quarta-feira, 1 de julho de 2015

A GUERRA RELIGIOSA

     
                                                                   Reinaldo Lobo*

        A mãe de um preso de alta periculosidade ligado do PCC contou em entrevista na TV que deu ao filho de presente o Novo Testamento e  o seguinte conselho:
      -- Decore trechos da Bíblia, aproveite enquanto está na cadeia, converta-se, saia mais cedo por bom comportamento e, aqui fora, funde uma Igreja Evangélica e você ficará rico muito mais depressa do que pelo tráfico.
       Essa senhora de visão falava a sério, não estava brincando ou ironizando. Um "convertido" tem um grande valor no "negócio da fé" e sua retórica é muito mais convincente.
      Tornar-se um pastor é um ato de empreendedorismo-- um tanto cínico e oportunista, é verdade, mas de grande futuro. O mercado cresce, as igrejas têm isenção de impostos e os seus pastores e bispos também.
      A Teologia da Prosperidade que move a pregação evangélica é harmônica com o capitalismo, dá-lhe um suplemento de alma, manipula multidões em busca de recompensa ou retribuição  pela doação do dízimo -- não no céu, mas na terra. Distribui milagres e encena curas espetaculares, próprias para a  histeria em massa.e perfeitas na televisão.
      A julgar pelos números divulgados recentemente, com 14 mil igrejas pentecostais novas no País em menos de um ano, o Brasil seria um dos países mais evangélicos do mundo. Mas a situação não é tão simples assim.
     Ocorre que as igrejas evangélicas, com apoio nas suas mídias, são fábricas de criar clientes. Abrem novas frentes evangelizadoras e vão ocupando espaços outrora pertencentes hegemonicamente à Igreja Católica. Não recolhem um mercado já existente, ainda que a fé sempre seja virtualmente existente em toda parte,  mas doutrinam os seus novos públicos. Na verdade, criam um público novo onde se instalam e vão-se espalhando pelos mais distantes grotões nacionais.
     Alguns antropólogos e sociólogos sustentam que essas igrejas são mais modernizadoras, pois utilizam sem pudor meios tecnológicos e eletrônicos para promover uma teologia condizente com a sociedade de consumo. Também socializariam membros de comunidades pobres e primitivas oferecendo-lhes valores diferentes de religiões mais"primitivas", como a umbanda e o candomblé. Aliás, esse é o discurso de alguns pastores mais espertos que jogam seu público contra a "magia negra", ou seja, os credos oriundos da tradição negra e africana, ao mesmo tempo em que usam recursos de prestidigitação em que imitam fora do contexto rituais dessas religiões.
     Tenho minhas dúvidas de que as denominações evangélicas sejam modernizadoras, no sentido de fazerem prevalecer o simbólico em relação à concretude das ações e da troca primitiva de bem estar por dinheiro. Ao contrário, parecem apropriar-se da linguagem alheia -- como no caso gritante da Universal do Reino de Deus, com seu Templo de Salomão do Velho Testamento, que veste seus pastores como se fossem rabinos do judaísmo. E, além de usarem linguagem dos outros cultos, propõem uma espécie de despojamento simbólico das tradições de séculos e dos significados contextuais de cada religião. Promovem assim uma espécie de alienação regressiva e uma ostensiva mistificação.
      Se na tradição católica, por exemplo, cada gesto de um ritual remete ao simbólico e à representação, dirigindo-se ao  pensamento humano, o que essas religiões propõem é o esvaziamento dos símbolos de seus significados. O seu valor passa a ser meramente utilitário. Derramam-se os conteúdos para fins quase teatrais visando uma troca comercial. O Templo de Salomão da Universal chega a ser kitsch porque é falso. É a cópia da cópia da cópia... Lembra um pouco o universo de Las Vegas, onde tudo parece, mas não é.
      A guerra por territórios das igrejas evangélicas tem também uma função ideológica e política mais ostensiva. Não só porque seus pastores não fazem a menor cerimônia em ocupar cargos públicos, chegando alguns deles até mesmo a figurar nas listas de presos por corrupção. Mas, sobretudo, porque cumprem, desde os tempos da Ditadura Civil -Militar, a missão, apoiada até pela CIA, de deslocar da cena a Igreja Católica que fez a opção pelos pobres.
      Há informações seguras de historiadores segundo os quais algumas denominações religiosas lideradas por anti-comunistas fanáticos foram escaladas, desde os anos 70, pelas classes dominantes e patrocinadas para iniciar o combate às pastorais operárias católicas e para conquistar setores das classes médias.
     Essas denominações incluiriam  desde a seita coreana do Reverendo Moon --que não teve nenhum sucesso em se implantar no Brasil, ainda que tenha recebido um bom dinheiro de seus padrinhos norte-americanos-- até as igrejas pentecostais que imitavam na TV os pastores-vendedores dos Estados Unidos. Estas tiveram e continuam a ter sucesso, mesmo ainda existindo uma maioria de católicos nominais no País. Pequenos empresários passaram, inclusive, a freqüentar essas igrejas, pois com as oscilações econômicas, entram em concordata e  desespero, formando verdadeiras falanges virtuais proto-fascistas.
     O conflito com outras denominações religiosas tem se radicalizado ao ponto de os fanáticos evangélicos hoje influírem no Congresso Nacional, onde o presidente da Câmara , Eduardo Cunha é um protótipo desses oportunistas eleitorais que se fazem passar por "fundamentalistas cristãos".

    O problema é que, ao organizarem falanges do fundamentalismo, chegam a provocar a violência, como houve no Rio de Janeiro contra membros do Candomblé. Esses líderes fajutos não se limitam apenas a fazer negócios e a levar o dinheiro dos crentes, mas constituem um sério perigo social, político e mesmo bélico. Querem levar a guerra às ruas e seus chefes ao poder. 

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