Reinaldo Lobo*
Um cartaz erguido por uma mulher
jovem na passeata de extrema direita contra a reeleição da presidente Dilma,
pedia há alguns dias : "Militares, façam uma faxina. Queremos um golpe
durante 90 dias. Depois devolvam o
poder". Até o poeta Ferreira Gullar, ex integrante do Partido Comunista
Brasileiro, o "Partidão" supostamente de esquerda, falou de um
"golpe democrático" contra o PT em sua coluna na Folha de São Paulo.
Como se houvessem golpes de Estado democráticos!
Doce ilusão!
Em primeiro lugar, porque não haverá
golpe. As instituições democráticas, o quadro político, a situação
internacional, a economia, a posição do Brasil e a respeitabilidade do próprio
governo Dilma em escala mundial, não autorizam ninguém a falar em intervenção
militar. Aliás, os próprios militares brasileiros não parecem nada interessados
nisso, pois muitos deles estão alinhados
francamente com o governo na sua política externa e com o propósito de Dilma de
apurar seriamente as acusações de corrupção.
Em segundo, porque ,se houvesse golpe,
repetiríamos o que houve em 64, talvez até de forma pior. Os
"liberais" de então, que pediam uma intervenção rápida das Forças
Armadas contra o governo Goulart, o perigo comunista e a corrupção,
arrependeram-se logo depois com o que veio e durou 21 anos de repressão,
censura e violência de Estado. Acostumados com o poder, os militares não o
largaram mais.
A atual onda contra a corrupção
"dos políticos" iniciada junto com os movimentos de massas de junho
de 2013, que se tornaram ambíguos e acabaram liderados por uma Nova Direita,
parece caminhar em algumas direções imaginárias perigosas:
1. imitar a oposição
venezuelana que se contrapôs a Chaves e,agora, à herança "bolivariana ,
supondo semelhanças inexistentes entre Caracas e Brasília";
2. provocar no Brasil uma espécie de cruzada
anti-corrupção semelhante à "Operação Mãos Limpas" da Itália, que
acabaria por conduzir Silvio Berlusconi ao poder por quase duas décadas;
3. o movimento espanhol,
replicado um pouco na Argentina, sem êxito, baseado no slogan "que se
vayan todos" ("que vão embora todos" -- os políticos).
Todas essas saídas imaginárias, para nós brasileiros, tinham algo
em comum. É o ataque à política e aos políticos, tornados bodes expiatórios de
crises mais profundas das sociedades implicadas. O resultado de todos esses
movimentos foi o recrudescimento do fascismo, da violência e das ameaças à
democracia.
Tomemos o caso da Itália. A
"Operação Mãos Limpas" foi uma investigação judicial de grande
alcance que visava a esclarecer casos de corrupção durante a década de 1990, em
conseqüência do escândalo do Banco Ambrosiano em 1982, que envolvia a Máfia, o
Banco do Vaticano e a loja maçônica P2. A Operação "Mane Puliti"
levou ao fim da Primeira República Italiana e à extinção de muitos partidos
políticos.
A imprensa da época estampou casos de
alguns políticos e empresários que se suicidaram quando seu envolvimento com os
crimes foi descoberto. Os principais partidos das coligações de centro que se
sucediam no poder saíram enfraquecidos Não suportaram a blitz realizada pela
classe média, a imprensa e a própria opinião pública mundial, escandalizada com
a mistura do Vaticano e a Máfia. O alvo foi a classe política como um todo.
A
Operação alterou a correlação de forças na disputa política italiana. Todos os
quatro partidos no governo em 1992 -- a Democracia Cristã, o Partido
Socialista, o Social Democrata e o Liberal-- desapareceram em seguida. O
Partido Democrático da Esquerda (um mix de PCI e Socialistas), o Partido
Republicano e o Movimento Social Italiano (neofascista) foram os únicos grupos
de expressão nacional que sobreviveram. O único a manter o próprio nome foi o
Partido Republicano.
Algo semelhante pode estar ocorrendo no
Brasil em decorrência da tempestade moralista e anti-política promovida pela
Nova Direita surgida em 2013, aquela que vaiou e xingou Dilma nos estádios de
futebol, e reforçada pelos seus aliados nos partidos e na mídia que queriam
vencer as eleições a qualquer custo.
Na Itália, a Operação foi um sucesso ou um
fracasso? Na medida em que desqualificou os políticos, já que este era seu
objetivo, foi um estrondoso sucesso. Enquanto exaltou os empresários, dando
novos rumos à sociedade civil, foi ainda um espetacular sucesso de crítica e de
público. Não por acaso os italianos foram buscar na figura de um empresário,
Silvio Berlusconi, o dirigente mais importante de duas décadas. Só que esse
empresário levou junto com ele ao poder, o Movimento Social Italiano,herança de
Mussolini e a racista e violenta Liga Lombarda. O fascismo, enfim.
Na
Venezuela, a nova direita contra Chaves resultou num golpe de Estado fracassado
em 11 de abril de 2002, liderado por um empresário e dado justamente para
aniquilar com a classe política, no caso bolivariana. A primeira atitude do
curto governo "empresarial" venezuelano (durou três dias) foi uma
amostra do que seria: aboliu o Congresso e a Constituição, que não eram, na
época, sequer bolivarianos.
A lógica desses movimentos moralistas para
expulsar os políticos é simples: valoriza-se em contrapartida o empresariado e,
em conseqüência, os grupos de ultra-direita de mentalidade fascista, cujos
propósitos finais são eliminar os políticos e, junto, a democracia. Estes
atingem com freqüência o poder, que não querem devolver.
O perigo real e imediato que o Brasil corre
não está num possível golpe. O perigo é a difusão e crescimento de um movimento
nas classes médias sintetizado numa palavra naquele cartaz, erguido por aquela jovem mulher ignorante talvez do passado ditatorial
recente: a "faxina", pedida
aos militares. Essa é a palavra de ordem da nova direita, que não quer saber de
reforma política democrática.