domingo, 11 de agosto de 2013
VOCÊ AINDA É PÓS-MODERNO(A)?
VOCÊ AINDA É PÓS-MODERNO(A)?
Reinaldo Lobo*
Você se sente vazio(a) e levemente irresponsável?
Considera o casamento um pedaço de papel existente até o século XX e acha mais importante um laço afetivo fugaz entre os envolvidos?
Lê livros de autoajuda? Frequenta workshops?
Acredita que a História da humanidade acabou em 1991, com a queda da União Soviética?
Pensa que a sociedade é menos importante do que os indivíduos e suas relações?
É atraído por grifes e marcas de prestígio? Consome muito e um pouco de tudo?
Vê todas as formas de arte como equivalentes? A arte atual está ultrapassada de um modo geral, não acredita mais em vanguardas e pensa que a criação original acabou?
Acha que a ciência, a literatura, a filosofia, são apenas discursos muito relativos e que todos contém verdades, dependendo do ponto-de-vista de cada um? Não crê na razão que tudo explicaria, pois cada caso é único e cada um inventa sua verdade?
Não gosta das igrejas instituídas e tem uma ligação própria com a ideia de Deus e do universo?
As ideologias não existem mais e a politica é só uma atividade destinada a defender interesses particulares?
Experimenta as emoções pessoais como significativas, fortes, mas devem ser vividas apenas pelo tempo necessário, até que se esgotem?
Adora música eletrônica? Participa de flashmobs e assiste a Lady Gaga?
Pensa que a vida é um sopro passageiro e que deve ser vivida no aqui e agora? O que atrapalha os seres humanos são a memória do passado e o desejo de progresso?
Se você respondeu “sim” a todas ou à maioria das perguntas, então você ainda é um pós-moderno(a)!
Pois saiba em primeira mão que você está meio antiquado(a). O pós-modernismo parece estar agonizando e algumas más línguas dizem que já morreu e foi enterrado. Entre essas más línguas está até o seu principal ideólogo, o escritor tido como filósofo, Gilles Lipovetsky, autor da “Era do Vazio—Ensaios sobre o individualismo contemporâneo”(1983).
O livro, um sucesso instantâneo de público, faz agora 30 anos e marcou a formalização teórica de uma visão de mundo individualista e narcisista. Descreveu uma era supostamente alegre e sorridente da “leveza”, do “cool”, do tênis e dos moletons, da busca de uma identidade singular, do elogio das diferenças, da desregulamentação, do sarcasmo e da ironia, do tédio, da apatia diante da TV e do consumo de gadgets, desrespeitosa das instituições, das hierarquias e dos laços sociais duradouros. E consagrou o termo “pós-modernidade”, introduzido em julho de 1972 por um grupo de arquitetos norte-americanos para descrever a falta absoluta de estilo. O francês Lipovetsky fez carreira com mais duas joias de sua trilogia: “A Era do Efêmero” (1987) e “O Crepúsculo do Dever” (1992). Todos falam da substituição da modernidade racional, séria, vanguardista e progressista pela pós-modernidade supérflua, relativista e mais imediatista.
Em vários seminários e conferências mais recentes, coincidentemente logo depois do 11 de setembro de 2001, Lipovetsky começou a desautorizar mais enfaticamente o uso da expressão pós-modernidade e também diminuiu os elogios à sua revolução do vazio. Agora, talvez por perceber que o mundo não era tão simples e homogêneo como pintou, tudo indica que está enterrando de vez o termo.
Discutindo o assunto em setembro de 1989, um sociólogo sério, o latino-americano Cláudio Veliz, dizia: “o espírito do nosso tempo... é muito rápido ou muito letárgico; ele muda muito ou não o suficiente; produz confusão e equívoco”. Participando da mesma conferência em Boston com Veliz, nessa ocasião o filósofo greco-francês Cornelius Castoriadis comentou que esses traços de ligeireza e lentidão da época não eram acidentais. Do mesmo modo que o sucesso do lançamento dos rótulos “pós-moderno” e “pós-industrial”: eles forneceriam “uma perfeita caracterização patética da incapacidade da época de se pensar como alguma coisa de positivo, ou simplesmente como alguma coisa”. Assim, a época era levada a se definir apenas como “pós-qualquer–coisa”. Quer dizer, ela se afirmava pelo negativo e se autoglorificava “pela afirmação bizarra de que o seu sentido era o não-sentido, e seu estilo era a falta de todo estilo”. Um arquiteto festejado de Nova York proclamava, em abril de 1986: o “pós-modernismo nos livrou da tirania do estilo”.
Na verdade, o pós-modernismo é uma ideologia que expressa o período emergente do capitalismo pós-industrial – e, portanto, o termo “pós-industrial” faz algum sentido, como apontaram esses autores mais sérios. Há algo na realidade que corresponde a essa palavra.
Na vida contemporânea, as mudanças da economia ocorreram em consequência de três fatos importantes: o primeiro foi o fim do modelo industrial das grandes fábricas e dos sujos fornos com chaminés soltando fumaça, sendo substituídos pelas tecnologias avançadas, a robotização e a cibernética; o segundo, o aparecimento de uma vasta sociedade de serviços e de empresas terceirizadas, além da preocupação com a sustentabilidade; e, por último, a globalização do capital nos anos 70 e 80, que tornou as empresas de negócios, finanças e comércio voltadas para a internacionalização do capital, a queda de barreiras e fronteiras. Surgiu o famoso “cassino” de investimentos mundiais e intercâmbio. O capitalismo volátil, aventureiro e de movimentos rápidos.
Esse novo modelo foi sustentado por uma ideologia de base, o neoliberalismo, também chamado de “pensamento único” após o “fim da história” (queda da União Soviética). O “pensamento único” dominou 160 países do norte ao sul, inclusive o Brasil. Essa crença foi adotada e implementada pelos governos Reagan, nos EUA, e Meg Thatcher, na Inglaterra, sobretudo nos anos 80 e, depois, respectivamente por Bill Clinton e Tony Blair.
Foi quando se tornou célebre a palavra de ordem da senhora Thatcher: “A sociedade não existe. Só conheço indivíduos e famílias!” Foi também quando o Chile do general Pinochet tornou-se exemplo de lição econômica neoliberal bem feita. Só faltaram dizer que Pinochet era leve e pós-moderno. Nesse período, a principal meta ideológica da “racionalidade econômica” passou a ser a utopia da viagem conduzida pela mão invisível do mercado, levando todos ao “crescimento ilimitado”.
No interior das culturas e das sociedades, o impacto da “revolução neoliberal” gerou a transformação da visão-do-mundo, gerando o paradoxo de um “individualismo em massa”. O pós-modernismo foi o nome que deram a esse caldo cultural, atingindo desde os costumes até as galerias de arte. Foi gerada uma espécie de mercado mundial de tudo: coisas, obras de arte, ideias, estilo de vida, costumes, etc. Essa padronização em nome do “indivíduo” e a banalização da vida foram chamadas por Castoriadis de “maré de insignificância”, onde o valor ético predominante foi reduzido ao valor de mercado e a principal meta na vida das pessoas passou a ser o “consumo ilimitado”. O pós-modernismo foi o complemento cultural do neoliberalismo. Hoje, está perdendo a força.
O choque de 11 de setembro de 2001, provocado pela reação violenta e irracional das culturas mais tradicionais ao estilo de vida pós-moderno, deu início a uma virada no mundo “cool” e interdependente dos sorridentes Bill Clinton e Blair. Veio a sinistra fase do Estado de Exceção, a era Bush da guerra, da tortura, da paranoia e das escutas telefônicas. E com ela veio a bancarrota do modelo neoliberal e as sucessivas ondas de crise econômica nos mais de 160 países que “sonharam” com a anarquia de mercado. As rebeliões na Europa, na periferia e até nos EUA ainda são recentes e algumas nem terminaram seu caminho. O que virá? Não se sabe. A era da incerteza se tornou mais incerta. Mas há sinais de que o Estado de Exceção prossegue.
Se você ainda é pós-moderno(a), trate de arranjar “uma ideologia para viver” (Cazuza). As velhas formas da democracia estão sendo abaladas. O totalitarismo não faz mais o mesmo sucesso do século XX. O capitalismo chacoalha, mas não cái. Flexível, tenta mudar para permanecer. Admira hoje o “modelo chinês”. Cuidado! Quanto ao nosso Lipovetsky, que cantava as virtudes da futilidade, das compras de luxo, dos amores ligeiros, talvez tenha que arranjar outra profissão ou um novo assunto.
*Reinaldo Lobo é psicanalista, Doutor em Filosofia pela USP e jornalista.
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