quarta-feira, 18 de novembro de 2015

ATENTADO EM MARIANA


                                                           Reinaldo Lobo*

      Mariana, doce nome de mulher para uma cidade. Linda e charmosa, por sinal.Um rio de nome doce. Um vale do Rio Doce. Não mereciam a morte e a devastação por toneladas de lama. Lama que arrastou 60 bilhões de rejeitos de mineração de ferro por mais de 500 km ao longo da quinta maior bacia fluvial do País, destruindo tudo pela frente, inclusive vidas humanas e animais.
     Nossa "Fukushima", dizem as gazetas do mundo. Mas, diferente do tsunami japonês, é impossível considerar a morte trágica do Rio Doce e dos seus arredores um simples "acidente" natural. Foi algo além disso, pois barragens que se rompem, depois de vários avisos de risco, são obras de seres humanos. Mais exatamente da empresa Samarco, resultado da sociedade entre a Vale do Rio Doce e a anglo -australiana BHP Billiton.
     Se no Japão um fenômeno natural provocou brechas em  estruturas de uma usina nuclear, vazando substâncias mortíferas, no caso de Mariana foi, ao contrário, a ruptura das duas barragens que provocou o desastre "natural", espalhando os rejeitos de minério pelo vale, pelo  rio  e atingindo até montanhas. Os biólogos e ecologistas estimam que levará décadas, talvez centenas de anos, para recuperar o solo da região.
     Quem já visitou a pequena cidade de Mariana, cujas construções e  igrejas foram tombadas pelo patrimônio histórico, sabem do que falo quando me refiro ao charme e beleza de suas ruas, morros e montanhas vizinhas. Mariana foi a primeira vila e depois capital de Minas Gerais nos tempos coloniais. Predominam as igrejas que remontam ao século XVII e as ruas estreitas de casas igualmente antigas, envoltas numa paisagem verde que nunca se imagina cercada de tantos interesses econômicos e da exploração sistemática de "commodities". 
     A maldição das riquezas minerais parece seguir Mariana e a região do Vale do Rio Doce. Primeiro, foi o ouro extraído em grandes quantidades pelo portugueses e, quando foi escasseando, a decadência da cidade tornou-se inevitável. Mais tarde, pedras e minério de ferro começaram a ser comercializados. A cobiça pelo ouro e, agora, pelo ferro, tem feito a prosperidade e a desgraça da região.
      O que houve em Mariana foi uma brutal violação da natureza, conseqüência de uma super-exploração econômica. Não se refere apenas à cidade, mas ao verde de uma paisagem que era, em alguns trechos, deslumbrante. Ocorreu um atentado contra o equilíbrio ecológico e a morte de várias espécies de animais. Diz André Ruschi, biólogo e pesquisador de uma das mais antigas instituições de ciência ambiental no país, a Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi:  "Há espécies animais e vegetais que podemos considerar extintas a partir de hoje (dia das explosões das duas barragens)".
       O rompimento das barragens coincidiu com o período de reprodução de várias espécies de peixes e, além disso, muitos tipos de vegetais que eram específicos da área atingida não mais nascerão lá e em parte alguma.
      Muita gente não faz idéia da delicadeza do equilíbrio da natureza e intervém nela de modo abusivo. O Brasil já virou cenário de destruição em vários pontos do Centro-Oeste, do Nordeste e na Amazônia, mas agora foi atingido no coração de Minas Gerais. "É o maior desastre ambiental da história do País" , comentou o cientista Ruschi.
      A quantidade de lama despejada foi calculada como o equivalente a 24 mil piscinas olímpicas, com a agravante de ter espalhado material erosivo nos resíduos.
     O mais curioso é que os políticos mineiros e a grande imprensa procuraram, no início, minimizar o evento, praticamente reduzindo-o a uma entre muitas catástrofes "naturais" que podem ocorrer, ainda que "lamentável". Em primeiro lugar, a empresa Samarco, responsável pelas barragens, procurou desviar a atenção para possíveis tremores de terra de pequena escala que teriam ocorrido naquele dia. Inúmeros cientistas descartaram essa possibilidade como causa provável.
     Houve um político, Aécio Neves, que se apressou em dizer :"Não é hora de buscar culpados". Se não era a hora, quando? Quem vai punir os culpados por tamanha perda ambiental e pelas vítimas humanas,  que incluem mortos, feridos e dezenas de "desaparecidos"?
      Uma reação interessante foi a do fotógrafo mineiro Sebastião Salgado, figura mundialmente conhecida pelas suas brilhantes fotos de situações sociais e humanas. Criado na região, propôs que se iniciem logo as obras de recuperação, levando um projeto para a presidência da República. Nele, preconiza a responsabilização da Samarco, da Vale do Rio Doce e da BHP Billiton, e o ressarcimento da região e da população na forma de recuperação ecológica e investimentos reparadores.

      Uma lição inevitável a ser extraída da violação da doce Mariana e do assassinato do Rio Doce só pode ser a conscientização política do nosso povo, no sentido de criar definitivamente uma verdadeira resistência ambiental e uma agenda ecológica severa contra a voracidade  do Capital.

Um comentário:

  1. Eu também achei interessante a reação do fotografo Sebastião Salgadoi. Solicitei informações no site do Instituto Terra, mas até agora nao deram nenhum retorno. Sou da região do entorno do Parque Estadual do Rio Doce, area de amortecimento lado esquerdo do Rio, e gostaria de conhecer o projeto.

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