Reinaldo Lobo*
A mãe de um preso de alta
periculosidade ligado do PCC contou em entrevista na TV que deu ao filho de presente
o Novo Testamento e o seguinte conselho:
-- Decore trechos da Bíblia, aproveite
enquanto está na cadeia, converta-se, saia mais cedo por bom comportamento e,
aqui fora, funde uma Igreja Evangélica e você ficará rico muito mais depressa
do que pelo tráfico.
Essa senhora de visão falava a sério,
não estava brincando ou ironizando. Um "convertido" tem um grande
valor no "negócio da fé" e sua retórica é muito mais convincente.
Tornar-se um pastor é um ato de
empreendedorismo-- um tanto cínico e oportunista, é verdade, mas de grande
futuro. O mercado cresce, as igrejas têm isenção de impostos e os seus pastores
e bispos também.
A Teologia da Prosperidade que move a
pregação evangélica é harmônica com o capitalismo, dá-lhe um suplemento de
alma, manipula multidões em busca de recompensa ou retribuição pela doação do dízimo -- não no céu, mas na
terra. Distribui milagres e encena curas espetaculares, próprias para a histeria em massa.e perfeitas na televisão.
A julgar pelos números divulgados
recentemente, com 14 mil igrejas pentecostais novas no País em menos de um ano,
o Brasil seria um dos países mais evangélicos do mundo. Mas a situação não é
tão simples assim.
Ocorre que as igrejas evangélicas, com
apoio nas suas mídias, são fábricas de criar clientes. Abrem novas frentes
evangelizadoras e vão ocupando espaços outrora pertencentes hegemonicamente à
Igreja Católica. Não recolhem um mercado já existente, ainda que a fé sempre
seja virtualmente existente em toda parte,
mas doutrinam os seus novos públicos. Na verdade, criam um público novo
onde se instalam e vão-se espalhando pelos mais distantes grotões nacionais.
Alguns antropólogos e sociólogos sustentam
que essas igrejas são mais modernizadoras, pois utilizam sem pudor meios
tecnológicos e eletrônicos para promover uma teologia condizente com a
sociedade de consumo. Também socializariam membros de comunidades pobres e
primitivas oferecendo-lhes valores diferentes de religiões
mais"primitivas", como a umbanda e o candomblé. Aliás, esse é o
discurso de alguns pastores mais espertos que jogam seu público contra a
"magia negra", ou seja, os credos oriundos da tradição negra e
africana, ao mesmo tempo em que usam recursos de prestidigitação em que imitam
fora do contexto rituais dessas religiões.
Tenho minhas dúvidas de que as
denominações evangélicas sejam modernizadoras, no sentido de fazerem prevalecer
o simbólico em relação à concretude das ações e da troca primitiva de bem estar
por dinheiro. Ao contrário, parecem apropriar-se da linguagem alheia -- como no
caso gritante da Universal do Reino de Deus, com seu Templo de Salomão do Velho
Testamento, que veste seus pastores como se fossem rabinos do judaísmo. E, além
de usarem linguagem dos outros cultos, propõem uma espécie de despojamento
simbólico das tradições de séculos e dos significados contextuais de cada
religião. Promovem assim uma espécie de alienação regressiva e uma ostensiva
mistificação.
Se na tradição católica, por exemplo,
cada gesto de um ritual remete ao simbólico e à representação, dirigindo-se
ao pensamento humano, o que essas
religiões propõem é o esvaziamento dos símbolos de seus significados. O seu
valor passa a ser meramente utilitário. Derramam-se os conteúdos para fins
quase teatrais visando uma troca comercial. O Templo de Salomão da Universal
chega a ser kitsch porque é falso. É a cópia da cópia da cópia... Lembra um
pouco o universo de Las Vegas, onde tudo parece, mas não é.
A
guerra por territórios das igrejas evangélicas tem também uma função ideológica
e política mais ostensiva. Não só porque seus pastores não fazem a menor
cerimônia em ocupar cargos públicos, chegando alguns deles até mesmo a figurar
nas listas de presos por corrupção. Mas, sobretudo, porque cumprem, desde os
tempos da Ditadura Civil -Militar, a missão, apoiada até pela CIA, de
deslocar da cena a Igreja Católica que fez a opção pelos pobres.
Há informações seguras de historiadores
segundo os quais algumas denominações religiosas lideradas por anti-comunistas
fanáticos foram escaladas, desde os anos 70, pelas classes dominantes e
patrocinadas para iniciar o combate às pastorais operárias católicas e para conquistar
setores das classes médias.
Essas denominações incluiriam desde a seita coreana do Reverendo Moon --que
não teve nenhum sucesso em se implantar no Brasil, ainda que tenha recebido um
bom dinheiro de seus padrinhos norte-americanos-- até as igrejas pentecostais
que imitavam na TV os pastores-vendedores dos Estados Unidos. Estas tiveram e
continuam a ter sucesso, mesmo ainda existindo uma maioria de católicos
nominais no País. Pequenos empresários passaram, inclusive, a freqüentar essas
igrejas, pois com as oscilações econômicas, entram em concordata e desespero, formando verdadeiras falanges
virtuais proto-fascistas.
O conflito com outras denominações
religiosas tem se radicalizado ao ponto de os fanáticos evangélicos hoje
influírem no Congresso Nacional, onde o presidente da Câmara , Eduardo Cunha é
um protótipo desses oportunistas eleitorais que se fazem passar por
"fundamentalistas cristãos".
O problema é que, ao organizarem falanges
do fundamentalismo, chegam a provocar a violência, como houve no Rio de Janeiro
contra membros do Candomblé. Esses líderes fajutos não se limitam apenas a
fazer negócios e a levar o dinheiro dos crentes, mas constituem um sério perigo
social, político e mesmo bélico. Querem levar a guerra às ruas e seus chefes ao
poder.
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