Reinaldo Lobo
Existem quatro tipos de hackers:
1. o ladrão, que invade os
dados dos outros para roubar dinheiro, usar seu cartão ou levar sua identidade;
2. o mercenário, especialista em espalhar fake
news a serviço de Carluxo Bolsonaro, de Steve Bannon e de Donald Trump;
3. o curioso, geralmente adolescente, que quer
xeretar a vida alheia e bagunçar;
4. o hacker militante, que quer revelar segredos
de Estado para o povo, desmantelar o crime político e a corrupção, como Assange
e Snowden. Estes, também são chamados de “hackers do bem”.
Pode ser que talvez já exista um quinto grupo
em formação, o dos cidadãos que querem se proteger da invasão e do roubo de
dados sobre suas vidas. Nesse caso, os ladrões seriam os governos e as empresas
que nos fazem colocar na rede nossos números de CPF, telefone e endereço. Como
fazem uso disso, certamente é a favor deles, não do nosso lado, o povo.
O hacker é um personagem da transição
para o século XXI. Não existiria se não houvessem as redes sociais e a
internet, que criou o especialista em eletrônica, filhos do Vale do Silício.
Alguns desses jovens inteligentes viraram Bill Gates, Mark Zuckerberg, Eduardo
Saverin, Jeff Bezos. Outros, estão por aí infernizando a vida do próximo.
As relações e funções dos novos
especialistas, incluindo aí os hackers, com a democracia e o poder político são
bastante ambíguas. Podem ter um efeito positivo ou negativo. Políticos
indianos, brasileiros e norte-americanos acusam o Facebook, o Whattsapp, o
Instagram e o Twitter de provocarem uma deformação dos últimos resultados
eleitorais nas eleições gerais de seus países.
É difícil aferir a extensão do dano ao
processo democrático, não só pela complexidade introduzida no sistema de
comunicação, mas também porque as redes sociais são parte da criação da “Era da
Pós Verdade” em que vivemos, quando os fatos se tornaram em muitos lugares
puras versões, ou como se diz, narrativas.
Um uso positivo dos novos meios de
comunicação atuais , a favor da democratização, é quando se limitam a divulgar
ideias políticas fora da publicidade paga ou oficial e apresentam alguém até
então desconhecido do público, como Barak Hussein Obama, em 2008.
Para quem não se lembra, foi uma equipe de
jovens afeitos à Internet, principalmente de fora do Partido Democrata, que
espalhou a boa nova de um candidato negro à presidência dos EUA. Até então,
Obama era um jovem político, senador por Chicago, com boa votação em seu
Estado, mas sem prestígio dentro do seu próprio partido e nada conhecido em
escala nacional.
O resultado todos conhecem: houve uma “onda
Obama” no eleitorado jovem e negro que se espraiou para todas as áreas. A
vitória nas primárias, contra Hilary Clinton, foi apertada e teve momentos
ásperos de acusações, onde Obama chegou a ser apresentado como um esquerdista
oportunista que teria “hackeado” fontes da adversária.
Na
eleição geral, contra o republicano John McCain, um candidato que parece ter
jogado limpo nas redes, a vitória do democrata foi nítida. Mas, mesmo então,
surgiram, por fora dos partidos, vindo da extrema direita que mais tarde
encarnaria em Trump, insinuações de que Obama era um muçulmano a serviço do
terrorista Osama Bin Laden. A vida
seguiu e, no poder, Obama coordenou o ataque que desmentiu essas insinuações,
matando o terrorista, o que não fora conseguido pelo republicano George W.
Bush.
O
potencial político dos hackers ficou evidente com a enxurrada de fake news
orientadas pelo ultradireitista Bannon e as sucessivas equipes eleitorais, em
2017, na campanha e eleição de Trump. Até mesmo hackers russos, a essa altura
cooptados em grande quantidade por Putin, teriam participado da destruição da
imagem de Hilary Clinton.
Na
China, o governo totalitário capitalista-comunista (caso único no planeta)
controla as redes e a mídia em geral. Se houver hackers, como na Rússia
capitalista do Czar Putin, trabalham para o poder. O temor desses governos
revela o potencial subversivo das redes e dos hackers.
Certa
vez, quando se discutia na esquerda como se posicionar diante das novas
realidades-- uma vez que a classe operária foi ao paraíso sob o capitalismo de
consumo, integrada e domesticada pelos sindicatos--, todos os presentes ao
debate se perguntavam qual seria o grupo, classe ou categoria que poderia se
rebelar ao ponto de iniciar uma mudança revolucionária. Alguns poucos mais
ousados disseram: “os hackers”!
Se for verdade
que não estamos mais na era do social, mas das diferenças e conflitos
culturais, não haverá dúvida de que os hackers e as redes sociais podem ter um
papel decisivo na formação da opinião pública, inclusive impulsionando as
mudanças.
Quem for democrata irá preferir que essas
mudanças derrubem instituições autoritárias e instituam uma democracia, mas de,
qualquer modo, tudo depende da orientação dos líderes e dos hackers envolvidos.
Isso implicaria num movimento prévio arrebanhando multidões de adeptos, o que
não seria nada fácil, pois os agentes do status quo cuidariam de opor barreira tecnológicas,
legais e politicas à mobilização. Estaria criada a guerra do hackers.
Qualquer que seja o desenlace da nossa
utopia, o fato é que hoje, no presente, já estão criando regras e leis de
controle das mídias de modo a impedir sua maior democratização. Um dos perigos
da democracia para o poder, seja ele qual for, é que além de ser representativa,
ela permite a criação de novos direitos—culturais, sociais, biossociais e
ambientais.
A característica mais revolucionária do
regime democrático é permitir a transparência das informações e restringir a
área de segredo imposta pelo poder. A outra é justamente a de gerar novos
direitos. Para isso, é necessário um fluxo de conteúdos pelas redes sociais e
não apenas deputados, vereadores, senadores sensíveis às causas populares.
Ao contrário do que muitos acreditam a
respeito dos meios de comunicação do século XXI, que seriam um Big Brother
repressivo e sua maior parte, pode ser que exista um aumento da participação
decisória do povo em escala até mundial. Um exemplo de assembleia pode ser o
“zoom” da internet, que pode escapar eventualmente ao controle do Estado, se
for manejado por hackers ou especialistas em comunicação comprometidos com as
causas populares.
A nossa esperança democrática pode estar nas
redes sociais e também nas mãos nos hackers militantes.