Reinaldo Lobo*
Sempre que o assunto é corrupção,
aponta-se o dedo para os políticos. É uma forma de simplificar demais e buscar
bodes expiatórios. Corrupção é um tema mais complexo e envolve toda a sociedade
onde ocorre. E existem explicações que nunca são consideradas no caso
brasileiro.
Para começar, a sociedade brasileira
é corrupta em vários graus, já a partir dos índices de exploração próprios do
capitalismo: hiper-mais-valia na cidade e no campo, baixos salários em várias
áreas, desigualdade na distribuição de recursos, trabalho escravo, prostituição,
sobretudo entre mulheres de baixa renda e pouca escolaridade, exploração de
menores, crimes do colarinho branco,
negociatas de grandes empresas, falências fraudulentas, sonegação de
impostos e muitos outros sinais. No Brasil, é considerado "normal"
uma empresa sonegar, caso contrário "não sobreviveria".
Uma lenda bastante difundida sustenta que a corrupção é um
assunto exclusivo do Estado e da área pública. E, em conseqüência, do
funcionalismo e da esfera política. Mentira das grossas. Grandes difusores de
corrupção são também o empresariado e as grandes corporações privadas que constituem
lobbies e utilizam "processos informais" para comprar os políticos e,
assim, fazer valer seus interesses na esfera pública e decisória. Se não
houvesse mercado, nenhum político chegaria ao ponto de pagar a manutenção da
amante com dinheiro de empreiteiras, como naquele caso bem conhecido.
Ora, dirão, por que os políticos
aceitam esse tipo de atitude, uma vez que deveriam estar voltados para a
representação de seus eleitores e para o bem público. A resposta envolve dois olhares -- um para a
História brasileira e outro para a realidade presente na sociedade.
A visão histórica é bastante
conhecida: o Estado brasileiro foi formado no patrimonialismo desde o Brasil
Colônia; quem é dono do poder se acha dono das terras e das decisões
patrimoniais; nascemos de capitanias hereditárias, onde o beneficiário das
concessões estatais de Portugal eram líderes políticos e, ao mesmo tempo,
latifundiários e senhores de escravos; etc.Toda essa tradição não morreu
inteiramente e banalizou, por assim dizer, a corrupção e o sistema de favores.
Não é preciso nem lembrar o quanto era
corrupta a sociedade "malemolente" descrita por Gilberto Freyre em
"Casa Grande e Senzala". Aos filhos dos ricos, tudo. Aos pobres e
escravos, nada -- dando origem entre estes a
sistemas de malandragem, trocas
espúrias e até mesmo ao tráfico de todo tipo.
Quanto à realidade presente, não
podemos responder pela vida psíquica e o possível viés psicopático de cada um dos envolvidos,
mas existe um fator nada discutido entre nós que é a busca do reconhecimento.
Quem é zero à esquerda deseja ardentemente "ser alguém" e os meios
mais fáceis para isso são o poder e o dinheiro, pelo menos em uma sociedade
como a nossa.
A corrupção torna rapidamente aceita
uma "pessoa" no consumo e nos sinais exteriores de riqueza, mesmo
alguém remediado ou pobre que chegou a um cargo público -- pode ser fiscal de
renda, oficial de justiça ou deputado.
Numa sociedade de massas, onde todos são anônimos e indiferenciados, o
poder significante do dinheiro e do acesso a bens torna visível quem era
invisível ou até desprezível.
Um outro elemento importante é a
dissolução dos valores em uma sociedade com muita mobilidade social e com
pressa de desenvolvimento econômico.
O Brasil, assim como outras sociedades latino
americanas, africanas e asiáticas,
passou de país subdesenvolvido, agrário exportador, com um sistema tradicional
e patriarcal de valores, para uma complexa rede de classes e massas postas
dentro de um mundo de redes de comunicação e negócios. Tudo isso em poucas
décadas.
O processo de desenvolvimento dissolve
antigas hierarquias e laços. Essa dissolução produz confusão e anomia. Daí, decorre
a ânsia de ganhar o único ícone visível de distinção e organização aparente --
o poder do dinheiro (e o dinheiro do poder).
O nosso Pais é muito grande, com
população crescente, mas unificado por meios de comunicação que transmitem os
valores do consumo em massa e da vida nas grandes cidades mais desenvolvidas,
atingindo assim até os grotões, como se diz.
Pensando nisso, dá para imaginar o grau de confusão que acomete os
corações e mentes brasileiros. Dá para explicar até por que algumas tribos
indígenas remanescentes na Amazônia, que descobriram o valor do dinheiro
"civilizado", passam a vender madeira extraída clandestinamente de
suas próprias reservas, que deveriam ser as mais sustentáveis. De tutelados
pelo Estado, de inocentes donos das florestas, passam a comerciantes ilegais
que contrabandeiam madeira não certificada para a Inglaterra , o Canadá e
vários outros países.
Explicar a corrupção não a justifica, obviamente. Mas colocá-la numa
perspectiva histórico-sociológica ajuda a entender melhor o Pais que temos e
desejamos mudar. Auxilia ainda a não nos sentirmos tão desprezíveis em relação
aos países já altamente desenvolvidos, onde a corrupção existe, mas os índices
são bem baixos. E a pensar : somos corruptos, mas essa doença pode passar com
os remédios do desenvolvimento e da
justiça social.
* Reinaldo Lobo é
psicanalista e articulista. Tem um blog: imaginarioradical.blogpot.com