A psicanálise universitária predominantemente teórica, com raras exceções, carece da dimensão da experiência humana. Falta-lhe a carne viva da clínica. Sobra intelectualização.
Já vi muito teórico pontificar sobre Freud, Lacan, Klein, Bion e Winnicott sem considerar ou fazer qualquer referência a um único caso sequer. É possível, mas limitado.
Também existe, é verdade,um empirismo clínico cego, vazio de qualquer pensamento.É uma prática randômica e pobre.Às vezes, surgem trabalhos cheios de citações, mas incoerentes e inconsistentes.
Desconfio que a psicanálise seja uma práxis criativa, a partir, portanto, da experiência efetiva e singular do consultório. Não é mimética ou reprodutora. É feita de matéria sensível. Uma poiésis.
Parece que Freud e os outros elencados acima pensavam assim.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2016
quinta-feira, 7 de janeiro de 2016
A AUTOCRÍTICA DAS ESQUERDAS
Reinaldo Lobo*
Existe um tipo de pensamento binário que
divide o mundo entre bons e maus, bonitos e feios, inteligentes e burros,
heróis e anti-heróis, dogmáticos e
relativistas, pobres e ricos, certos e errados,
isto ou aquilo. Essa simplificação é um dos hábitos mais arraigados
e ativos da nossa civilização. Até mesmo alguns dos intelectuais mais
sofisticados entre nós cometem esse vício do reducionismo. O artigo do
professor de filosofia Vladimir Safatle, da última sexta-feira na Folha de São
Paulo, é um exemplo de raciocínio baseado no modelo "ou isto ou
aquilo", em que pesem o brilho de linguagem e a inteligência de sempre.
Esse é um autor que prima por procurar ver
na realidade "o que ninguém mais viu". Isso pode ser um mérito quando
a intenção atinge seu objetivo. Muitas vezes, o pensador e publicista mais
articulado do partido de Luciana Genro acerta na mosca. Sua crítica às
concessões sucessivas do PT ao pólo mais conservador do governo de coalizão de
Dilma tem sido correta. Mas negar,
agora, a existência de uma onda conservadora não só no Brasil como na América
Latina e em outras partes do planeta, é o velho vício dessa dialética
simplificadora.
Sua explicação é cheia de clareza e
distinção : não é que exista uma onda forte conservadora, mas o que está ocorrendo
é a "desagregação" do "campo político das esquerdas". Por
que não podem existir ambas as realidades, simultaneamente, uma implicando a
outra?
A falta de força da "onda de esquerda"
-- mais além de sua própria desagregação-- não se deveu também a uma re-ação
coordenada dos conservadores diante do impulso das mudanças sociais implementadas
por governos populares na última década?
A resposta para esse viés interpretativo
radical pode ser encontrada na ambigüidade desse pensamento diante dos governos de esquerda que os
intelectuais classificam de "populistas", repetindo o rótulo aposto
pelas forças conservadoras.
O
desprezo pela política do Brasil real e o elitismo à francesa dos salões acadêmicos,
impõem um modelo analítico, selecionando "isto em lugar daquilo".
Creio que foi Darcy Ribeiro quem chamou a atenção de todos para esse
"udenismo de esquerda", incapaz de uma visão mais complexa.
É verdade que a esquerda ainda não tem uma
alternativa adequada à solução revolucionária clássica de ocupação do poder,
recaindo na velha proposta de "frente ampla" quando está na situação
de administrar economias capitalistas. A dicotomia "revolução versus
reforma" permanece predominante no
imaginário esquerdista. Optar pelo fantasma de uma revolução desejada é a opção
mais fácil. Inventar novas formas de ação e teorizar dialeticamente sobre isso
é que está difícil.
A autocrítica de fim-de-ano do ministro
Jacques Wagner, atual articulador político de Dilma, dizendo que o PT e o
governo cometeram erros e se "lambuzaram" com o poder, é uma prova
cabal da inexperiência da esquerda na condução da situação típica da virada de
século, quando o paradigma das revoluções clássicas, com barricadas, guerrilhas
e tomada de palácios, caiu em desuso.
Imitar revoluções antigas e mesmo novas,
como a cubana, revelou-se um caminho simplificador e equívoco. Os conservadores
já haviam aprendido tudo sobre a forma de se
prevenir contra elas. Restava a rota das eleições e de ocupar governos
democráticos do tipo liberal, preenchendo um espaço outrora reservado aos
sociais democratas e comunistas da chamada "linha russa", ultra
conciliadores nos países ocidentais.
Encostar-se cada vez mais à esquerda pode
ser uma solução cômoda e confortável, dando a autores radicais a ilusão de que
estão numa posição prescritiva superior. Safatle está correto em admitir que há
uma desagregação no campo das esquerdas, mas equivocado em se limitar a ver só
esse ângulo , replicando os mesmos argumentos da extrema esquerda e dos
conservadores. Em parte, isso significa deslizar da política para o campo
moral, perdendo a perspectiva das condições reais da política brasileira. Achar
"culpados" não vai resolver o problema político.
O sentido da autocrítica do ministro Wagner
pode ser duplo: primeiro, dar uma resposta conjuntural e tática às oposições,
apaziguando mais uma vez os conservadores e os setores das classes médias
revoltados com o governo, ao enfocar no PT a fonte dos "erros";
segundo, expressar a real perplexidade do governo petista por seus próprios
desacertos e admitir que há inexperiência e desagregação no campo da
esquerda.
Não seria necessário apontar as
dificuldades da esquerda em administrar o capitalismo e, ao mesmo tempo, buscar
mudanças. O próprio governo reconhece isso. Mas as nuances , os avanços e
recuos dessa experiência institucional, as lições da luta intensa com os
conservadores em ascensão na crise, o papel dos movimentos sociais, da mídia, e
a própria mutação interna da composição social do PT -- tudo isso se perde
quando a crítica se concentra na constatação de um fracasso ou na condenação
peremptória de um partido.
A tese simplória de atropelar as alianças
com setores das classes dominantes, propalada pela extrema esquerda em geral,
revela-se pobre, na falta de oferecer uma alternativa. Assim como não parece
ser suficiente a própria política de alianças -- como se dá no Brasil e na
Grécia, por exemplo, onde a direita econômica é chamada a "cooperar".
O ponto central ao qual dirigir a
atenção não é o clássico "bloco hegemônico gramsciano" -- no fundo,
uma política de alianças --, mas a necessidade de criação de novas estratégias,
novas formas de institucionalização e de
organização da sociedade, ainda que
dentro do capitalismo. Quer dizer : um olhar para a chamada sociedade civil e
sua reestruturação. Talvez uma busca não apenas de poder político, mas da
constituição de forças "debaixo para cima", envolvendo novas formas
de organização da população. A espontaneidade das manifestações de 2013, por
exemplo, pedia isso.
Achar alternativas para provocar a
mutação na sociedade real -- não como ela "deveria ser", mas partindo
do que se apresenta-- exige aprender com a experiência. O procedimento de
"ensaio e erro" do governo petista poderia servir como acúmulo de
aprendizado e não ser simplesmente descartado. Poderia significar enxergar nuances
e descobertas onde muitos só vêem a platitude de opções de curto alcance,
como: "imitar a extrema
esquerda" ou "imitar a direita conservadora"?
Poderia representar uma visão do que
escapou ou se perdeu no processo de governar o País . Mais do que isso, uma análise complexa do vasto material para o
uso de um instrumento fundamental de que a esquerda carece neste momento -- a
imaginação política.
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