Reinaldo Lobo
O Brasil vai descobrindo, finalmente,
a existência e a extensão do Sistema Corrupto. Várias provas foram fornecidas
nos últimos dias. Ficamos sabendo que não se restringe a um esquema na
Petrobrás, nos Correios ou qualquer ente isolado estatal, paraestatal ou
privado. É uma verdadeira constelação de planetas e estrelas no meio de uma
galáxia – a “oligarquia liberal” dominante.
Soubemos, inclusive, que esse
subsistema ilegal girando em nosso universo cultural e político é longevo e
transgeracional. O patriarca da nossa maior empreiteira, o sênior Emilio
Odebrecht, revelou em depoimento para a Operação Lava Jato que seu pai, avô de
Marcelo, o neto detido, já pagava propina há décadas para operar junto ao
Estado. Não é difícil deduzir que o mesmo processo acontece em outras gigantes
do ramo.
O Sistema existe estruturado desde,
pelo menos, a Ditadura civil-militar que governou de 1964 a 1985, entrou pela
Nova República, reina até agora pelas mãos do PMDB. Não nos enganemos: esse não
é o único partido agente e beneficiário. Envolve todos os partidos, sem
exceção. No governo de FHC, um jornalista, Paulo Francis, denunciou sua
incrustação nas diretorias da Petrobrás, sem êxito. Acabou morrendo antes de
dar as provas nem apresentar suas fontes de informação.
Se não criaram, os militares foram os
responsáveis pela consolidação do Sistema. Como se imaginavam nacionalistas,
seus governos ditatoriais escolheram entregar a empreiteiras nacionais as obras
do seu ufanismo sobre um “Brasil Grande”.
Foi então que surgiram esses
gigantescos conglomerados de “tocadores de obras” financiadas pelos bancos
estatais. Participavam do esquema desde políticos como Paulo Maluf, militares
como Mário Andreazza, até fundos de pensão e empresas privadas terceirizadas.
Depois da Ditadura, já no período Sarney, o Sistema cresceu, “normalizou-se”,
ficou colado nas diversas instituições do Estado. Foi quando se consagrou a
expressão “mamar nas tetas do Estado”, dirigida como crítica tanto pelos liberais
como pelos sociólogos marxistas.
O governo FHC fez algo parecido com a
invenção militar das empreiteiras locais, ao dar toda a força para fortalecer a
concentração de um sistema bancário endógeno, criando grandes conglomerados de
uma banca nacional, em detrimento da concorrência estrangeira. Hoje, esses
monstros bancários monopolizam as decisões na esfera financeira e econômica,
têm lucros exorbitantes, estratosféricos, agindo como verdadeiros cartéis. É
esse controle da concorrência que impede a diminuição dos juros para o
consumidor, mesmo quando o Banco Central derruba a taxa Selic.
Nenhum político que quisesse se eleger
estava isento de passar pelo filtro das empreiteiras, da rede bancária privada
conivente, das indústrias e do agronegócio subsidiado. Os financiamentos de
campanhas eleitorais contavam, como ainda contam, com a retribuição de favores
dos partidos e políticos premiados.
Os marxistas costumam dizer que o
capitalismo é, por natureza, corrupto. Consideram essas acomodações sistêmicas
apenas um efeito da corrupção essencial. Ora, não é dessa corrupção definida
teoricamente que falamos. O subsistema da corrupção brasileira serve, sem dúvida,
a uma oligarquia, mas tem sua especificidade histórica e suas peculiaridades.
Muito já se escreveu sobre o patrimonialismo
herdado da colonização portuguesa e o hábito de nossos políticos se
considerarem donos do poder assim que o assumem. Vendem o poder como uma
mercadoria que detêm. Mas o mercado é
restrito, passa por essa fusão dos interesses estatais com os privados, bem
como por uma burocracia – escolhida muitas vezes pelos políticos e suas
bancadas especiais: como a da Bala, do Boi e da Bíblia.
Há
ainda os gestores dos fundos de pensão, aparentemente regrados pelo Estado, mas
que têm interesses e vida própria. Pelo menos um sociólogo, Chico de Oliveira, mostrou
que o caso brasileiro não é de capitalismo “puro”, mas algo semelhante a um
Ornitorrinco, aquele animal misto de ave e mamífero, raro, uma verdadeira
exceção na escala evolutiva.
O Sistema hoje parece ameaçado e em
crise. Isso é “culpa do PT”. Ao entrar na cena política adquirindo poder, este
introduziu o distributivismo e a participação popular, via Estado, nas benesses
do consumo e da renda.
Desequilibrou o Sistema, cuja única finalidade
era beneficiar a “oligarquia liberal”, formada pela participação nas
instituições e mantendo o subsistema
ilegal. Expôs sua contradição entre o funcionamento do crescimento das forças
produtivas e o sistema de apropriação.
A
corrupção reinante mantinha o sistema capitalista em pleno funcionamento, até a
entrada do caçula da corrupção, que trazia com ele, contudo, o vírus do
distributivismo, chamado pelos ideólogos do Sistema de populismo.
O atual governo do conglomerado
PMDB-DEM-PSDB tem a missão de consertar o desequilíbrio, restaurando a exclusão
das massas populares de qualquer participação. Para isso, é preciso primeiro
“estancar a sangria” da Lava Jato e a perseguição aos seus membros genuínos,
como sugeriu o mais claro e consciente de seus representantes, o senador Romero
Jucá. A meta inicial era só pegar o PT, mas a Lava Jato fugiu do controle, uma
vez que o Sistema considerava necessário também salvar “os outros”, como Aécio,
Serra, Alckmin, Aloisio Nunes Ferreira, etc., cujos nomes foram revelados pelas
delações das empreiteiras.
Não está fácil. Os escândalos se sucedem.
Um outro desequilíbrio ocorreu ao longo dos anos após a Ditadura, quando houve
a independência da Polícia Federal e dos jovens Procuradores da República.
Aparelhados para servir às instituições republicanas, os poderosos contavam com
que eles se voltariam apenas contra os intrusos ou estranhos ao seu grupo. Mas
a dinâmica do Judiciário, aliada à divulgação exacerbada pela própria mídia
conservadora, impõe aos juízes que considerem as provas contra o Sistema que
encontram no caminho.
Essas provas estão ameaçando conter o furor
antipopular do atual governo, ainda que este esteja inteiramente a serviço da
oligarquia. Essa é hoje a principal contradição que faz com que até juízes do
Supremo se comportem como verdadeiros militantes partidários, tentando
sustentar a continuidade do Sistema Corrupto, pois está em jogo o próprio capitalismo,
para que ele nunca acabe.