Reinaldo Lobo
O pensamento conservador namorou o
autoritarismo fascista durante o século XX. Agora também. Mas é mais um flerte
distraído, um jogo cheio de disfarces. A direita está pop e se pretende
pós-moderna, faz-se passar por democrática, mas seus argumentos, seus truques
dialéticos expressam o fundo de sua ideologia, sempre o mesmo.
O truque mais frequente é parecer que
representa as Luzes contra a escuridão da barbárie. Todos os que não
compartilham suas doutrinas estão mancomunados com o terrorismo muçulmano ou
com o totalitarismo que afundou com a União Soviética. Os mesmos intelectuais
que justificam as ditaduras militares dos anos 60/70/80 na América Latina, hoje
denunciam qualquer elevação de impostos ou medida estatal como “totalitária”.
O
pensamento conservador quer passar por tolerante e chama as cotas para o
resgate da opressão racista de...racismo ao contrário. A defesa do meio
ambiente, a ecologia, o feminismo, o ensino de Marx ou de Foucault nas escolas
são formas de controle, de constrangimento das mentes e tecnologia de imposição
de valores à sociedade.
Alguns intelectuais que nunca protestaram
contra a proibição de livros “subversivos”, a expulsão de professores de suas
escolas, a tortura e a morte de estudantes sob o autoritarismo, são os atuais
paladinos do “livre pensar”.
Não enganam ninguém. O seu pensamento
revela cinismo. Seus ídolos são os filósofos mais pessimistas, como Cioran, e
“pós modernos”, como John Gray, para os quais a “natureza humana” é uma causa
perdida e não existiria o progresso histórico. Não se dão ao trabalho sequer de
reivindicar Hobbes, cuja obra é mais complexa do que parece aos ideólogos desse
tipo e que já foi usada no passado, contudo, para justificar o poder
discricionário do Estado.
Para os conservadores, a “natureza humana”
--se é que isso existe--, é invariavelmente egoísta, violenta, incapaz de
incluir o outro, belicista, entregue a impulsos inconfessáveis e assassinos. Os
ideólogos nazistas tinham essa visão negativa, daí idealizarem um “guerreiro”
que subjugaria os perdedores dessa luta sem trégua pela supremacia. O modelo de
ser humano desses pessimistas é o do individualista sedento por lucro,
preocupado com a competição e o sucesso. O resto é “utopia”.
Poderão perguntar: Freud não pensava
assim? Não. A psicanálise não pode ser usada nesse sentido unidimensional e
redutor, por ignorância ou deformação. Freud falava de conflitos
subjacentes aos seres humanos, de amor, de ódio, de gula e contenção, de
narcisismo e social-ismo, que não se resolveriam numa só direção e nem
se limitariam a uma expressão automática de uma “natureza humana” caricatural.
Quando esses ideólogos citam Freud e a
psicanálise em geral é para mutilá-la em benefício da manutenção de um esquema
que se pretende baseado na rivalidade e competição. A figura humana que traçam
é a de um indivíduo cobiçoso e invejoso, frequentemente projetada fora e
identificada com o adversário, isto é, com aquele que critica o capitalismo.
O sonho do operário tem de ser
invariavelmente o de se tornar um capitalista. E um socialista seria, na melhor
hipótese, um iludido e, na pior, um candidato a ganhar dinheiro e poder.
O pensamento conservador vê a sociedade
organizada apenas por idéias e qualidades abstratas. Assim, quando alguém
propõe uma crítica da própria sociedade é porque quer controlá-la ou
destruí-la. Não é por acaso que fascistas e totalitários em geral queimam e
proíbem livros. Acreditam que neles está tudo o que determina a vida social e
política. Com esse fetiche das idéias, homenageiam involuntariamente os
autores. É que desprezam a prática e não enxergam nada no trabalho, na vida material e na estrutura econômica de uma
sociedade que possa ser basicamente determinante.
Os conservadores atuais são contra qualquer
controle legal ou moral das ações que possam ferir a natureza ou mesmo os seres
humanos. Impedir a discriminação, por exemplo, seria para eles, uma forma
impositiva de atitude controladora. Impedir pela lei que os homens batam nas
mulheres ou que homossexuais sejam ameaçados, constituiria uma forma de
totalitarismo e de intolerância.
Essa inversão dialética proposta pelos
conservadores ignora que a democracia, desde a Grécia antiga, é o regime da
limitação. Regula e limita o poder, as instâncias e as ações. Democracia
significa autogoverno e este impõe a si mesmo limites. É por isso que a direita
não entende que é preciso impedir a liberalidade de bater numa mulher ou de
escravizar alguém mais frágil, seja por raça, nacionalidade ou circunstância.
O filósofo Cioran sugeria que não há
determinações livres de contingências, isto é, azares do acaso, mas é possível
perguntar: alguém pode ser humilhado, preso ou torturado pela contingência de
ter nascido com a cor, a religião ou a sexualidade errada?
A democracia exige no mínimo, se não uma
moral particular, o respeito público à lei.
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