Muitas pessoas inteligentes não entendem por que multidões seguem essas igrejas evangélicas --meio fajutas para os esclarecidos. Uma boa resposta é a de Pierre Bourdieu, sociólogo francês que escreveu livros inteiros de pesquisas sobre esse assunto e muitos outros:
" O poder simbólico é esse poder invisível, o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.
"Poder quase mágico, que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário".
quinta-feira, 16 de julho de 2015
GOVERNO ESQUIZOFRÊNICO?
Reinaldo Lobo*
A metáfora da esquizofrenia tem
sido usada e abusada para descrever o atual governo brasileiro. É um equívoco e
um diagnóstico apressado. Em primeiro lugar, é preciso perguntar: o que se
define hoje como o governo brasileiro.
Há vários, com identidades independentes. Mas há um laço de sobrevivência
política que os une.
Na esquizofrenia -- a doença
mental -- existe uma cisão de personalidade de um único indivíduo. Suas partes
-- é verdade-- agem isoladas umas das outras e se ignoram mutuamente . Com
Brasília, não é bem assim. Há vários elementos distintos , cada um agindo de
modo mais ou menos desorganizado do seu
lado. Cada um trabalhando como se
tivesse identidade, autonomia e direção própria , porém contrária aos outros. Cada um na sua, como se diz. E uns contra os
outros, só até certo ponto. No fundo, há um fio de união.
Há um governo que se imagina de
esquerda -- bem moderada, diga-se-- , relativamente acuado e sob pressão dos
adversários. É representado pela figura presidencial e alguns poucos ministros
de sua confiança, como José Eduardo Cardoso e Aloísio Mercadante. Na base
aliada, conta com o PCdoB, e com alguns membros do PDT, do PSB e pouquíssimos
independentes do PMDB. É pouco, para uma base que reúne cerca de 22 partidos.
Um outro é de direita, encarnado por amplos
setores do PMDB, sintetizados em figuras
como Kátia Abreu, da Agricultura, sem excluir o vice presidente Michel Temer.
Acrescente-se aliados do PP, PR e outras legendas mais ou menos fisiológicas. A direita se amplia até toda a base
governista, onde estão personagens de alta respeitabilidade como os presidentes
da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado,
Renan Calheiros.
Há mais um governo, terceirizado do
tucanismo, figurado pelo ministro Joaquim Levy, com uma ideologia de ultra direita na área econômica. A grande
polêmica é a carta branca dada pela presidente Dilma a este governo à parte,
que age com desenvoltura, desmentindo completamente a idéia de um "governo
voltado para os trabalhadores" propagada e articulada pelo PT.
Ainda há um resquício de uma virtual
representação do lulismo agindo nos bastidores, apoiado nos remanescentes do
PT.
Talvez
seja melhor perguntar: qual dos governos governa o Brasil hoje?
Dilma está vivendo o drama da esquerda que
optou pelo caminho democrático e deixou para trás o velho processo de
radicalização revolucionária. Não oferece o socialismo, mas uma coligação de
partidos e orientações ideológicas em direção a graduais avanços de distribuição de renda. Estão errados -- ou só de ma fé-- os que
acenam com o espantalho de Cuba ou do bolivarianismo da Venezuela. Isso é a maior bobagem que circula
na imprensa brasileira. O pior é que alguns saudosistas do socialismo real ou da opção guerrilheira
entraram também nessa história.
É preciso dizer com todas as letras de
uma vez por todas: Dilma entregou a hegemonia para a direita, não por
ingenuidade, mas por estratégia. Ampliou o pacto de coalizão com o empresariado
, os banqueiros e os latifundiários.
Em parte, foi para sobreviver politicamente sem
a retaguarda paternal de Lula, após uma vitória apertada nas urnas e a pressão
das classes médias e de vários setores populares, inclusive trabalhadores levados pela onda de moralismo
e fervor evangélico que assola o país.
Por outro lado, em grande parte a
presidente Dilma vive o "dilema grego" que afeta toda a esquerda que
veio de setores mais radicais pela via democrática e teve que adotar governos
de coalizão com as classes dirigentes. Por não saber agir num ambiente
tipicamente negociador, oportunista, em busca de sucessivas soluções de
compromisso com as forças do capitalismo mundial e nacional -- e sem um forte
programa alternativo estratégico--, essa
esquerda exagera na dose da aliança e da concessão, perdendo a mão sobre o processo político.
O
drama de José Dirceu foi exemplar : perdeu a mão na dose de compromisso,
escorregando na ilusão de imitar o "pragmatismo" da direita. Acabou
por virar uma figura de lobista, maltratado até injustamente pela mídia. .Atuou
na mesma "zona cinzenta da política" de que falava um ilustre
filósofo tucano. Só que, ao contrário dos vários espertos tucanos que meteram à vontade o bico
na cumbuca, foi apanhado numa armadilha sem a proteção da mídia conservadora.
Restou-lhe a condição de "consultor".
A direita nacional, composta por quase
todos os partidos existentes, é como aquela velha dona de bordel que conhece
cada uma das fraquezas de suas
profissionais e de seus fregueses. E as explora todas com eficiência. Eduardo
Cunha é a personagem símbolo dessa direita esperta. É uma dessas donas do
bordel. Na verdade, a sua turma está governando mais do que os outros vários
"governos", pois tem obtido cinicamente , na calada da noite, mais
resultados regressivos e conservadores do que a oposição tucana bem falante e inepta.
A
direita governa o País e mantém Dilma na defensiva. Há um pacto de
governabilidade envolvendo todos os partidos, inclusive a oposição -- com
hegemonia da direita, sobretudo dos banqueiros. A oposição finge se opor, de
olho nas eleições futuras, mas não tem
nada de louca ou de esquizofrênica . Louco é quem rasga dinheiro.
Reinaldo Lobo é psicanalista
e articulista,. Tem um blog: imaginarioradical.blogspot.com
quarta-feira, 1 de julho de 2015
A GUERRA RELIGIOSA
Reinaldo Lobo*
A mãe de um preso de alta
periculosidade ligado do PCC contou em entrevista na TV que deu ao filho de presente
o Novo Testamento e o seguinte conselho:
-- Decore trechos da Bíblia, aproveite
enquanto está na cadeia, converta-se, saia mais cedo por bom comportamento e,
aqui fora, funde uma Igreja Evangélica e você ficará rico muito mais depressa
do que pelo tráfico.
Essa senhora de visão falava a sério,
não estava brincando ou ironizando. Um "convertido" tem um grande
valor no "negócio da fé" e sua retórica é muito mais convincente.
Tornar-se um pastor é um ato de
empreendedorismo-- um tanto cínico e oportunista, é verdade, mas de grande
futuro. O mercado cresce, as igrejas têm isenção de impostos e os seus pastores
e bispos também.
A Teologia da Prosperidade que move a
pregação evangélica é harmônica com o capitalismo, dá-lhe um suplemento de
alma, manipula multidões em busca de recompensa ou retribuição pela doação do dízimo -- não no céu, mas na
terra. Distribui milagres e encena curas espetaculares, próprias para a histeria em massa.e perfeitas na televisão.
A julgar pelos números divulgados
recentemente, com 14 mil igrejas pentecostais novas no País em menos de um ano,
o Brasil seria um dos países mais evangélicos do mundo. Mas a situação não é
tão simples assim.
Ocorre que as igrejas evangélicas, com
apoio nas suas mídias, são fábricas de criar clientes. Abrem novas frentes
evangelizadoras e vão ocupando espaços outrora pertencentes hegemonicamente à
Igreja Católica. Não recolhem um mercado já existente, ainda que a fé sempre
seja virtualmente existente em toda parte,
mas doutrinam os seus novos públicos. Na verdade, criam um público novo
onde se instalam e vão-se espalhando pelos mais distantes grotões nacionais.
Alguns antropólogos e sociólogos sustentam
que essas igrejas são mais modernizadoras, pois utilizam sem pudor meios
tecnológicos e eletrônicos para promover uma teologia condizente com a
sociedade de consumo. Também socializariam membros de comunidades pobres e
primitivas oferecendo-lhes valores diferentes de religiões
mais"primitivas", como a umbanda e o candomblé. Aliás, esse é o
discurso de alguns pastores mais espertos que jogam seu público contra a
"magia negra", ou seja, os credos oriundos da tradição negra e
africana, ao mesmo tempo em que usam recursos de prestidigitação em que imitam
fora do contexto rituais dessas religiões.
Tenho minhas dúvidas de que as
denominações evangélicas sejam modernizadoras, no sentido de fazerem prevalecer
o simbólico em relação à concretude das ações e da troca primitiva de bem estar
por dinheiro. Ao contrário, parecem apropriar-se da linguagem alheia -- como no
caso gritante da Universal do Reino de Deus, com seu Templo de Salomão do Velho
Testamento, que veste seus pastores como se fossem rabinos do judaísmo. E, além
de usarem linguagem dos outros cultos, propõem uma espécie de despojamento
simbólico das tradições de séculos e dos significados contextuais de cada
religião. Promovem assim uma espécie de alienação regressiva e uma ostensiva
mistificação.
Se na tradição católica, por exemplo,
cada gesto de um ritual remete ao simbólico e à representação, dirigindo-se
ao pensamento humano, o que essas
religiões propõem é o esvaziamento dos símbolos de seus significados. O seu
valor passa a ser meramente utilitário. Derramam-se os conteúdos para fins
quase teatrais visando uma troca comercial. O Templo de Salomão da Universal
chega a ser kitsch porque é falso. É a cópia da cópia da cópia... Lembra um
pouco o universo de Las Vegas, onde tudo parece, mas não é.
A
guerra por territórios das igrejas evangélicas tem também uma função ideológica
e política mais ostensiva. Não só porque seus pastores não fazem a menor
cerimônia em ocupar cargos públicos, chegando alguns deles até mesmo a figurar
nas listas de presos por corrupção. Mas, sobretudo, porque cumprem, desde os
tempos da Ditadura Civil -Militar, a missão, apoiada até pela CIA, de
deslocar da cena a Igreja Católica que fez a opção pelos pobres.
Há informações seguras de historiadores
segundo os quais algumas denominações religiosas lideradas por anti-comunistas
fanáticos foram escaladas, desde os anos 70, pelas classes dominantes e
patrocinadas para iniciar o combate às pastorais operárias católicas e para conquistar
setores das classes médias.
Essas denominações incluiriam desde a seita coreana do Reverendo Moon --que
não teve nenhum sucesso em se implantar no Brasil, ainda que tenha recebido um
bom dinheiro de seus padrinhos norte-americanos-- até as igrejas pentecostais
que imitavam na TV os pastores-vendedores dos Estados Unidos. Estas tiveram e
continuam a ter sucesso, mesmo ainda existindo uma maioria de católicos
nominais no País. Pequenos empresários passaram, inclusive, a freqüentar essas
igrejas, pois com as oscilações econômicas, entram em concordata e desespero, formando verdadeiras falanges
virtuais proto-fascistas.
O conflito com outras denominações
religiosas tem se radicalizado ao ponto de os fanáticos evangélicos hoje
influírem no Congresso Nacional, onde o presidente da Câmara , Eduardo Cunha é
um protótipo desses oportunistas eleitorais que se fazem passar por
"fundamentalistas cristãos".
O problema é que, ao organizarem falanges
do fundamentalismo, chegam a provocar a violência, como houve no Rio de Janeiro
contra membros do Candomblé. Esses líderes fajutos não se limitam apenas a
fazer negócios e a levar o dinheiro dos crentes, mas constituem um sério perigo
social, político e mesmo bélico. Querem levar a guerra às ruas e seus chefes ao
poder.
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