quarta-feira, 4 de novembro de 2015

PAIXÃO DE FACEBOOK

                                     
                                                                       Reinaldo Lobo*

        Muitas pessoas se conhecem pelas redes sociais, via internet ou telefone  celular. Algumas, não se sabe quantas, apaixonam-se, amam, traem os (as) parceiros (as), têm algum sexo masturbatório, "relações sexuais", namoram,   divorciam-se ou casam com alguém que viram pela primeira vez ou reencontraram assim.
      É preciso achar um "culpado" por isso? Uma única causa determina essas situações? Parece que sim.
       A "culpa" é da tecnologia, dizem os afoitos! Ela aproximou de tal modo as imagens e a comunicação entre as pessoas,  que se tornou quase inevitável a intimidade, a exposição mútua, a expressão de emoções e dos tons de cinza. Amizades também se constroem a partir do virtual, mas essas não incomodam tanto.
      Há verdade nisso tudo, mas não toda e nem a definitiva.
      Quanto menos se entende como um aparelho funciona, mais misterioso e mágico parece. A técnica por trás de um computador ou de um celular só é conhecida por quem se dedicou ao assunto e, mesmo esses, tendem a divinizá-la ou atribuir-lhe poderes demoníacos. Imaginem o impacto que os primeiros humanos sofreram com a descoberta do fogo. Há toda uma história de significados e até uma psicanálise em torno do fogo e de seus milagres incríveis.
      Com as redes sociais e seu funcionamento acontece hoje a mesma coisa. Os "experts", às vezes, as idolatram e enxergam nelas possibilidades infinitas. Os moralistas, os religiosos e os ideólogos da modernidade as demonizam e as acusam de incrementar os divórcios e a pornografia. 
     O "meio é a mensagem", dizia o célebre Marshall McLulhan, radicalizando a importância dos meios de comunicação. Isto é, os meios condicionam o conteúdo.  Há um exagero na afirmação, ainda que se baseie na idéia interessante de que a mídia é uma extensão do sujeito humano, sobretudo do seu corpo. A frase do  teórico canadense implicava em criar um fetiche da técnica, atribuindo-lhe um significado moral e estimulando a "tecnofobia".
    O medo da tecnologia -- por exemplo, a ojeriza ao computador ou ao telefone celular -- é uma doença contemporânea tão alastrada quanto o seu contrário, a adesão cega. A tecnofobia se manifesta por meio dos  seus sintomas, inclusive o  da condenação moral.
      As crianças são automaticamente advertidas por seu interesse lúdico, vigiadas  e admoestadas quanto ao seu uso, ainda que o único problema real seria o excesso, o perigo de sedução dos pedófilos e o abuso. Quando não estão apenas trabalhando, os adultos são suspeitos de perderem tempo em namoricos, flertes e por seu vício pela pornografia.
      É impossível falar da tecnofobia sem lembrar a observação citada pelo falecido filósofo Gérard Lebrun , segundo a qual nossa época parece ter invertido as perguntas de Kant sobre o que podemos querer e o que devemos fazer, mas as substituiu pelas indagações "o que precisamos temer?" e "o que devemos proibir?".
    Vivemos num tempo  de muitos medos, inclusive o medo da tecnologia.
    É verdade que o computador facilitou a comunicação íntima e, ao mesmo tempo, a distância  entre as pessoas. O advento da internet possibilitou a criação das "salas de bate-papo".  Foi criado um novo modo de intimidade, sempre com o risco da exposição excessiva. É um tanto artificial, na verdade, mas não deixa de ser uma forma interessante de expressão.
    Reforça o narcisismo e o exibicionismo? Não. Apenas os veicula. Quem quiser se exibir , pode. Quem tiver mais recato,  vergonha ou timidez-- que também são  um sentimentos narcísicos--, consegue se preservar. Há também uma experiência de pertinência e de reconhecimento nos processos de resposta do outro, como o "like" ou os comentários favoráveis.
     A paixão de Facebook é facilitada, mas não provocada. E começa pela possibilidade de idealização que não depende só do que é  oferecido pelo meio. As pessoas aparecem felizes, em fotos selecionadas, bonitas e ativas,  narrando suas próprias vidas e histórias, mas isso sempre foi assim no contato humano de superfície ou inicial.
    Só o preconceito contra o "narcisismo de vida", como se fosse "de morte" (expressões de André Green), poderia colar na mídia, antropormoficamente,  o que é constituído pela subjetividade humana. O computador não é em si mesmo um objeto narcísico, mas pode ser assim utilizado, quando sentido como uma extensão do próprio sujeito ou de seu corpo.
     A imagem projetada na tela, vista pelo outro, pode gerar uma proximidade e intimidade inicialmente artificiais, que vão depender, em cada caso, do seu progresso e da sinceridade dos participantes. Pessoas comuns, assim como as "celebridades", podem estar juntas no Facebook, dando uma impressão de inclusão num meio especial, seleto e agradável.
     Os namoros de Facebook podem ser perigosos quando os participantes  acreditam de um modo especial na Coisa Real. E, " acreditando", podem se comportar "como se" ela existisse. São as vicissitudes do que os psicanalistas chamam de "alucinação normal" ou "transformação em alucinose", mas que prefiro denominar de ilusão -- como aquela que o bebê vivencia, òbviamente sem o saber, ao criar o seio da mãe no próprio momento de encontrá-lo efetivamente no mundo, ou como a que experimentamos geralmente na esperança e no amor.
     Os que censuram, reprovam e criticam a paixão de Facebook tendem a crer -- como diz o inglês Adam Phillips-- que "existe um Eu que , por definição,  não é enganoso".
      Os amores no Facebook são promessas de salvação, de beleza, busca de uma "segunda chance" e de surpresas. Às vezes, conseguem ser mais do que promessas, promissores.  Nesses casos (e sempre deve-se lembrar que cada caso é um caso à parte), é porque a idealização foi substituída pela experiência efetiva-- "presencial", como se diz--, sem cair no demérito e no desprezo pela pessoa que foi inicialmente idealizada.
     Alguns casamentos razoáveis surgiram de situações assim, mas essas também não foram "culpa" -- nem mérito-- da mídia. Foram apenas o encontro da esperança de duas pessoas com alguma capacidade de se preocupar e de amadurecer.

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