Vá ver "Jasmine Blue", o último Woody Allen. Um dos seus melhores filmes, cheio do ceticismo radical que o acompanha desde sempre. A arte pode ser utópica ou pessimista mas, quando tem valor estético, deleita-nos com a questão universal do sentido da existência. Nos dois casos.
Allen é assim: pessimista.
Parece ter lido Emil Cioran, o filósofo existencial mais pessimista que já houve. No entanto, sempre dá uma chance ao acaso. Alguns dos seus finais abrem para a salvação pelo amor e a inocência; o herói, como em "Meia Noite em Paris", encontra uma jovem pura, bela e simples, sem a hipocrisia do mundo social adulto e utilitarista. O acaso, desta vez em "Jasmine", não salva. Talvez a visão-de-mundo de Allen apareça neste filme mais o que em todos os outros.
Em "Match Point", lembram-se?, a queda de um anel de um certo lado, como se fosse a moeda da sorte, determina o destino da personagem central.
Aqui, um encontro fortuito na rua abre o abismo na vida de Jasmine, pois seu rumo se revela inevitável. Sua perplexidade diante da dor mental em face da verdade a leva à loucura. O acaso foi destrutivo ao extremo, desta vez.
Sempre fica a pergunta: é possível enlouquecer por acaso? A resposta pode ser "sim" e "não". Por um lado, ninguém enlouquece por azar(hasard).Deve haver uma estrutura histórica anterior que leva à psicose. A vida, as decepções cumulativas, os fantasmas, os traumas desencadeiam a loucura. O psicótico, diz uma frase antiga, é aquele que perdeu tudo, exceto a razão. Mas, quem sabe , alguém possa ser salvo da loucura por acaso. Um encontro, um amor, um outro ser humano significativo, uma vocação descoberta, um gesto espontâneo, uma revelação religiosa, uma verdade emergindo...Um detalhe da vida, talvez.
Deleite-se com esse Woody Allen. Para começar, com as atrizes inglesas do filme. Todos saem do cinema dizendo que Cate Blanchet é deslumbrante m sua beleza, elegância e talento. A comediante que faz sua irmã, Sally Hawkings, não fica muito atrás, apesar de ser apenas coadjuvante.
O clima de ansiolítico e de Prozac é mantido do começo ao fim, graças ao talento de ambas. Mas a mão do extraordinário diretor, uma espécie de Kafka chapliniano, pode ser sentida em todas as cenas.
Sei que existe quem duvide da grandeza de Allen. Um crítico norte-americano disse certa vez que ele tem ideias brilhantes nem sempre bem executadas. Mas agora, na sua maturidade, é impossível deixar de incluí-lo na galeria onde estão Bergman, Kurosawa, Antonioni, Fellini, Chaplin e alguns poucos outros.
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