsonaro” seria o fruto de um vácuo que surgiu após o descrédito parcial do PT (não foi total, pois o candidato petista teve quase 50 milhões de votos), acrescido do lance da facada (até agora obscuro) que provocou certa comoção e dó por parte dos eleitores. Além disso, ajudou-o a evitar os debates que mostrariam melhor o seu perfil íntimo e sua enorme ignorância cultural e dos problemas do País. Também escondeu informações como sua ligação estreita com milicianos cariocas e o crime organizado.
Os candidatos adversários tiveram pudor de expor tudo, pois seria atacar uma vítima de uma “tentativa de assassinato”.
O fato é que milhões se identificaram e muitos ainda se identificam com os traços violentos e delinquenciais do candidato, hoje presidente. Teremos no Brasil uma multidão de macunaímas sem nenhum caráter? Parece.
Uma personalidade como a de Adolf Hitler, por exemplo, pode passar despercebida em seu caráter deletério por algum tempo, em função da sedução que promove demagogicamente, prometendo o paraíso e entregando algo. Hitler era um ressentido, um artista fracassado, que não conseguiu passar no vestibular para a Academia de Artes, mas com um dom de oratória e alguma criatividade meio delirante. Ele tinha vergonha da origem humilde de seus pais e da sua condição de cabo na hierarquia militar durante a Primeira Guerra. Mas era mais inteligente do que o nosso neonazista caboclo e sabia organizar um movimento, criando uma estética (discutível) própria.
Bolsonaro é um ressentido que fracassou na carreira militar, sem nenhum talento criativo. Também tinha vergonha de sua família humilde do interior em São Paulo e esconde suas origens. O seu ferimento narcísico por ser expulso do Exército gerou certamente nele um furor, escondido pela carreira política, igualmente medíocre e, ao que tudo indica, corrupta.
Tem em comum com Hitler a violência, o ódio a incapacidade para sentir a dor do outro. Adotou uma ideologia barata de caserna, que lhe permite sair em defesa da tortura e do assassinato de adversários políticos transformados em inimigos.
Decidido a ganhar dinheiro na política, aliou-se ao que havia de pior no Rio de Janeiro e no resto do País, como o paulista Paulo Maluf, outro famoso por sua falta de escrúpulos e sua “cara de pau”.
O aspecto moral da psicopatia não é relevante em nada para o próprio psicopata. Não se vê como um doente grave, na verdade um vírus ameaçador para o tecido social.
Sua ambição é se aproveitar da sociedade em benefício próprio. E só. Mas no caso de Bolsonaro há um particular cinismo em tratar a morte e a doença dos outros, pois sua ação é pautada pela destrutividade. Ele é radicalmente contra a solidariedade e a própria associação de cidadãos livres. O mundo está dividido entre ele e seus filhos, de um lado, e os inimigos do outro.
O fascínio por armas e meios de destruição, além de ser lucrativo junto ao lobby dos fabricantes (“bancada da bala”), é algo que ultrapassa o militarismo. É uma identificação com os grupos neonazistas e suprematistas brancos norte-americanos. Ele imita o que julga ser a legitimidade da força bruta e da imposição de poder dos racistas.
O psicopata pode ser, como dissemos, um perigo para o conjunto da sociedade, isto é, um sociopata. O psicopata é um sujeito frio, indiferente à dor alheia (“E daí? O que eu posso fazer?”, diz o presidente diante de mais de 200 mil mortos) e, muitas vezes, é um misógino. Mas nem todo psicopata é um perigo explícito para a sociedade como um todo. Muitos exercem suas características em âmbito restrito, socialmente disfarçados, comportam-se cínica e agressivamente no casamento ou no trabalho, mas não atingem o poder e o alcance de um Hitler, de um Trump ou de um Bolsonaro.
O psicopata é, antes de tudo, um delinquente potencial. Mente sobre fatos da realidade sem nenhum pudor. Sua relação com a Lei é para negá-la, contorná-la, destruí-la ou usá-la a seu favor. Muitas vezes, é para usá-la contra alguém.
No caso de Bolsonaro, temos um presidente de inclinações delinquenciais que nega a destruição provocada pela pandemia, um genocida, e usa o poder para livrar da cadeia seus filhos identificados com o pai e vai fazer qualquer coisa para manter o poder. Até mesmo provocar um golpe ou, como já preconizou, uma guerra civil.
O que um psicopata mais teme é a fraqueza, ou melhor, ter a sua fragilidade revelada. No fundo, é um fraco. Daí, as bravatas e a exaltação da “masculinidade”, que quer provar com pistolas, bombas ou Medidas Provisórias presidenciais.
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