Reinaldo Lobo
Os loucos e os fanáticos mobilizam as
pessoas. São excelentes motivadores. Fascinam. Ocupam um espaço considerável na
mídia, nas estatísticas e na criminologia. As pessoas saudáveis não são notícia,
nem constituem um problema de saúde pública. Um homem-bomba talvez não seja necessariamente
um psicótico ou psicopata, mas é um fanático. Não se pode dizer exatamente que
seja são.
O
fanatismo é uma estreiteza mental. Uma forma de arrogância e de estupidez.
Grupos inteiros podem ser atraídos para esses indivíduos, às vezes com
características messiânicas. Estão estupidificados e rebaixados mentalmente
pelo caráter coletivo da mobilização. São tomados por turbulências emocionais. Freud,
Elias Canetti e Jean Paul Sartre mostraram o caráter fusional das multidões e
massas encantadas pelo caráter contagioso da ação grupal. Giram em torno de
promessas salvadoras, geralmente simplificações da vida política, religiosa e
social.
O terrorismo é um fenômeno de muitas
faces. Seria um erro reduzi-lo a uma manifestação patológica de alguns
indivíduos enlouquecidos, ainda que seus agentes sejam desequilibrados na
maioria dos casos. Envolve as condições históricas, manipulação política,
estratégias e táticas de guerra, motivos sociais e econômicos.
Um artigo recente publicado na revista
francesa “Nouvel Observateur” lembrava que o terrorista utiliza a “estratégia
da mosca”, isto é, age como um inseto que penetra na orelha de um elefante, a
sociedade, tirando-lhe o equilíbrio e o sossego.
O terrorismo pretende ser uma guerra, mas
difere da guerrilha clássica que visava a alvos militares e políticos
específicos contra governos opressores, tentando ganhar o apoio da população
civil. É diferente também das guerras convencionais, nas quais exércitos se
confrontam e provocam milhares, às vezes milhões, de mortos.
O número
de mortos provocados pelo terrorismo é relativamente pequeno. O maior até agora
foi em Nova York, em 2001, no atentado contra as Torres Gêmeas, quando morreram
cerca de três mil pessoas. O que diferencia os ataques terroristas são os alvos
-- pessoas inocentes da população civil--, o local --o interior de
concentrações urbanas--, e o elemento surpresa – nunca se sabe quando e onde o
terror vai eclodir.
A principal arma do terrorismo é a
própria barbárie, que enlouquece o “elefante”. Cidades inteiras ficam
vulneráveis. Populações são aterrorizadas, governos precisam se justificar, a
insegurança se generaliza. Levar a completa insegurança à civilização -- esta é
a fórmula.
Mao Tsé-tung, um mestre na arte clássica
da guerrilha urbana e rural, dizia que um guerrilheiro deveria ser como um
peixe no mar, invisível para o conjunto. E anônimo até desfechar um ataque. Se
possível, deveria sobreviver após a ação. Esse conselho tem sido seguido pelos
terroristas contemporâneos, com a diferença de que seus alvos são mais
randômicos e aleatórios do que os da guerrilha. Além disso, o terror atual
introduziu o “mártir”, o (a) suicida que explode junto com suas vítimas. Isso o
torna mais eficiente e ameaçador. O fato de não se importar em sobreviver revela
o caráter niilista do terrorismo atual.
O anonimato do terrorista islâmico não é
tão garantido, pois pode ser identificado quanto à sua origem árabe ou do
Oriente Médio. No entanto, até esse detalhe vem se modificando, com a adesão de
malucos não árabes a grupos como o Estado Islâmico, Al Qaeda e outros. Os
muçulmanos tchetchenos, por exemplo, também passam por ocidentais sem risco de
identificação. Ou seja, o fenômeno está longe de acabar e continua a se
expandir.
Um fator predominante da permanência do
terrorismo é a sociedade do espetáculo e da comunicação generalizada em que
vivemos. Um evento desses precisa ser noticiado e comunicado para o mundo todo,
pois o fanático visa não a convencer por persuasão o outro, mas a impor um fato
como demonstração de seu ponto de vista “superior”, como “exemplo” para a
humanidade e os seus próprios seguidores. O evento é uma corroboração de seu
poder desestabilizador. Mas é também o meio de atormentar o “elefante” a ponto
de desorganizar seus rumos e decisões.
Muitos intérpretes veem o terrorismo
como uma luta do arcaico contra o moderno. Outros completam o raciocínio,
dizendo que é o conflito do particular contra a universalização imposta pela
sociedade de consumo e a globalização. Isso parece ser parcialmente verdadeiro.
Já o sociólogo Jean Baudrillard,
comentando o Onze de Setembro de 2001, dizia que não havia nada mais moderno do
que o novo terror, uma vez que agiu como uma espécie de Ong fora do Estado,
utilizando-se da sofisticação tecnológica mais avançada, além de ter como
agentes engenheiros e estudantes bastante modernos e articulados, que levavam
vidas perfeitamente “ocidentais”.
Penso que as duas visões podem ser verdadeiras.
De fato, parece haver no terrorismo atual uma resistência à globalização e uma
busca da manutenção das culturas singulares. O Estado Islâmico propõe a volta a
um Califado do século XII. Mas esse é o paradoxo do terror: usa exatamente os meios oferecidos pela
contemporaneidade para combatê-la.
Ainda não se sabe o melhor meio de
derrotar imediatamente esse fenômeno assustador. Alguns acham que só a
violência resolve. No entanto, espero
que não haja muita dúvida de que o caminho mais adequado para enfrentar a
estupidez e a arrogância seja ampliar o pensamento, a imaginação, a curiosidade
pelo outro, o diálogo possível e uma cultura de paz.
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