Reinaldo Lobo*
Quando
se faz uma crítica ao PT, seus militantes mais aficionados respondem que isso é
“fazer o jogo da direita”, não importa quem a faça. Consideram qualquer
crítica, venha de onde vier, “inoportuna”. Ora, toda crítica é incômoda,
independente do momento em que é feita. A questão é se pode ser verdadeira e se
tem consequências positivas. Permitam-me citar Shakespeare: “A verdade é um
cachorro que tem de ficar preso no canil. E deve ser posto para fora a
chicotadas...”
A sugestão do filósofo norte-americano
Noam Chomsky – salvo engano, insuspeito de pertencer à direita--, de se formar
dentro da própria esquerda uma “comissão da verdade” para avaliar “os erros do
PT”, vem num momento em que o partido perdeu uma eleição e, apesar da grande
votação, temos consciência da grande rejeição oculta nessa votação por parte
dos eleitores que apenas queriam evitar Bolsonaro. Todos sabemos também que inúmeras
pessoas à esquerda já haviam feito a sugestão de uma autocrítica petista, pois
essa atitude só fortaleceria o partido internamente e junto ao eleitorado.
A cúpula partidária, a começar por Lula,
nunca aceitou uma posição de humildade, de submissão ao julgamento dos fatos,
de reflexão ou de exposição das mazelas surgidas ao longo da Operação Lava Jato
e mesmo antes, por ocasião do mensalão. Se houve autocrítica foi muito interna,
quase secreta. Sua alegação sempre foi que isso fortaleceria o adversário à
direita e que negaria tudo de bom que o PT fez para os trabalhadores, os pobres
e pelo País.
Ora, vamos por partes. “Favorecer o
adversário” : o PT não fez a autocrítica para “preservar votos” e, mesmo assim, perdeu. Houve um momento em
que o candidato Fernando Haddad esboçou um afastamento das mazelas partidárias
e sua popularidade subiu nas pesquisas. Por isso mesmo, ainda tem o respeito de
parte do eleitorado e poderá tentar novos voos políticos. Além disso, sempre
que um partido perde uma eleição – qualquer partido—é saudável que dedique um
tempo à reflexão sobre os equívocos que cometeu e, principalmente, sobre sua
maneira de governar.
O segundo argumento, o mais forte, segundo
o qual a autocrítica poderia fazer obscurecer o que o PT fez de bom, precisa de
consideração mais detida. De fato, o partido fez coisas boas, a maioria nunca
feitas antes. Os exemplos são uma longa lista: a agricultura familiar forte; o
fortalecimento do crédito popular e das cooperativas de pequenos produtores; a
preservação dos direitos trabalhistas – o que não foi pouco, e custou uma
enorme resistência aos lobbies empresariais que hoje apoiam Temer e Bolsonaro--;
a ressurreição do Nordeste, que hoje agradece com votos e fidelidade; a
consistência na manutenção da democracia nacional; a legislação que permitiu a
investigação da corrupção; a autonomia da Policia Federal e das Procuradorias (
o juiz Sergio Moro deve a Dilma sua carreira de “paladino da Justiça”, graças à
instituição da delação premiada em seu governo); a redistribuição de renda não
só via créditos, mas também dos programas sociais bem conhecidos, com destaque
ao Bolsa Família, que até o governo de extrema direita de Temer-Bolsonaro
hesita em anular; a política externa pacificadora que garantiu identidade,
dignidade internacional e respeito ao Brasil; e muitas outras.
A direita insiste em dizer que tudo
aconteceu graças ao governo de FHC, o que é uma outra grossa mentira-- esse
governo quebrou mesmo por três vezes o País, a desigualdade social cresceu
cerca de 35%, assim como o desemprego, sua política externa era bilateralista,
ignorou o Terceiro Mundo e se submeteu docilmente a Bill Clinton e ao
neoliberalismo então imperante. Ao contrário do que dizem as más línguas, Lula
colocou o Brasil na posição de manter 40% de seus negócios externos com os EUA
(com a Venezuela e Cuba foram menos de 2%) e com o restante do mundo, como
África e Ásia, sobretudo com a China.
Tudo isso – e, repito, não é pouco—não
justifica o que o partido andou fazendo ao se relacionar com gente como o
deputado Roberto Jefferson no mensalão, comprando votos par aprovação de
projetos no Congresso ou com o “pragmatismo” aventureiro do ex-guerrilheiro José
Dirceu nos tratos com a Petrobrás. A teoria simplista de que “o fim justificam
os meios” ignora que, numa política socialista, significa invalidar os fins.
Dizer
que o PT “cometeu erros” é bondade. O partido de Lula foi longe nos acordos e
cambalachos com seus parceiros da Nova República, em nome de alcançar e manter
o poder. Os casos que ocorreram não são dignos de um partido socialista, cujo
objetivo, entre outros, é combater a corrupção capitalista, e não aderir a ela.
O principal argumento dos defensores da
teoria “pragmática” de Lula e Dirceu é que, se não tivessem recorrido aos meios
correntes na Nova República (“afinal, todos faziam e não havia meio de
sobreviver sem isso”.) não teriam chegado sequer à Presidência. Ora, houve
também abusos pessoais de personagens mais ou menos importantes, como Palocci,
o pequenino Silvio Pereira e sabe-se lá quem mais nos quadros intermediários.
Dizer que Palocci foi um traidor, depois das
delações, não resolve. Por que se permitiu que tudo ocorresse nas barbas de Lula. E as relações de
Lula com a Odebrecht? Ela era parceira, é verdade, de muitos governos
anteriores, desde a Ditadura civil-militar, mas isso também não justifica o PT
ter-se aconchegado no interior de um Sistema corrupto (como, aliás, tenho dito
aqui há muito tempo e já dizia em 2005).
Quem disse que o PT não conseguiria ajudar
os pobres ou mesmo chegar ao poder, se se mantivesse menor e combativo como era
em seus princípios? Teria a oportunidade, mesmo não se tornando poderoso
nacionalmente logo de início, de ir dando o exemplo em programas menores,
localizados em municípios e estados, formulados com a sua pressão nos
parlamentos. Houve um tempo, no Rio Grande do Sul, que os deputados e prefeitos
eleitos pelo PT criaram os orçamentos participativos, de grande repercussão e
eficiência. Ajudaram, inclusive, em gerar sistemas de transparência adotados
por todos os partidos perante o eleitorado.
A fantasia de uma mudança global, em
escala federal, foi instaurada a partir da ambição de poder de alguns líderes
da cúpula. Essa cúpula deve ser criticada e responsabilizada, inclusive, pela derrota
na eleição presidencial de 2018, pois demorou demais a assumir que precisaria
unir-se a outras forças para barrar a direita. Quando fez isso, já era tarde e
não se pôde evitar a avalanche em que tentam enterrar a esquerda brasileira,
toda ela, mesmo a independente, sob a arrogância e repressão de fascistas e
reacionários de todo tipo.
Se o PT tiver a coragem coletiva de se
autocriticar e de se renovar, seus militantes e simpatizantes poderão dizer,
talvez mais cedo do que imaginam, algo que li no pórtico de uma floricultura:
“Tentaram nos enterrar. Não sabiam que éramos sementes.”
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