Reinaldo Lobo
A ideologia neoliberal consagra o
individualismo possessivo. O seu ideal de homem livre é o que cuida de si e de
sua família, de preferência proprietário e capaz de “empreender”. Essa
visão-de-mundo foi magnificamente resumida por Margareth Thatcher, ex-premiê
britânica: “A sociedade não existe. Quando olho, vejo indivíduos e, no máximo,
famílias”.
No polo ideológico oposto, a vulgata
bíblica marxista ressalta o coletivismo. Só existe a sociedade. Josef Stálin,
autor do inacreditável texto “As Quatro Leis da Dialética”, definiu certa vez:
“ Só temos a história coletiva. O indivíduo é uma ficção. ”
Na verdade, é bem difícil pensar o
indivíduo sem a sociedade. Mas também o contrário: a sociedade sem os
indivíduos. Os seres humanos são animais sociais. Só isso garante sua
sobrevivência.
A ideia de uma liberdade sem peias, sem
nenhum constrangimento ou continência, uma espécie de anarquismo dominado pelo
princípio do prazer, onde o outro não exista como obstáculo nem referência, é
uma ficção infantil. Essa não é a liberdade fundada na autonomia, mas nas
fantasias mais primitivas, estimuladas pela sociedade de consumo para nunca
serem realizadas de verdade.
Vivemos numa sociedade anárquica da
insatisfação permanente, justamente por negar a falta, a falha e a carência,
dando a ilusão de uma possibilidade infinita de participação na riqueza e no
poder.
Certa vez, um ultraconservador, o germano- americano Henry Kissinger, lamentou: “Muitas pessoas sofrem tanto por não participarem da afluência e dos benefícios do capitalismo, ao ponto do desespero, porque alimentam o sonho americano de que o esforço as conduzirá a se tornarem proprietárias de bens e de suas vidas. Nem sempre isso é possível”. Faltou dizer que, na maioria das vezes, é impossível, pelo menos por caminhos normais de trabalho e competição.
Certa vez, um ultraconservador, o germano- americano Henry Kissinger, lamentou: “Muitas pessoas sofrem tanto por não participarem da afluência e dos benefícios do capitalismo, ao ponto do desespero, porque alimentam o sonho americano de que o esforço as conduzirá a se tornarem proprietárias de bens e de suas vidas. Nem sempre isso é possível”. Faltou dizer que, na maioria das vezes, é impossível, pelo menos por caminhos normais de trabalho e competição.
A sociedade de consumo é como aquela
mulher de suéter justo na tela do cinema, insinuando, mas não deixando ao
alcance a beleza crua e o erotismo. Seduz, promete. É só a miragem estética, no
dizer o filósofo alemão Theodor Adorno, mas não cumpre jamais.
Há uma enorme confusão entre autonomia e
sujeito isolado, racional, da filosofia
liberal e , sobretudo, da ideologia neoliberal. A autonomia -- como mostraram
Castoriadis e até os filósofos clássicos--, é o sujeito dar-se suas próprias
leis. No plano do indivíduo, isso significa estabelecer a própria legalidade
das determinações do sujeito.
A psicanálise é um exemplo evidente, um modelo da possibilidade de alcançar a autonomia individual, quando o sujeito enfrenta as próprias determinações. Foi por isso que Castoriadis incluiu a psicanálise no que chamou de “projeto de autonomia”, que seria a disseminação da autonomia auto reflexiva e lúcida, ou, em outras palavras, a emancipação humana.
A psicanálise é um exemplo evidente, um modelo da possibilidade de alcançar a autonomia individual, quando o sujeito enfrenta as próprias determinações. Foi por isso que Castoriadis incluiu a psicanálise no que chamou de “projeto de autonomia”, que seria a disseminação da autonomia auto reflexiva e lúcida, ou, em outras palavras, a emancipação humana.
No plano da sociedade, a autonomia não se
reduz à liberdade individual, mas tem a ver com a existência e criação de
instituições coletivas que favoreçam a autonomia e a responsabilidade de seus
membros. Dito de uma maneira diferente: a autonomia pressupõe uma sociedade
autônoma. A minha autonomia está imbricada e até depende da autonomia dos
outros. É contrário do individualismo de um modo geral e do possessivo, em
particular.
Do mesmo modo, uma autonomia individual
pressupõe uma educação para a liberdade coletiva, uma “Paideia”, como dizia
Castoriadis. Esta seria o eixo central da autonomia social, por sua capacidade
para criar sujeitos autônomos. O projeto de autonomia, segundo este
ponto-de-vista, é o movimento histórico dos sujeitos para alcançar um auto
instituição lúcida da sociedade, que é o sentido máximo da autonomia: dar-se as
próprias leis. Mas é uma lei que significa autocriação da sociedade, que não
reconhece fundamentos extra sociais. Não
depende de deuses, poderes acima dos homens, raça ou classe social superior.
Depende apenas da própria sociedade.
A sociedade da autonomia, portanto, não
se dissolve num coletivismo estrito, socialista, ainda que implique na participação
comunitária permanente. Também não se subordina à ideia de uma coleção de
indivíduos proprietários ou despossuídos, distinguindo-se totalmente da
democracia liberal clássica.
O projeto de autonomia é uma atividade que
não se detém, envolve a crítica das leis, o questionamento do sentido da
sociedade, de suas significações imaginárias e da participação nas decisões
coletivas. A ideia de autonomia é o oposto de todo totalitarismo. É a ruptura
da heteronomia e da alienação. Constitui um esforço constante e incessante para
“desalienar” os sujeitos. Tarefa a ser aplicada no sentido individual e
coletivo.
Uma sociedade autônoma é uma radicalização
da democracia, isto é, do regime que permite a criação de novos direitos e
instituições. Mas não é só isso: talvez seja a essência do que uma verdadeira
democracia pode ser.
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