Reinaldo Lobo*
Imagine
seus filhos ou netos sendo obrigados a ler na escola “manuais de filosofia” de
autoria do astrólogo Olavo de Carvalho, livros “de história” do professor Marco
Antônio Villa, aquele que declarou não ter havido propriamente uma ditadura no
Brasil, exceto “por um curto período”, ou, ainda, levados a estudar geografia
política apenas com o ideólogo Demétrio Magnoli, que considera uma “formação de
quadrilha” um protesto democrático assumido publicamente por respeitados
historiadores.
Para
completar, imagine filhos ou netos obrigados a ter aulas de religião e leituras
bíblicas das Igrejas evangélicas, além de rezar para expurgar o Capeta antes
das aulas da manhã, da tarde e da noite.
Se você concorda com esse cenário, gosta
desse tipo de educação ou dos três exemplares de intelectuais citados, talvez
fique tranquilo e julgue que seus filhos e netos estariam no melhor dos mundos
possíveis. Pergunta inevitável: isso não seria escola partidária, doutrinária,
monolítica e totalitária de direita?
“Extirpar
a mentalidade petista”, como quer o ilustre sociólogo Bolívar Lamounier, seja por
decreto ou qualquer outro meio, inclusive o educacional, seria o protótipo do
programa totalitário, pois não?
Essa teoria da “escola partidária”,
atribuída ao bode expiatório petista, é o pretexto idealizado para introduzir o
ovo da serpente autoritária na nossa educação republicana, ainda leiga e
democrática. Os que defendem essa teoria confundem pedagogia com doutrinação.
Atribuem essa confusão aos adversários.
Até prova em contrário, seria puro
fascismo impor essa educação de pensamento único à nossa cultura pluralista, na
qual os educadores podem até hoje expor livremente suas ideias e mesmo disputar
qual tem a melhor delas, sem deter a hegemonia absoluta.
O projeto da “Escola Sem Partido”, de
autoria do senador Magno Malta, pastor de Igreja Evangélica envolvido em vários
casos suspeitos de corrupção, é mais uma tentativa estúpida de burlar o Estado
Laico. Esse senador faz parte do grupo que tem proposto mudar a constituição
onde ela diz “todo poder emana do povo” para “todo poder emana de Deus”
O mais grave é que tenha o beneplácito de
muitos que se consideram sinceramente “liberais” ou da “direita civilizada”.
Não deixa de ser um paradoxo curioso que liberais patrocinem uma proposta que
ofende a ideia de livre concorrência (no caso, de ideias) e que reclamem que a
esquerda tem vencido e conquistado o “mercado” no âmbito da universidade.
Um deles, articulista da Folha e professor
de Filosofia, Luís Felipe Pondé, vive reclamando que os estudantes só querem
saber de Marx e de Foucault no currículo. Ele sabe que nada é imposto pelas direções universitárias, pois temos
escolas com inteira liberdade, até mesmo as de origem religiosa.
Ora, com a plena autonomia reservada aos
professores universitários, basta que esse professor ofereça aulas sobre John
Gray, Cioran, Hobbes ou qualquer outro autor de sua preferência. E, depois, é
só aguardar a afluência dos alunos. Pelo que se sabe, nada é imposto a eles,
sobretudo nos cursos de Filosofia.
Afinal, um liberal é ou não pela
meritocracia? Popper costumava dizer que as ideias teóricas e científicas
disputam pela sobrevivência, como acontece na natureza entre as espécies. As
“menos falhadas” sobrevivem. Verdadeiro ou não, esse é um postulado
genuinamente liberal. Sem ironia.
Desconfio que a emergência desse projeto
infeliz de limitar o direito de opinião dos professores, além de revelar que a
estupidez humana não tem limites, não é só parte da onda conservadora que
inclui, entre outras tentativas, as restrições ao casamento de pessoas do mesmo
sexo. Mas vai além, tem um objetivo político que atende aos interesses do
governo do interino Temer, preocupado com possíveis manifestações de massa reativas
às suas medidas de “ajuste” econômico e social.
São medidas repressivas e quem não espera
uma possível resposta, em primeiro lugar, dos estudantes e intelectuais? Houve
recentemente uma onda de protestos estudantis em São Paulo e no Rio contra as más
condições do ensino, quase uma rebelião, com ocupações e gritos de “Abaixo o
Golpe” e “Fora Temer”.
A preocupação do novo governo de direita é
com uma visível ressurreição do movimento estudantil em escala nacional, o que
já vem ocorrendo desde 2013, naquelas manifestações que se iniciaram com
protestos juvenis contra o preço das passagens do transporte público e que
acabaram apropriadas por um movimento de massas de direita, incitado e
engrossado pela mídia conservadora.
Os articuladores da direita sempre
acreditaram, ou fingiram acreditar, que todos os problemas sociais, culturais e
políticos passam por uma estratégia de controle das mentes. Essa é uma obsessão conservadora desde, pelo
menos, a Guerra Fria. Falam de modo paranoico das “lavagens cerebrais”, dos
“inocentes úteis”, da pedagogia da “doutrinação ideológica”, das “conversões”,
das “infiltrações subversivas” e outras metáforas de origem militar e
religiosa.
Não espanta que estejam unindo hoje, como
no fundamentalismo islâmico, política, força militar e Igreja. É no que
acreditam como eficácia de manipulação, pois assistem ao sucesso exemplar,
pragmático e financeiro, dos pastores sobre as almas desamparadas. Querem impor
preventivamente um controle aos estudantes desse tipo.
Os jovens não aprenderiam sobre a
realidade política e social pela observação própria e por meio das suas famílias,
mas estariam sujeitos aos malévolos “professores doutrinadores” – justamente, o
que eles querem impor a todos.
Acho
que deveríamos, nós os pais e as mães, propor um projeto que proteja a
democracia brasileira da estupidez fascista e do fundamentalismo religioso. São
eles que falam, por exemplo, da “ideologia de gênero”, que inventaram para
negar a existência de gays, travestis, transexuais, etc., como se não
existissem na realidade. Só existem porque se fala deles e porque reivindicam
direitos humanos! Fundamentalistas chamam de “ideologia de gênero” o que eles
mesmos criaram e praticam.
Deveríamos lutar para que existam os
Olavo de Carvalho e Marco Antônio Villa, mas também os professores que dão
aulas de Marx, de Foucault ou de qualquer autor malvisto pelos conservadores.
Ainda que, pessoalmente, prefira que meus filhos e netos não apreciem Olavo de
Carvalho nem o seus duplos, a escola democrática ainda é a melhor e deve
sobreviver.
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