Reinaldo Lobo
Na cadeia ou na Presidência da República?
Num caixão, abatido a tiros, ou vivo nos braços da multidão? “Lá”, onde? Neste
momento, Lula está preso, para gozo de todos os que o chamam de ladrão,
criminoso, bandido que não merece o convívio social normal dos “cidadãos de
bem”. Essa fatia da sociedade quer transformá-lo numa espécie de Fernandinho
Beira Mar, justamente o oposto da imagem de um Nelson Mandela oferecida pelos
petistas.
Num momento de “simpatia” e de “generosidade”,
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso soltou uma frase, quando pediam o
impeachment de Lula em plena época do “mensalão”, em 2005 : “Não se pode
impedir ou cassar um líder social e político como ele, com a adesão e a
dimensão que tem. Ele não é um Collor nem um Maluf”. Não é mesmo.
No ano seguinte, Lula seria reeleito com
mais de 60% dos votos contra Geraldo Alckmin, do PSDB, que obteve 39%.
Ao mesmo tempo, ainda em 2005, os tucanos
começaram a campanha para fazê-lo “sangrar até morrer”, que culminaria no
impeachment de Dilma Rousseff e ,agora, em sua prisão. Assim funciona a
política, em particular no estilo dos
tucanos, hábeis em duplicidade.
Lula merece estar preso? Será essa a
questão ou tudo não passa de uma oportuna ação política destinada a remover o
líder de sua dimensão , a fim de que se possa “resolver“ a crise econômica do
capitalismo brasileiro pelas mãos conservadoras e neoliberais?
O “timing” e a severidade da Operação Lava
Jato, coincidência ou não, ajudaram muito a montar o quadro eleitoral deste
ano, do qual Lula parece definitivamente excluído. Por enquanto, “Lá” significa
a prisão, com doze anos e meio de sentença pela frente.
Há
quem diga que a prisão poderia ser relaxada após as eleições, quando estiver
eleito um adequado presidente de “centro-direita”, ao gosto do “Mercado”, cujo
perfil coincide notavelmente com o de Geraldo Alckmin, o “Santo” da Odebrecht,
suspeito de vários desvios em São Paulo, e que acaba de ser salvo da Lava Jato
pelo STJ.
Os que se prendem às regras formais e aos
rituais da Justiça usam isso como argumento para justificar a prisão. Dizem:
“Se foi condenado, então não pode deixar de ser preso”. Não há presunção de
inocência, mas preconceito. Geralmente ignoram a campanha de difamação e de
redução da pessoa a um corpo, a uma coisa destinada a ser presa, e ficam com os
“fatos”, neste caso altamente discutíveis em matéria de provas. Há uma enorme
quantidade de “fake news” e de mentiras programadas sobre Lula e sua família.
No imaginário de inúmeros eleitores da direita, os filhos de Lula seriam as
pessoas mais ricas do País, sendo que a maioria deles está desempregada.
O processo de Lula foi isento e sem
conotação política? Não. Os procuradores e juízes que o acusaram são pessoas
comuns, sujeitas não só aos princípios e cânones da Lei, mas suscetíveis de
ideologia implícita da sua condição social e pelo moralismo desencadeado com a
revelação da corrupção localizada no Sistema Corrupto, esquema transformado em
rotina, envolvendo Estado e empreiteiras.
Há que acrescentar como parte dessa operação a própria mídia, usada
ostensiva e seletivamente pelo juiz Moro em suas revelações e vazamentos de frases
atribuídas aos denunciados delatores.
As investigações da Lava Jato foram
estimuladas por Dilma, autora de uma “faxina” ministerial e fonte da legislação
sobre delações premiadas que permitiram o avanço da Força Tarefa de Curitiba.
Dilma queria barrar os abusos na Petrobrás, tentando mudar as diretorias. Isso
pode ter-lhe valido o furor de personagens como Eduardo Cunha, que permaneceu
na presidência da Câmara até cumprir a missão de derrubá-la.
A prisão de Lula coincide com a
culminância de um crescimento das forças de extrema direita, uma real onda
conservadora, não só no Brasil, mas no continente americano, norte e sul, e na
Europa. É como se um pêndulo oscilasse da esquerda para direita na tarefa de
enfrentar a crise do capital. Os brasileiros não escaparam. Entramos com a pior
parte nessa tarefa, a mais repressiva e turbulenta, com uma política de combate
à recessão com mais recessão e retirada de direitos sociais.
O impeachment de Dilma ficou conhecido
como o golpe paraguaio, pois foi dado no Congresso, com apoio no Judiciário,
como no Paraguai que teve seu presidente Fernando Lugo derrubado. A mesma
fórmula foi usada em Honduras, o que faz pensar em uma sequência lógica e
articulada.
Esse desvio à direita pode ter
consequências desastrosas para a própria economia. Certamente terá efeitos por
um bom tempo na esfera do trabalho e das classes pobres, se uma solução de
compromisso não for encontrada. Paradoxalmente, Lula era, e é, a liderança mais
capaz de acordos e compromissos, às vezes até temerários.
Sua prisão deixa os conservadores com uma
tarefa difícil A direita quer governar isolada no poder, apesar de ser péssima
de voto. É difícil saber como o fará. Ainda que hoje tenha público, formado no
antipetismo e no ódio radical, a direita não tem lideranças capazes de empolgar
ou de formar um bloco transparente e hegemônico. O único personagem disponível, Bolsonaro, é
fascista demais para ser palatável pela “centro direita”. Então, ela vai
recorrer a um novo golpe ou permanecer aliada dos setores mais corruptos da
política do PMDB, PP, PTB, DEM e um longo desfile de pequenos partidos de
compra e venda?
O mais provável é que tente pavimentar o
caminho para um Alckmin, mas correndo o risco de perder para uma Marina -- a
que come quieta e balança na sua rede para a direita e à esquerda. Seria um
novo momento para a elite brasileira, despreparada para encarar de verdade o
povo.
Lula é o nosso político mais controverso,
mas também o único capaz de fazer as ligações e alianças que não excluam o povo
pobre. A direita sabe disso. Quando pediram ao general De Gaulle que prendesse
Jean Paul Sartre na rebelião de iniciada em Maio de 1968, ele respondeu: ”Não
se prende Voltaire.” De Gaulle era um conservador inteligente, não fez isso por
generosidade ou piedade.
Lula
não é um Voltaire, mas merece respeito como ex-presidente e como a figura
pública que definiu um lugar do Brasil no mundo. Por mais que insistam em
manter a prisão de Lula, volta sempre a frase de Fernando Henrique Cardoso:
“não se prende um líder social e político dessa dimensão”.