CRENÇAS
Os seres humanos têm o desejo básico de conhecer, dizia Aristóteles.
Com todo o respeito a Aristóteles, desconfio que as pessoas têm o desejo básico de acreditar.
sábado, 21 de novembro de 2015
quarta-feira, 18 de novembro de 2015
ATENTADO EM MARIANA
Reinaldo Lobo*
Mariana, doce nome de mulher para uma cidade.
Linda e charmosa, por sinal.Um rio de nome doce. Um vale do Rio Doce. Não mereciam
a morte e a devastação por toneladas de lama. Lama que arrastou 60 bilhões de
rejeitos de mineração de ferro por mais de 500 km ao longo da quinta maior
bacia fluvial do País, destruindo tudo pela frente, inclusive vidas humanas e
animais.
Nossa "Fukushima", dizem as gazetas
do mundo. Mas, diferente do tsunami japonês, é impossível considerar a morte
trágica do Rio Doce e dos seus arredores um simples "acidente"
natural. Foi algo além disso, pois barragens que se rompem, depois de vários avisos
de risco, são obras de seres humanos. Mais exatamente da empresa Samarco,
resultado da sociedade entre a Vale do Rio Doce e a anglo -australiana BHP
Billiton.
Se no Japão um fenômeno natural provocou
brechas em estruturas de uma usina
nuclear, vazando substâncias mortíferas, no caso de Mariana foi, ao contrário,
a ruptura das duas barragens que provocou o desastre "natural",
espalhando os rejeitos de minério pelo vale, pelo rio e
atingindo até montanhas. Os biólogos e ecologistas estimam que levará décadas,
talvez centenas de anos, para recuperar o solo da região.
Quem já visitou a pequena cidade de
Mariana, cujas construções e igrejas
foram tombadas pelo patrimônio histórico, sabem do que falo quando me refiro ao
charme e beleza de suas ruas, morros e montanhas vizinhas. Mariana foi a
primeira vila e depois capital de Minas Gerais nos tempos coloniais. Predominam
as igrejas que remontam ao século XVII e as ruas estreitas de casas igualmente
antigas, envoltas numa paisagem verde que nunca se imagina cercada de tantos
interesses econômicos e da exploração sistemática de "commodities".
A maldição das riquezas minerais parece
seguir Mariana e a região do Vale do Rio Doce. Primeiro, foi o ouro extraído em
grandes quantidades pelo portugueses e, quando foi escasseando, a decadência da
cidade tornou-se inevitável. Mais tarde, pedras e minério de ferro começaram a ser
comercializados. A cobiça pelo ouro e, agora, pelo ferro, tem feito a
prosperidade e a desgraça da região.
O que houve em Mariana foi uma brutal
violação da natureza, conseqüência de uma super-exploração econômica. Não se
refere apenas à cidade, mas ao verde de uma paisagem que era, em alguns
trechos, deslumbrante. Ocorreu um atentado contra o equilíbrio ecológico e a
morte de várias espécies de animais. Diz André Ruschi, biólogo e pesquisador de
uma das mais antigas instituições de ciência ambiental no país, a Estação de
Biologia Marinha Augusto Ruschi: "Há
espécies animais e vegetais que podemos considerar extintas a partir de hoje
(dia das explosões das duas barragens)".
O rompimento das barragens coincidiu com
o período de reprodução de várias espécies de peixes e, além disso, muitos
tipos de vegetais que eram específicos da área atingida não mais nascerão lá e
em parte alguma.
Muita gente não faz idéia da delicadeza
do equilíbrio da natureza e intervém nela de modo abusivo. O Brasil já virou
cenário de destruição em vários pontos do Centro-Oeste, do Nordeste e na
Amazônia, mas agora foi atingido no coração de Minas Gerais. "É o maior
desastre ambiental da história do País" , comentou o cientista Ruschi.
A quantidade de lama despejada foi
calculada como o equivalente a 24 mil piscinas olímpicas, com a agravante de
ter espalhado material erosivo nos resíduos.
O mais curioso é que os políticos mineiros
e a grande imprensa procuraram, no início, minimizar o evento, praticamente
reduzindo-o a uma entre muitas catástrofes "naturais" que podem
ocorrer, ainda que "lamentável". Em primeiro lugar, a empresa
Samarco, responsável pelas barragens, procurou desviar a atenção para possíveis
tremores de terra de pequena escala que teriam ocorrido naquele dia. Inúmeros
cientistas descartaram essa possibilidade como causa provável.
Houve um político, Aécio Neves, que se
apressou em dizer :"Não é hora de buscar culpados". Se não era a
hora, quando? Quem vai punir os culpados por tamanha perda ambiental e pelas
vítimas humanas, que incluem mortos,
feridos e dezenas de "desaparecidos"?
Uma reação interessante foi a do
fotógrafo mineiro Sebastião Salgado, figura mundialmente conhecida pelas suas
brilhantes fotos de situações sociais e humanas. Criado na região, propôs que
se iniciem logo as obras de recuperação, levando um projeto para a presidência
da República. Nele, preconiza a responsabilização da Samarco, da Vale do Rio
Doce e da BHP Billiton, e o ressarcimento da região e da população na forma de
recuperação ecológica e investimentos reparadores.
Uma lição inevitável a ser extraída da
violação da doce Mariana e do assassinato do Rio Doce só pode ser a
conscientização política do nosso povo, no sentido de criar definitivamente uma
verdadeira resistência ambiental e uma agenda ecológica severa contra a
voracidade do Capital.
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
PAIXÃO DE FACEBOOK
Reinaldo Lobo*
Muitas pessoas se conhecem pelas redes
sociais, via internet ou telefone
celular. Algumas, não se sabe quantas, apaixonam-se, amam, traem os (as)
parceiros (as), têm algum sexo masturbatório, "relações sexuais", namoram, divorciam-se ou casam com alguém que viram
pela primeira vez ou reencontraram assim.
É preciso achar um "culpado"
por isso? Uma única causa determina essas situações? Parece que sim.
A "culpa" é da tecnologia, dizem os
afoitos! Ela aproximou de tal modo as imagens e a comunicação entre as pessoas,
que se tornou quase inevitável a
intimidade, a exposição mútua, a expressão de emoções e dos tons de cinza.
Amizades também se constroem a partir do virtual, mas essas não incomodam
tanto.
Há verdade nisso tudo, mas não toda e nem
a definitiva.
Quanto menos se entende como um aparelho
funciona, mais misterioso e mágico parece. A técnica por trás de um computador
ou de um celular só é conhecida por quem se dedicou ao assunto e, mesmo esses,
tendem a divinizá-la ou atribuir-lhe poderes demoníacos. Imaginem o impacto que
os primeiros humanos sofreram com a descoberta do fogo. Há toda uma história de
significados e até uma psicanálise em torno do fogo e de seus milagres
incríveis.
Com
as redes sociais e seu funcionamento acontece hoje a mesma coisa. Os
"experts", às vezes, as idolatram e enxergam nelas possibilidades
infinitas. Os moralistas, os religiosos e os ideólogos da modernidade as
demonizam e as acusam de incrementar os divórcios e a pornografia.
O "meio é a mensagem", dizia o
célebre Marshall McLulhan, radicalizando a importância dos meios de
comunicação. Isto é, os meios condicionam o conteúdo. Há um exagero na afirmação, ainda que se
baseie na idéia interessante de que a mídia é uma extensão do sujeito humano,
sobretudo do seu corpo. A frase do
teórico canadense implicava em criar um fetiche da técnica,
atribuindo-lhe um significado moral e estimulando a "tecnofobia".
O medo da tecnologia -- por exemplo, a
ojeriza ao computador ou ao telefone celular -- é uma doença contemporânea tão
alastrada quanto o seu contrário, a adesão cega. A tecnofobia se manifesta por
meio dos seus sintomas, inclusive o da condenação moral.
As crianças são automaticamente advertidas
por seu interesse lúdico, vigiadas e
admoestadas quanto ao seu uso, ainda que o único problema real seria o excesso,
o perigo de sedução dos pedófilos e o abuso. Quando não estão apenas
trabalhando, os adultos são suspeitos de perderem tempo em namoricos, flertes e
por seu vício pela pornografia.
É impossível falar da tecnofobia sem
lembrar a observação citada pelo falecido filósofo Gérard Lebrun , segundo a
qual nossa época parece ter invertido as perguntas de Kant sobre o que podemos
querer e o que devemos fazer, mas as substituiu pelas indagações "o que
precisamos temer?" e "o que devemos proibir?".
Vivemos num tempo de muitos medos, inclusive o medo da
tecnologia.
É verdade que o computador facilitou a
comunicação íntima e, ao mesmo tempo, a distância entre as pessoas. O advento da internet
possibilitou a criação das "salas de bate-papo". Foi criado um novo modo de intimidade, sempre
com o risco da exposição excessiva. É um tanto artificial, na verdade, mas não
deixa de ser uma forma interessante de expressão.
Reforça o narcisismo e o exibicionismo?
Não. Apenas os veicula. Quem quiser se exibir , pode. Quem tiver mais
recato, vergonha ou timidez-- que também
são um sentimentos narcísicos--, consegue
se preservar. Há também uma experiência de pertinência e de reconhecimento nos
processos de resposta do outro, como o "like" ou os comentários
favoráveis.
A paixão de Facebook é facilitada, mas não
provocada. E começa pela possibilidade de idealização que não depende só do que
é oferecido pelo meio. As pessoas
aparecem felizes, em fotos selecionadas, bonitas e ativas, narrando suas próprias vidas e histórias, mas
isso sempre foi assim no contato humano de superfície ou inicial.
Só o preconceito contra o "narcisismo
de vida", como se fosse "de morte" (expressões de André Green),
poderia colar na mídia, antropormoficamente, o que é constituído pela subjetividade humana.
O computador não é em si mesmo um objeto narcísico, mas pode ser assim utilizado,
quando sentido como uma extensão do próprio sujeito ou de seu corpo.
A imagem projetada na tela, vista pelo
outro, pode gerar uma proximidade e intimidade inicialmente artificiais, que
vão depender, em cada caso, do seu progresso e da sinceridade dos
participantes. Pessoas comuns, assim como as "celebridades", podem
estar juntas no Facebook, dando uma impressão de inclusão num meio especial,
seleto e agradável.
Os namoros de Facebook podem ser perigosos
quando os participantes acreditam de um
modo especial na Coisa Real. E, " acreditando", podem se
comportar "como se" ela existisse. São as vicissitudes do que os
psicanalistas chamam de "alucinação normal" ou "transformação em
alucinose", mas que prefiro denominar de ilusão -- como aquela que
o bebê vivencia, òbviamente sem o saber, ao criar o seio da mãe no próprio
momento de encontrá-lo efetivamente no mundo, ou como a que experimentamos
geralmente na esperança e no amor.
Os que censuram, reprovam e criticam a
paixão de Facebook tendem a crer -- como diz o inglês Adam Phillips-- que "existe
um Eu que , por definição, não é
enganoso".
Os amores no Facebook são promessas de
salvação, de beleza, busca de uma "segunda chance" e de surpresas. Às
vezes, conseguem ser mais do que promessas, promissores. Nesses casos (e sempre deve-se lembrar que
cada caso é um caso à parte), é porque a idealização foi substituída pela
experiência efetiva-- "presencial", como se diz--, sem cair no
demérito e no desprezo pela pessoa que foi inicialmente idealizada.
Alguns casamentos razoáveis surgiram de
situações assim, mas essas também não foram "culpa" -- nem mérito--
da mídia. Foram apenas o encontro da esperança de duas pessoas com alguma
capacidade de se preocupar e de amadurecer.
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