Reinaldo Lobo*
Mariana, doce nome de mulher para uma cidade.
Linda e charmosa, por sinal.Um rio de nome doce. Um vale do Rio Doce. Não mereciam
a morte e a devastação por toneladas de lama. Lama que arrastou 60 bilhões de
rejeitos de mineração de ferro por mais de 500 km ao longo da quinta maior
bacia fluvial do País, destruindo tudo pela frente, inclusive vidas humanas e
animais.
Nossa "Fukushima", dizem as gazetas
do mundo. Mas, diferente do tsunami japonês, é impossível considerar a morte
trágica do Rio Doce e dos seus arredores um simples "acidente"
natural. Foi algo além disso, pois barragens que se rompem, depois de vários avisos
de risco, são obras de seres humanos. Mais exatamente da empresa Samarco,
resultado da sociedade entre a Vale do Rio Doce e a anglo -australiana BHP
Billiton.
Se no Japão um fenômeno natural provocou
brechas em estruturas de uma usina
nuclear, vazando substâncias mortíferas, no caso de Mariana foi, ao contrário,
a ruptura das duas barragens que provocou o desastre "natural",
espalhando os rejeitos de minério pelo vale, pelo rio e
atingindo até montanhas. Os biólogos e ecologistas estimam que levará décadas,
talvez centenas de anos, para recuperar o solo da região.
Quem já visitou a pequena cidade de
Mariana, cujas construções e igrejas
foram tombadas pelo patrimônio histórico, sabem do que falo quando me refiro ao
charme e beleza de suas ruas, morros e montanhas vizinhas. Mariana foi a
primeira vila e depois capital de Minas Gerais nos tempos coloniais. Predominam
as igrejas que remontam ao século XVII e as ruas estreitas de casas igualmente
antigas, envoltas numa paisagem verde que nunca se imagina cercada de tantos
interesses econômicos e da exploração sistemática de "commodities".
A maldição das riquezas minerais parece
seguir Mariana e a região do Vale do Rio Doce. Primeiro, foi o ouro extraído em
grandes quantidades pelo portugueses e, quando foi escasseando, a decadência da
cidade tornou-se inevitável. Mais tarde, pedras e minério de ferro começaram a ser
comercializados. A cobiça pelo ouro e, agora, pelo ferro, tem feito a
prosperidade e a desgraça da região.
O que houve em Mariana foi uma brutal
violação da natureza, conseqüência de uma super-exploração econômica. Não se
refere apenas à cidade, mas ao verde de uma paisagem que era, em alguns
trechos, deslumbrante. Ocorreu um atentado contra o equilíbrio ecológico e a
morte de várias espécies de animais. Diz André Ruschi, biólogo e pesquisador de
uma das mais antigas instituições de ciência ambiental no país, a Estação de
Biologia Marinha Augusto Ruschi: "Há
espécies animais e vegetais que podemos considerar extintas a partir de hoje
(dia das explosões das duas barragens)".
O rompimento das barragens coincidiu com
o período de reprodução de várias espécies de peixes e, além disso, muitos
tipos de vegetais que eram específicos da área atingida não mais nascerão lá e
em parte alguma.
Muita gente não faz idéia da delicadeza
do equilíbrio da natureza e intervém nela de modo abusivo. O Brasil já virou
cenário de destruição em vários pontos do Centro-Oeste, do Nordeste e na
Amazônia, mas agora foi atingido no coração de Minas Gerais. "É o maior
desastre ambiental da história do País" , comentou o cientista Ruschi.
A quantidade de lama despejada foi
calculada como o equivalente a 24 mil piscinas olímpicas, com a agravante de
ter espalhado material erosivo nos resíduos.
O mais curioso é que os políticos mineiros
e a grande imprensa procuraram, no início, minimizar o evento, praticamente
reduzindo-o a uma entre muitas catástrofes "naturais" que podem
ocorrer, ainda que "lamentável". Em primeiro lugar, a empresa
Samarco, responsável pelas barragens, procurou desviar a atenção para possíveis
tremores de terra de pequena escala que teriam ocorrido naquele dia. Inúmeros
cientistas descartaram essa possibilidade como causa provável.
Houve um político, Aécio Neves, que se
apressou em dizer :"Não é hora de buscar culpados". Se não era a
hora, quando? Quem vai punir os culpados por tamanha perda ambiental e pelas
vítimas humanas, que incluem mortos,
feridos e dezenas de "desaparecidos"?
Uma reação interessante foi a do
fotógrafo mineiro Sebastião Salgado, figura mundialmente conhecida pelas suas
brilhantes fotos de situações sociais e humanas. Criado na região, propôs que
se iniciem logo as obras de recuperação, levando um projeto para a presidência
da República. Nele, preconiza a responsabilização da Samarco, da Vale do Rio
Doce e da BHP Billiton, e o ressarcimento da região e da população na forma de
recuperação ecológica e investimentos reparadores.
Uma lição inevitável a ser extraída da
violação da doce Mariana e do assassinato do Rio Doce só pode ser a
conscientização política do nosso povo, no sentido de criar definitivamente uma
verdadeira resistência ambiental e uma agenda ecológica severa contra a
voracidade do Capital.
Eu também achei interessante a reação do fotografo Sebastião Salgadoi. Solicitei informações no site do Instituto Terra, mas até agora nao deram nenhum retorno. Sou da região do entorno do Parque Estadual do Rio Doce, area de amortecimento lado esquerdo do Rio, e gostaria de conhecer o projeto.
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