Reinaldo Lobo
Imagine um adolescente que vê um filme de
ação, digamos da Marvel, com aquelas violências repetidas e acrobáticas. Você estará
vendo o presidente do seu País, Jair Bolsonaro, em Istrael, com uma
metralhadora na mão, fazendo gestos de capitão América, matando inimigos
imaginários no ar.
A cena seria apenas uma brincadeira, pois, como
disse o Rodrigo Maia, presidente da Câmara, o capitão está brincando de ser
presidente. Mas a gestualidade tem
muitos significados bélicos, políticos e diplomáticos. Foi, por exemplo, uma
provocação ao Hamas, que --gostemos ou não-- representa os palestinos, os quais
, por sua vez, estão intrinsecamente ligados ao mundo árabe e muçulmano.
Os palestinos são um símbolo de resistência
ao “imperialismo norte-americano e israelense” no universo islâmico. São um
xodó de quase todos os governos árabes e até do Irã, que não é árabe mas ultra
muçulmano. E, como todos sabem, essa
parte do mundo é um dos mercados preferenciais da economia brasileira.
Muitos brasileiros se escandalizam com as
atitudes do governante do seu País, que mais parece um idiota dando tiros nos
próprios interesses nacionais. Mas, antes, é preciso compreender que, desde a
eleição presidencial de 2018, entramos numa nova era.
Ainda que pareça uma viagem retrô aos anos 50/60,
essa nova fase do Brasil é e será dominada pela irresolução de um problema
político e ideológico revivido pelas nossas elites: como governar com apoio
popular fazendo governos anti-populares calcados numa tradição escravista?
Muitos recursos têm sido usados para operar
esse milagre, que chamarei de opressão tolerável. O Brasil tem vivido nesse
regime há muito tempo, pois o fundo determinante de suas políticas é sempre
autoritário. Os que falam de “nossa frágil e jovem democracia” parecem
responsabilizar a fraqueza do regime democrático por sua incapacidade de se
impor. Ao contrário, a força de nossas elites dominantes, viciadas no
mandonismo, na exclusão social e no poder discricionário, é o que impede a
democracia de prosperar.
O governo Bolsonaro, apoiado pelo
Judiciário elitista e conservador na sua essência e agora recheado de militares
por ocupação direta, é o ápice desse processo de ilusão ideológica que sustenta
a necessidade inevitável da repressão sobre as classes populares. Essas classes
são o perigo real e imediato que heróis em quadrinhos da família Bolsonaro
precisam enfrentar.
O imaginário da “família imperial”, como
disse FHC, encarna essa necessidade de eliminar o “excedente” representado por
frações da pobreza, culpabilizadas e
criminalizadas. Para alívio das elites e de boa parte da classe média branca,
os gestos de “arminha” feitos pelos filhos do presidente amigos de milicianos
assassinos e pelo próprio pai, sedento de poder bélico, são a síntese simbólica
de uma nova fase excludente da história brasileira.
A tradição autoritária é a mesma, mas a
nova etapa é a do imaginário “norte-americano” da violência.
Nossos heróis vivem num mundo hollywoodiano,
onde a realidade se adapta às premissas dos autores do filme. É o processo de
se isolar dentro de categorias ideológicas, criar um mundo falso à imagem
dessas categorias e agir como se estivesse em guerra com um inimigo conhecido
por todos.
Alguns setores da esquerda padecem dessa
mesma ideologia – retrô por natureza--, fantasiando que ainda estamos no tempo
de Sierra Maestra e que todos deveriam largar seus celulares e partirem para as
montanhas ou para as barricadas.
Bolsonaro parece estar brincando de
presidente, mas está fazendo algo pior: desejando impor um mundo falso à imagem
do tempo da Guerra Fria e dos anos 50. Sua ideologia é melancólica, lastima a
perda de um passado que precisaria se completar. A patética proposta de
comemoração do golpe de Estado de 1964 expressa essa busca de um tempo perdido
e o desejo de retomada desse mesmo
passado.
O imaginário humano permite esse
enclausuramento em símbolos, mitos e imagens de todo tipo. Na psicose, isso
constitui a criação de um mundo à parte de fantasias onipotentes. Há formas
ideológicas que se parecem muito com a loucura, tal o grau de distanciamento da
experiência da vida concreta. Quem não se lembra do universo criado pelos regimes
totalitários do século XX : crianças
dando loas com saudação fascista a Hitler e Mussolini, assim como na URSS homens
adultos, barbados, vários na meia idade gritando: “Viva o paizinho Stálin, guia genial do povos, viva!” ?
Já se disse que a palavra “mito” aplicada a
Bolsonaro é uma expl.oração do irracional e das emoções humanas para impedir o
uso da razão, como nos regimes totalitários. Acho que há nessa opinião uma admiração e um culto da
razão separada das emoções. Não há política sem emoções humanas nem sem
exploração das motivações inconscientes.
A questão é se estamos diante de uma
política infantilizadora e regressiva ou de uma política madura, que promova o
desenvolvimento de personalidades democráticas, com respeito ao outro e à opinião divergente. A
política da “nova política” ,vingativa e persecutória, pode ser tudo, menos
madura e democrática.