quinta-feira, 16 de julho de 2015

GOVERNO ESQUIZOFRÊNICO?

                                  

                                                               Reinaldo Lobo*
               A metáfora da esquizofrenia tem sido usada e abusada para descrever o atual governo brasileiro. É um equívoco e um diagnóstico apressado. Em primeiro lugar, é preciso perguntar: o que se define hoje  como o governo brasileiro. Há vários, com identidades independentes. Mas há um laço de sobrevivência política que os une.
             Na esquizofrenia -- a doença mental -- existe uma cisão de personalidade de um único indivíduo. Suas partes -- é verdade-- agem isoladas umas das outras e se ignoram mutuamente . Com Brasília, não é bem assim. Há vários elementos distintos , cada um agindo de modo mais ou menos  desorganizado do seu lado.  Cada um trabalhando como se tivesse identidade, autonomia e direção própria , porém contrária aos outros.  Cada um na sua, como se diz. E uns contra os outros, só até certo ponto. No fundo, há um fio de união.
           Há um governo que se imagina de esquerda -- bem moderada, diga-se-- , relativamente acuado e sob pressão dos adversários. É representado pela figura presidencial e alguns poucos ministros de sua confiança, como José Eduardo Cardoso e Aloísio Mercadante. Na base aliada, conta com o PCdoB, e com alguns membros do PDT, do PSB e pouquíssimos independentes do PMDB. É pouco, para uma base que reúne cerca de 22 partidos.
        Um outro é de direita, encarnado por amplos setores do PMDB, sintetizados em  figuras como Kátia Abreu, da Agricultura, sem excluir o vice presidente Michel Temer. Acrescente-se aliados do PP, PR e outras legendas mais ou menos fisiológicas.  A direita se amplia até toda a base governista, onde estão personagens de alta respeitabilidade como os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha,  e do Senado, Renan Calheiros.
       Há mais um governo, terceirizado do tucanismo, figurado pelo ministro Joaquim Levy, com uma ideologia  de ultra direita na área econômica. A grande polêmica é a carta branca dada pela presidente Dilma a este governo à parte, que age com desenvoltura, desmentindo completamente a idéia de um "governo voltado para os trabalhadores" propagada e articulada pelo PT.
        Ainda há um resquício de uma virtual representação do lulismo agindo nos bastidores, apoiado nos remanescentes do PT.
       Talvez seja melhor perguntar: qual dos governos governa o Brasil hoje?
        Dilma está vivendo o drama da esquerda que optou pelo caminho democrático e deixou para trás o velho processo de radicalização revolucionária. Não oferece o socialismo, mas uma coligação de partidos e orientações ideológicas em direção a graduais avanços de  distribuição de renda.  Estão errados -- ou só de ma fé-- os que acenam com o espantalho de Cuba ou do bolivarianismo da  Venezuela. Isso é a maior bobagem que circula na imprensa brasileira. O pior é que alguns saudosistas  do socialismo real ou da opção guerrilheira entraram também nessa história.
         É preciso dizer com todas as letras de uma vez por todas: Dilma entregou a hegemonia para a direita, não por ingenuidade, mas por estratégia. Ampliou o pacto de coalizão com o empresariado , os banqueiros e os latifundiários.
        Em parte, foi para sobreviver politicamente sem a retaguarda paternal de Lula, após uma vitória apertada nas urnas e a pressão das classes médias e de vários setores populares, inclusive  trabalhadores levados pela onda de moralismo e fervor evangélico que assola o país.
       Por outro lado, em grande parte a presidente Dilma vive o "dilema grego" que afeta toda a esquerda que veio de setores mais radicais pela via democrática e teve que adotar governos de coalizão com as classes dirigentes. Por não saber agir num ambiente tipicamente negociador, oportunista, em busca de sucessivas soluções de compromisso com as forças do capitalismo mundial e nacional -- e sem um forte programa alternativo estratégico--,  essa esquerda exagera na dose da aliança e da concessão, perdendo  a mão  sobre o processo político.
     O drama de José Dirceu foi exemplar : perdeu a mão na dose de compromisso, escorregando na ilusão de imitar o "pragmatismo" da direita. Acabou por virar uma figura de lobista, maltratado até injustamente pela mídia. .Atuou na mesma "zona cinzenta da política" de que falava um ilustre filósofo tucano. Só que, ao contrário dos vários  espertos tucanos que meteram à vontade o bico na cumbuca, foi apanhado numa armadilha sem a proteção da mídia conservadora. Restou-lhe a condição de "consultor".
       A direita nacional, composta por quase todos os partidos existentes, é como aquela velha dona de bordel que conhece cada uma das fraquezas de  suas profissionais e de seus fregueses. E as explora todas com eficiência. Eduardo Cunha é a personagem símbolo dessa direita esperta. É uma dessas donas do bordel. Na verdade, a sua turma está governando mais do que os outros vários "governos", pois tem obtido cinicamente , na calada da noite, mais resultados regressivos e conservadores do que a oposição tucana bem falante e inepta.
       A direita governa o País e mantém Dilma na defensiva. Há um pacto de governabilidade envolvendo todos os partidos, inclusive a oposição -- com hegemonia da direita, sobretudo dos banqueiros. A oposição finge se opor, de olho nas eleições futuras, mas  não tem nada de louca ou de esquizofrênica . Louco é quem rasga dinheiro.


Reinaldo Lobo é psicanalista e articulista,. Tem um blog: imaginarioradical.blogspot.com


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