Reinaldo Lobo*
Muitas pessoas se conhecem pelas redes
sociais, via internet ou telefone
celular. Algumas, não se sabe quantas, apaixonam-se, amam, traem os (as)
parceiros (as), têm algum sexo masturbatório, "relações sexuais", namoram, divorciam-se ou casam com alguém que viram
pela primeira vez ou reencontraram assim.
É preciso achar um "culpado"
por isso? Uma única causa determina essas situações? Parece que sim.
A "culpa" é da tecnologia, dizem os
afoitos! Ela aproximou de tal modo as imagens e a comunicação entre as pessoas,
que se tornou quase inevitável a
intimidade, a exposição mútua, a expressão de emoções e dos tons de cinza.
Amizades também se constroem a partir do virtual, mas essas não incomodam
tanto.
Há verdade nisso tudo, mas não toda e nem
a definitiva.
Quanto menos se entende como um aparelho
funciona, mais misterioso e mágico parece. A técnica por trás de um computador
ou de um celular só é conhecida por quem se dedicou ao assunto e, mesmo esses,
tendem a divinizá-la ou atribuir-lhe poderes demoníacos. Imaginem o impacto que
os primeiros humanos sofreram com a descoberta do fogo. Há toda uma história de
significados e até uma psicanálise em torno do fogo e de seus milagres
incríveis.
Com
as redes sociais e seu funcionamento acontece hoje a mesma coisa. Os
"experts", às vezes, as idolatram e enxergam nelas possibilidades
infinitas. Os moralistas, os religiosos e os ideólogos da modernidade as
demonizam e as acusam de incrementar os divórcios e a pornografia.
O "meio é a mensagem", dizia o
célebre Marshall McLulhan, radicalizando a importância dos meios de
comunicação. Isto é, os meios condicionam o conteúdo. Há um exagero na afirmação, ainda que se
baseie na idéia interessante de que a mídia é uma extensão do sujeito humano,
sobretudo do seu corpo. A frase do
teórico canadense implicava em criar um fetiche da técnica,
atribuindo-lhe um significado moral e estimulando a "tecnofobia".
O medo da tecnologia -- por exemplo, a
ojeriza ao computador ou ao telefone celular -- é uma doença contemporânea tão
alastrada quanto o seu contrário, a adesão cega. A tecnofobia se manifesta por
meio dos seus sintomas, inclusive o da condenação moral.
As crianças são automaticamente advertidas
por seu interesse lúdico, vigiadas e
admoestadas quanto ao seu uso, ainda que o único problema real seria o excesso,
o perigo de sedução dos pedófilos e o abuso. Quando não estão apenas
trabalhando, os adultos são suspeitos de perderem tempo em namoricos, flertes e
por seu vício pela pornografia.
É impossível falar da tecnofobia sem
lembrar a observação citada pelo falecido filósofo Gérard Lebrun , segundo a
qual nossa época parece ter invertido as perguntas de Kant sobre o que podemos
querer e o que devemos fazer, mas as substituiu pelas indagações "o que
precisamos temer?" e "o que devemos proibir?".
Vivemos num tempo de muitos medos, inclusive o medo da
tecnologia.
É verdade que o computador facilitou a
comunicação íntima e, ao mesmo tempo, a distância entre as pessoas. O advento da internet
possibilitou a criação das "salas de bate-papo". Foi criado um novo modo de intimidade, sempre
com o risco da exposição excessiva. É um tanto artificial, na verdade, mas não
deixa de ser uma forma interessante de expressão.
Reforça o narcisismo e o exibicionismo?
Não. Apenas os veicula. Quem quiser se exibir , pode. Quem tiver mais
recato, vergonha ou timidez-- que também
são um sentimentos narcísicos--, consegue
se preservar. Há também uma experiência de pertinência e de reconhecimento nos
processos de resposta do outro, como o "like" ou os comentários
favoráveis.
A paixão de Facebook é facilitada, mas não
provocada. E começa pela possibilidade de idealização que não depende só do que
é oferecido pelo meio. As pessoas
aparecem felizes, em fotos selecionadas, bonitas e ativas, narrando suas próprias vidas e histórias, mas
isso sempre foi assim no contato humano de superfície ou inicial.
Só o preconceito contra o "narcisismo
de vida", como se fosse "de morte" (expressões de André Green),
poderia colar na mídia, antropormoficamente, o que é constituído pela subjetividade humana.
O computador não é em si mesmo um objeto narcísico, mas pode ser assim utilizado,
quando sentido como uma extensão do próprio sujeito ou de seu corpo.
A imagem projetada na tela, vista pelo
outro, pode gerar uma proximidade e intimidade inicialmente artificiais, que
vão depender, em cada caso, do seu progresso e da sinceridade dos
participantes. Pessoas comuns, assim como as "celebridades", podem
estar juntas no Facebook, dando uma impressão de inclusão num meio especial,
seleto e agradável.
Os namoros de Facebook podem ser perigosos
quando os participantes acreditam de um
modo especial na Coisa Real. E, " acreditando", podem se
comportar "como se" ela existisse. São as vicissitudes do que os
psicanalistas chamam de "alucinação normal" ou "transformação em
alucinose", mas que prefiro denominar de ilusão -- como aquela que
o bebê vivencia, òbviamente sem o saber, ao criar o seio da mãe no próprio
momento de encontrá-lo efetivamente no mundo, ou como a que experimentamos
geralmente na esperança e no amor.
Os que censuram, reprovam e criticam a
paixão de Facebook tendem a crer -- como diz o inglês Adam Phillips-- que "existe
um Eu que , por definição, não é
enganoso".
Os amores no Facebook são promessas de
salvação, de beleza, busca de uma "segunda chance" e de surpresas. Às
vezes, conseguem ser mais do que promessas, promissores. Nesses casos (e sempre deve-se lembrar que
cada caso é um caso à parte), é porque a idealização foi substituída pela
experiência efetiva-- "presencial", como se diz--, sem cair no
demérito e no desprezo pela pessoa que foi inicialmente idealizada.
Alguns casamentos razoáveis surgiram de
situações assim, mas essas também não foram "culpa" -- nem mérito--
da mídia. Foram apenas o encontro da esperança de duas pessoas com alguma
capacidade de se preocupar e de amadurecer.
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