quarta-feira, 3 de agosto de 2016

TERRORISMO



                                                         Reinaldo Lobo

       Os loucos e os fanáticos mobilizam as pessoas. São excelentes motivadores. Fascinam. Ocupam um espaço considerável na mídia, nas estatísticas e na criminologia. As pessoas saudáveis não são notícia, nem constituem um problema de saúde pública. Um homem-bomba talvez não seja necessariamente um psicótico ou psicopata, mas é um fanático. Não se pode dizer exatamente que seja são.
       O fanatismo é uma estreiteza mental. Uma forma de arrogância e de estupidez. Grupos inteiros podem ser atraídos para esses indivíduos, às vezes com características messiânicas. Estão estupidificados e rebaixados mentalmente pelo caráter coletivo da mobilização. São tomados por turbulências emocionais. Freud, Elias Canetti e Jean Paul Sartre mostraram o caráter fusional das multidões e massas encantadas pelo caráter contagioso da ação grupal. Giram em torno de promessas salvadoras, geralmente simplificações da vida política, religiosa e social. 
      O terrorismo é um fenômeno de muitas faces. Seria um erro reduzi-lo a uma manifestação patológica de alguns indivíduos enlouquecidos, ainda que seus agentes sejam desequilibrados na maioria dos casos. Envolve as condições históricas, manipulação política, estratégias e táticas de guerra, motivos sociais e econômicos.
     Um artigo recente publicado na revista francesa “Nouvel Observateur” lembrava que o terrorista utiliza a “estratégia da mosca”, isto é, age como um inseto que penetra na orelha de um elefante, a sociedade, tirando-lhe o equilíbrio e o sossego. 
    O terrorismo pretende ser uma guerra, mas difere da guerrilha clássica que visava a alvos militares e políticos específicos contra governos opressores, tentando ganhar o apoio da população civil. É diferente também das guerras convencionais, nas quais exércitos se confrontam e provocam milhares, às vezes milhões, de mortos.
     O número de mortos provocados pelo terrorismo é relativamente pequeno. O maior até agora foi em Nova York, em 2001, no atentado contra as Torres Gêmeas, quando morreram cerca de três mil pessoas. O que diferencia os ataques terroristas são os alvos -- pessoas inocentes da população civil--, o local --o interior de concentrações urbanas--, e o elemento surpresa – nunca se sabe quando e onde o terror vai eclodir.
      A principal arma do terrorismo é a própria barbárie, que enlouquece o “elefante”. Cidades inteiras ficam vulneráveis. Populações são aterrorizadas, governos precisam se justificar, a insegurança se generaliza. Levar a completa insegurança à civilização -- esta é a fórmula.
       Mao Tsé-tung, um mestre na arte clássica da guerrilha urbana e rural, dizia que um guerrilheiro deveria ser como um peixe no mar, invisível para o conjunto. E anônimo até desfechar um ataque. Se possível, deveria sobreviver após a ação. Esse conselho tem sido seguido pelos terroristas contemporâneos, com a diferença de que seus alvos são mais randômicos e aleatórios do que os da guerrilha. Além disso, o terror atual introduziu o “mártir”, o (a) suicida que explode junto com suas vítimas. Isso o torna mais eficiente e ameaçador. O fato de não se importar em sobreviver revela o caráter niilista do terrorismo atual.
       O anonimato do terrorista islâmico não é tão garantido, pois pode ser identificado quanto à sua origem árabe ou do Oriente Médio. No entanto, até esse detalhe vem se modificando, com a adesão de malucos não árabes a grupos como o Estado Islâmico, Al Qaeda e outros. Os muçulmanos tchetchenos, por exemplo, também passam por ocidentais sem risco de identificação. Ou seja, o fenômeno está longe de acabar e continua a se expandir.    
       Um fator predominante da permanência do terrorismo é a sociedade do espetáculo e da comunicação generalizada em que vivemos. Um evento desses precisa ser noticiado e comunicado para o mundo todo, pois o fanático visa não a convencer por persuasão o outro, mas a impor um fato como demonstração de seu ponto de vista “superior”, como “exemplo” para a humanidade e os seus próprios seguidores. O evento é uma corroboração de seu poder desestabilizador. Mas é também o meio de atormentar o “elefante” a ponto de desorganizar seus rumos e decisões.
       Muitos intérpretes veem o terrorismo como uma luta do arcaico contra o moderno. Outros completam o raciocínio, dizendo que é o conflito do particular contra a universalização imposta pela sociedade de consumo e a globalização. Isso parece ser parcialmente verdadeiro.
      Já o sociólogo Jean Baudrillard, comentando o Onze de Setembro de 2001, dizia que não havia nada mais moderno do que o novo terror, uma vez que agiu como uma espécie de Ong fora do Estado, utilizando-se da sofisticação tecnológica mais avançada, além de ter como agentes engenheiros e estudantes bastante modernos e articulados, que levavam vidas perfeitamente “ocidentais”.
       Penso que as duas visões podem ser verdadeiras. De fato, parece haver no terrorismo atual uma resistência à globalização e uma busca da manutenção das culturas singulares. O Estado Islâmico propõe a volta a um Califado do século XII. Mas esse é o paradoxo do terror:  usa exatamente os meios oferecidos pela contemporaneidade para combatê-la.

       Ainda não se sabe o melhor meio de derrotar imediatamente esse fenômeno assustador. Alguns acham que só a violência resolve.  No entanto, espero que não haja muita dúvida de que o caminho mais adequado para enfrentar a estupidez e a arrogância seja ampliar o pensamento, a imaginação, a curiosidade pelo outro, o diálogo possível e uma cultura de paz.

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