Reinaldo Lobo*
Os fascistas são os conservadores
que mais têm medo. Medo da instabilidade econômica sob o capitalismo, medo de
perder privilégios, medo do caos, medo do outro, do que pode mudar na
vida, do que é diferente, do que se projetou em um inimigo escolhido
como bode expiatório, medo da insegurança em geral e da vingança daqueles que
submeteram infundindo o medo.
Um filme em cartaz nas boas salas de
cinema e na internet intitulado “1945” ilustra bem essa paixão oculta no
coração dos opressores fascistas e de seus aliados: numa cidade húngara, mas
que poderia ser qualquer uma do centro leste europeu ocupada pelos nazistas
durante a Segunda Guerra, reaparecem após a libertação da ocupação alemã dois
judeus ortodoxos que ali moraram. Os homens carregam duas misteriosas caixas
que atemorizam os moradores locais: o que conteriam? Armas para a vingança contra
a população aderida ao nazismo e que os delatou, roubou-lhes as residências e
fingiu esquecer o que fez?
A presença dos dois judeus causa um
pânico nos moradores, pois aparentemente os novos ocupantes, os libertadores
soviéticos, poderiam ter permitido que eles se vingassem. A insegurança se
estabelece, a culpa leva uma personagem ao suicídio, as outras vivem conflitos
aterrorizantes em relação àquelas caixas misteriosas e se preparam para o pior.
O final é surpreendente, não vou contar para não dar “spoiler”, mas ilustra bem
como paixões primitivas, como o medo e o ódio, levando à submissão irracional,
ignoram o simbólico e a cultura.
Os que não chegam a ser fascistas
também têm medo da instabilidade na própria sociedade em que vivem, submetem-se
e, muitas vezes, apoiam cegamente tiranias ou mesmo governos oligárquicos sob
regime democrático. São os que colocam a felicidade e a segurança em primeiro
lugar, como se esses fossem os principais objetivos da política e da
sociabilidade. A principal paixão humana manipulada pelos governos, sejam
autoritários, totalitários e mesmo hierarquias de regimes democráticos, é essa emoção
subalterna, muitas vezes acompanhada de culpa, que leva a uma de servidão
voluntária.
Quem está submetido talvez imagine
que está feliz e em segurança, e nega que o principal objetivo da política não
seja nem a felicidade nem a segurança, mas a liberdade.
Se aceitarmos a liberdade e a autonomia
humanas como a essência da política, considerando necessária a criação de
instituições que promovam realmente a liberdade, sem mentirinhas, não será o
caso criarmos uma “boa sociedade” ou mesmo sem miséria. Mas seria necessário
criar uma sociedade verdadeiramente livre, onde as paixões primitivas não sejam
manipuladas para comandar as massas como bandos de incompetentes que não sabem
o que desejam ou não possam escolher sobre suas próprias vidas. Uma sociedade
autônoma será a mais consciente possível de suas necessidades, problemas,
objetivos sociais e práticos. Não será perfeita, mas livre.
Há lugares no norte do mundo, como
Islândia, Finlândia, Noruega, Dinamarca e mesmo Suécia e Holanda, onde alguns
experimentos que consistem em deixar a população governar quase diretamente
deram excelentes resultados. Na Islândia, por exemplo, na crise do capitalismo deflagrada
em 2008 e que afetou a todos até agora, a população tirou simplesmente a
governança dos bancos, reuniu-se em assembleias autônomas e passou a gerir as
decisões econômicas. A Islândia foi um dos primeiros, se não o primeiro país
europeu a sair da crise.
Ora, dirão, são países pequenos,
fáceis de administrar e de aplicar “utopias”. Os resultados apresentados, como
na Dinamarca, que em breve será o primeiro país totalmente sustentável do
planeta, não são utópicos, mas concretos. O que possibilitou esses resultados
não foi apenas o tamanho do território, mas uma história de conquistas sociais
e políticas democráticas que vem de séculos.
Além disso, a paixão política que
alimenta essas decisões não é o medo, mas escolhas conscientes calcadas nas
necessidades reais da população e nas discussões abertas de todos os canais da
sociedade, onde o Estado existe, mas a serviço da população e não sobre a
comunidade. São sociedades mistas, de economias “socialista” e “capitalista” ao
mesmo tempo. Não são puras, nem perfeitas, mas perfectíveis em função do regime
democrático.
No Brasil, é fácil perceber dois
fenômenos contrários a essa orientação: o clima de medo e de incerteza, de um
lado, e a demanda de segurança, de “intervenção militar” e autoritarismo. Nem
passa pela cabeça da maioria dos nossos políticos no poder convidar sequer a
população para uma consulta popular ou abrir os canais de participação para a
maioria opinar de verdade. Precisam manter as regras estritas das formas de
representação atual, absolutamente falidas, porque têm...medo. E, principalmente, porque eles seriam os
primeiros defenestrados se a população tivesse voz e porque não defendem o bem geral,
mas interesses particulares.
Basta lembrar o que estão fazendo com a lei
dos agrotóxicos, que é exatamente o oposto do que o mundo civilizado luta para
atingir: a sustentabilidade e a sobrevivência geral, não apenas a do
agronegócio.
Enquanto o Brasil for manipulado pelo
medo e a insegurança, teremos salvadores da Pátria fascistas, populistas e
falsos democratas, oligarcas de luxo.
Há um mito entre nós --de direita e de
esquerda-- que consiste em espalhar a ideia de mais segurança, de salvação pela
educação e pela redução gradual da miséria. O que esse mito esconde é que
precisamos primeiro, justamente ao contrário, de uma sociedade politicamente
mais livre, onde possa florescer a escolha da maioria, a mais ampla e
participante possíveis, para termos os resultados práticos desejados.
Para essa inversão dos valores e para a autoeducação
política do povo, só uma paixão é necessária – a paixão da liberdade.