Reinaldo Lobo
Um traço das sociedades contemporâneas é a
crença de que o crescimento ilimitado da produção, das forças produtivas e do
consumo infinito é, de fato, a finalidade central da vida humana. O resto seria
a cultura, a arte, as religiões, as identificações pessoais, os afetos, os
sonhos, a esperança, a solidariedade, o reconhecimento e muitas outras
inutilidades.
Essa “ideia” do crescimento sem fim é o
que Cornelius Castoriadis chamava de significação imaginária social. A ela
correspondem novas atitudes, valores e normas, uma nova definição da realidade
e do ser, uma seleção do que conta e daquilo que não conta.
Os cientistas e os filósofos de plantão
determinam uma nova virada para o pensamento e o conhecimento: não há limites
para os poderes e as possibilidades da Razão em seu casamento com o
capitalismo. Essa significação imaginária se refere também à “aplicação da
ciência à indústria”, como dizia o racionalista Marx--o que implicaria em
constantes transformações tecnológicas. Nesse ponto, os neoliberais e os
marxistas se encontram, isto é, na crença do “progresso permanente”.
O fato de a natureza estar sendo destruída
sistematicamente e de haver crises constantes ou cíclicas na sociedade, com
grandes prejuízos humanos e materiais, passam a ser “normais” sob esse ponto de
vista da produção e do consumo infinitos. Já não há limites para a progressão
do conhecimento, dizem os cientistas em paralelo com os ideólogos. É como se a
Razão, de crise em crise, de forma fragmentária e irregular, progredisse em
direção a uma Verdade Absoluta que nunca é atingida. Assinalou Castoriadis: “a
ideia da expansão ilimitada do domínio racional (“pseudo domínio”, “pseudo
racional”) fala de um totalitarismo imanente ao imaginário capitalista”.
Essa visão-de-mundo capitalista, que se
imagina científica e racional, tem destruído sistematicamente os valores, a
arte e a cultura, hoje diminuídas a reflexos do “mercado”. Também têm sido detonadas
as identificações pessoais pelo rebaixamento das instituições e da política. É
como se os sujeitos apresentassem um superego “frouxo”, sem marcos e
referências no imaginário social.
A predominância da significação
imaginária do capitalismo produz várias características e efeitos particulares
na sociedade atual e nos seus indivíduos. Um deles, é o conformismo
generalizado: sua origem é a diminuição da participação dos cidadãos na vida
pública. As instituições políticas cumprem a função de afastá-los dos assuntos
públicos, convencendo-os da inutilidade de sua participação. É minúscula a
parte da sociedade que governa e decide sobre seus sucessores—é a chamada “oligarquia
liberal”. Em face da significação hegemônica capitalista desaparece o conteúdo
de toda oposição verdadeira entre “direita” e “esquerda”. Tudo isso produz um
sujeito conformista e privatizado, que recusa responsabilidade social e
política, virado de costas para as questões de toda a comunidade e preso cada
vez mais na esfera privada, isto é, na sua família e em algumas relações
pessoais. Isso é o que se pode chamar de privatização e despolitização da vida.
Na democracia contemporânea, quando
uma pessoa vota, sua atitude é cínica; não crê no programa que lhe é
apresentado, mas considera que o candidato escolhido entre vários é apenas um
mal menor em comparação com o governante anterior.
Na sociedade atual, o indivíduo deixou
de ser um cidadão e um produtor na acepção da palavra e se tornou um
consumidor. Seu objetivo está em grande medida na aquisição de mais bens, mais
diversão, mais sensações, mais turismo. Está passivo e envolvido por uma
inundação de ofertas propostas pela mídia.
O sujeito é o espectador da exposição das mercadorias e do espetáculo da
alienação.
O contorno da sociedade é capitalista,
e sua meta principal é o consumo desenfreado, além da acumulação do capital.
Isso leva a uma operação destrutiva dos laços e da vida social, à privatização
do sujeito e ao seu conformismo. Castoriadis chama a essa operação de “avanço
da maré de insignificância” em uma “sociedade de lobbies e de hobbies”.
Do ponto de vista psicanalítico, essa
fase desestruturante do espaço social gera uma “crise do processo
identificatório”. Isso acontece porque a significação imaginária do
capitalismo, entregue a si mesma, entra em crise-- em um tipo de espiral
auto-desestabilizante-- e, com ela, as instituições.
O resultado é, então, ninguém mais saber
a sua função na sociedade, qual o sentido da vida social e a sua participação
nela. Fica confuso o que se espera de um homem, de uma mulher, de um professor,
de um operário, de um profissional. Essa crise identificatória acelerou-se
desde os anos 80, com o triunfo do neoliberalismo em 160 países do mundo. Só
restam traços remotos dos “tipos antropológicos” anteriores, da década de 70
para trás.
Não se pode falar de um sujeito no
sentido pleno quando as pessoas são levadas a não pensar, não refletir sobre si
e sobre a sociedade. Para existirem sujeitos é preciso que os indivíduos possam
falar de um “nós” coletivo e possam instituir um campo de conhecimento
reflexivo, uma lucidez e responsabilidade pela sociedade a que pertencem.
A dúvida atual é se as chamadas
democracias liberais têm como produzir esses indivíduos autônomos e em
quantidade suficiente para restaurar a esfera pública e uma liberdade digna
desse nome.
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