Reinaldo Lobo
Quando um jornalista perguntou ao célebre
historiador inglês Arnold Toynbee por que se deu ao trabalho de escrever aos 80
anos um livro de mais de 1000 páginas sobre o antigo Egito, em lugar de estar
gozando de sua aposentadoria, a resposta foi: “Curiosidade”.
Essa inquietude mental de perguntar,
pesquisar e procurar respostas é um elemento comum nas ciências, nas artes e na
filosofia. A curiosidade está presente em todas elas. Há um caráter mais ou
menos desinteressado nessa atitude, o que torna diferentes o desejo de
saber e a simples fofoca. Quanto mais desinteressada, mais eficiente, livre e
produtiva será uma investigação.
Alguns psicanalistas falaram -- Melanie
Klein entre eles-- na existência de um “instinto epistemofílico” que empurraria
o ser humano, desde criancinha, para amar e buscar o conhecimento. É difícil
pensar num instinto que tenha uma direção que levaria ao teorema de Pitágoras.
Por definição, um instinto é apenas um impulso virtual, biologicamente
determinado. Instinto é o contrário de pensar. Um instinto “do pensar” chega a
parecer um contrassenso.
No
início da psicanálise, havia “instinto” para muitas coisas complexas que não
eram muito bem conhecidas. O próprio Freud chama sua teoria dos instintos de
“nossa mitologia”. Não há dúvida, porém, de que as crianças têm uma grande
curiosidade sobre o mundo que estão descobrindo, um forte impulso para a
integração de informações e para “ir para a frente “, atrás do próprio desenvolvimento.
Foi Klein quem chamou a atenção pela
primeira vez, e lamentou, a perda da curiosidade que a sociedade impõe àquela
criancinha que olha fascinada para as próprias mãos, como se as estudasse. Ou
que explora o seio da mãe como um território admirado e a ser conquistado. À
medida em que crescem, as crianças submetem-se à autoridade dos pais e dos
adultos em geral. Estes, às vezes embaraçados com as perguntas infantis, tendem
a “satisfazer” sua curiosidade com respostas prontas, crenças religiosas e
preconceitos.
Exemplos como o de Toynbee costumam ser,
infelizmente, raros. A proverbial curiosidade das crianças é sempre ameaçada
pelas respostas dos pais ou dos adultos em geral, a começar pelos professores.
As crianças consideram, até por sua dependência, que os adultos são portadores
de um suposto saber. No fim das contas, é com eles que vão aprender o que é
necessário para a vida em sociedade. Mas todos sabemos que os adultos são
incapazes de dar explicações realmente satisfatórias a algumas demandas das
crianças.
Por
exemplo, o conhecimento da sexualidade: as respostas costumam ser apenas
destinadas a interromper as perguntas inquietantes das crianças, mas não chegam
a explicar adequadamente o que leva as pessoas a fazerem amor ou a verdadeira
origem dos bebês. A história das “sementinhas” inoculadas pelo papai na mamãe é
uma caricatura de uma exposição fria de um processo científico ou a explanação
da atividade dos cozinheiros numa aula gourmet. Às vezes, vem acompanhada de
uma ressalva: papai faz isso na mamãe por amor.
Sejam as crianças enervantes, divertidas,
grudentas ou mesmo “reflexivas”, surge nos adultos um desconforto pelas
perguntas acachapantes, que leva à imposição da autoridade por meio da
linguagem da “gente grande”. A linguagem delimita um território do que pode ser
compreendido, assim como do que não pode ser ultrapassado.
Uma
vez circunscritos os limites, os pequenos tendem a seguir o curso da
socialização até, pelo menos, à pré-adolescência e à rebeldia frequente da
crise adolescente. Mas, mesmo aí, a sociedade foi internalizada com seus
valores, tecnologias e recursos disponíveis para “matar a curiosidade”--
expressão ambígua que tem pelo menos dois significados: satisfazer as dúvidas e
assassinar a atitude mental de inquirir.
A curiosidade também tem pelo menos dois
lados, um deles arrogante e destrutivo; o outro, criativo. Um é de fechamento,
o outro de abertura para a imaginação.
No
mito de Édipo, dramatizado pela peça de Sófocles, há um herói que quer tudo
saber, investigar até o fim quem matou o Rei num incidente na estrada. Deseja a
verdade. O sábio Tirésias, como um analista, mostra que a curiosidade do herói
poderá levá-lo a descobertas muito dolorosas. Édipo insiste e, no fim, descobre
que matou seu próprio pai sem saber quem era e que casou com a mãe, cometendo
parricídio e incesto. Sua arrogância em não parar de pesquisar jogou-o na desgraça.
Ele decide “matar sua curiosidade” cegando-se para sempre.
Essa
interpretação do mito edípico, traçada em linhas gerais pelo psicanalista britânico
Wilfred Bion, pode ser acrescida do comentário de que a atividade do conhecer,
quando é marcada por uma gratuidade como em Toynbee, não é motivada
inconscientemente apenas por culpa, mas por reparação e sublimação. Isso leva o
ser humano a uma abertura para o outro: curiosidade por viajar, conhecer outras
culturas, decifrar a personalidade do outro, ser tolerante com o diferente,
pesquisar a cura de doenças e males da humanidade, etc.
Admiramos os grandes criadores, cientistas,
artistas e filósofos porque conseguiram, em grande parte, romper com as
imposições que limitariam seus territórios e foram muito além em sua
curiosidade. Saíram de uma atitude primária de voyeurs da cena primitiva,
aprisionados pela curiosidade sobre o que se passa no quarto de dormir de papai
e mamãe, para imaginar soluções sobre os problemas da humanidade.
Amós
Oz, o escritor israelense, diz que a curiosidade é um remédio contra o
fanatismo, quando surge um legítimo interesse sobre o que o outro pensa, vive e
sonha. A curiosidade abre a mente para o desconhecido e o novo, caminhos
capazes de nos surpreender e de acionar nossa imaginação. Talvez até ao ponto
de gerar uma cultura de paz, não de ódio.
Hoje, as tecnologias estão criando novas
gerações que recebem aparatos técnicos prontos, sem saber como se constituíram,
mas não se pode esquecer que muitos desses jovens sonham com se tornar
pesquisadores de novos aparelhos e querem saber como tudo isso funciona.
A
imaginação humana não é racional, certinha, e pode dar origem tanto a um
Toynbee quanto a um Nero, que ficou curioso sobre “de onde veio” e abriu a
barriga da mãe viva para “pesquisar”. Contudo, sempre haverá quem deseje matar
a curiosidade sem destruí-la no mesmo ato.