quarta-feira, 10 de setembro de 2014

UMA NOVA DEMOCRACIA


                                         

 

                                                                        Reinaldo Lobo*

 

    Não confundam "nova democracia" com "nova política", invenção eleitoreira de uma candidata à presidência. Por nova democracia, refiro-me a uma espécie de movimento espontâneo surgido, sobretudo, entre os jovens, cuja  fundação pode ser datada de junho de 2013.

    As manifestações de rua foram inequívocas quando pediam uma constituinte exclusiva para a Reforma Política e vieram culminar na coleta de assinaturas com essa finalidade. A coleta acaba de atingir meio milhão de adeptos e pretende chegar a um milhão e meio.. O objetivo era e continua a ser conquistar a possibilidade de uma democracia mais direta,  com a  participação presencial do povo nas deliberações do espaço público.

    Ficou mais evidente do que nunca que existe uma nova geração política entre a juventude brasileira, bem diferente daquela de 1968, mas não menos interessada em mudar as estruturas institucionais do País. Sua meta é também a democracia, ou melhor, uma radicalização da democracia. O seu aperfeiçoamento.

    Aquela antiga leva de jovens de 68 comandou uma revolução cultural e, apesar de ser considerada derrotada e alienada pelos sociólogos que a chamaram de "geração do AI-5", tinha como meta uma revolução social e política que ía além das mudanças de costumes e de educação. Numa certa medida, fracassou.

    Foi uma geração que caiu numa espécie de luto e melancolia pelo projeto fraudado de socialismo com liberdade, que almejava ver a reforma da  União Soviética e dos países ditos socialistas. Aqueles jovens trombaram com o muro do "socialismo real" e, apesar das reformas da "glasnost" de Gorbatchov, confrontaram-se com a falência de todos os regimes do Leste Europeu e mesmo da Ásia.

    A "melancolia da esquerda" -- no dizer do filósofo Ernildo Stein-- foi uma espécie de doença psíquica que tomou conta daquela turma de 68, até, pelo menos, a chegada de uma onda esquerdista na América Latina, inaugurada com a eleição de Michele Bachelet , no Chile, e Lula, no Brasil. A esperança renasceu com esses novos projetos transformadores vindos, desta vez , do Sul.

     Mais moderada, participando de partidos e de eleições, essa esquerda veterana da guerrilha burocratizou-se e empurrou a nova juventude para a esquerda, às vezes, até a extrema esquerda e o anarquismo. Herdeira de uma cultura autoritária e do viés guerrilheiro nascido da Revolução Cubana, aquela  "velha juventude" de esquerda tinha um compromisso maior com a democracia social e muito menor com a democracia política. A democracia política era vista ,antes, como um instrumento tático, e não como uma estratégia de longo alcance institucional.

   Já a juventude atual deixou a melancolia para os integrantes mais velhos da esquerda, os "órfãos da utopia". Nem tinham do que se lamentar ou nenhum luto grave para elaborar. A revolução clássica, com suas barricadas e palavras de ordem, ficou no passado.

   Os que estão hoje na faixa dos vinte anos sabem de 68 de "ouvir dizer", nos aniversários da Ditadura, nos livros escolares e no movimento das Comissões pela Verdade, contra a tortura e o autoritarismo.

   Formada por blogueiros e tuiteiros, a nova juventude rebelde está enfastiada da velha politicagem que envolve barganhas e corrupção. Educada numa época pós-ditadura, conheceu sistemas de amizade tribal e eletrônica, além de ter desidealizado figuras de autoridade, como os pais e os professores. A educação contemporânea, conquistada em parte pela revolução cultural desencadeada em 1968, criou padrões de convivência no qual a discussão, o diálogo e a cooperação mútua são, pelo menos, divulgados, cantados em prosa e verso.

  Os jovens de hoje estão mais acostumados a relações de igualdade e a parcerias de colaboração entre semelhantes e iguais. Seus ídolos não são os políticos nem as propostas que possam ser manipuladas pelos líderes de partidos e autoridades instituídas. Toleram as diferenças, combatem o racismo  a homofobia, e consideram a revolução das mulheres um fato consumado e aceito há muito tempo. Sua política é levar a democracia a sério.

   É quase natural que essa nova safra de estudantes e jovens trabalhadores tenha uma inclinação mais libertária. Sua desconfiança é óbvia em relação à democracia baseada apenas em tripartição de poderes, sem participação popular direta, onde a representação política se descola dos representados e instaura lobbies de interesses e sistemas burocráticos.

    Daí, a esperança de uma reforma política vinda de fora do sistema representacional. A idéia é de uma constituinte que possa examinar o voto distrital ( pelo qual se controla melhor o parlamentar); a formação de conselhos de cidadãos (que possam vigiar e deliberar sobre o dinheiro público); a realização de plebiscitos (em questões que interessem diretamente ao povo);  a diminuição do número de partidos (verdadeiras cláusulas de barreira que impeçam as legendas de aluguel); talvez o parlamentarismo (que elimine o presidencialismo de coalizão, fonte de compra de parlamentares); a redução do número de parlamentares (evitando gastos com uma espécie de empreguismo de eleitos), etc.

    Qualquer que seja o presidente eleito em outubro ou novembro, não tenham dúvidas de que terá de se haver com  esse novo espírito político e com esse movimento salutar de renovação das estruturas institucionais. Muitos foram os que procuraram se apropriar das manifestações rebeldes de junho de 2013, mas ninguém conseguiu drená-las inteiramente a seu favor. Essa nova juventude não é melancólica; é alegre e cheia de energia. Só que não esquece a que veio e, provavelmente, não vai desistir de seu movimento.

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