Reinaldo Lobo
Os brasileiros estão confusos com o espetáculo
da crise brasileira na TV e nas redes sociais. Não é mais possível a simples
polarização entre o Bem e o Mal, nem a busca de um único inimigo ao qual
acusar. Não existe apenas uma Gení a servir de bode expiatório. Todos “são
culpados” e não se sabe mais em quem confiar.
A novela da Lava Jato, acompanhada em
capítulos estudadamente vazados para a mídia a fim de ganhar “apoio da
população”-- como disse o juiz Moro-- parece que não terá um final feliz. Ou,
pelo menos, tudo indica que acabou em paradoxo e complexidade, mas os seus
agentes ainda não perceberam. Moro ainda tem a chance de atingir um ponto de
sua missão, Lula, principal alvo inicial da operação, mas até isso está difícil
agora.
Curiosamente, a oposição principal à
operação parte hoje de quem fingia defendê-la e queria servir-se dela para seus
objetivos políticos.
A
onipresença da mídia na sociedade, a manipulação dos estados emocionais dos
cidadãos pelo impacto das notícias e dos comentários, o partidarismo da nossa
imprensa – tudo isso leva à crença de que teríamos um povo mais politizado e
consciente, mas não é bem assim.
Os brasileiros estão perdidos com as
mensagens contraditórias emitidas pelo Judiciário, pelos partidos e pelos meios
de comunicação. Os que saíram às ruas de camisas amarelas pedindo o fim da
corrupção estão perplexos e paralisados. Viram mais tarde muitos dos corruptos
notórios nas fotos de suas próprias passeatas.
Como entender que a Rede Globo, principal
geradora dessa novela e formadora de opinião no País, passe de uma uma posição
a outra, por motivos pouco conhecidos do público?
Quem é o sujeito da ação política por trás
do comando do espetáculo? Essa é uma indagação sem resposta visível para o
povo.
Os segmentos mais populares, sem camisas
amarelas, estão numa angustiante expectativa sobre quais direitos sociais terão
depois das chamadas “reformas”, desencadeadas em curto espaço de tempo pelo
governo pós-impeachment. Só os sindicatos e frações de movimentos sociais fazem
manifestações ignoradas em grande parte pela mídia.
Os jovens, estudantes e profissionais,
estão divididos entre apoiar os trogloditas da direita, a turma do Bolsonaro,
os “gestores” do tipo Dória ou a paralisia da esquerda desmoralizada pelas
acusações de corrupção, dividida e relativamente impotente na ação.
No ataque ao sistema corrupto, está acontecendo
no País algo semelhante ao que fez o novo prefeito de São Paulo na dita
Cracolândia: atacou um ponto como se fosse o único alvo e o crack se espalhou
para muitos lugares da cidade, alguns inesperados. As pessoas não sabem se o
crack foi eliminado ou se apenas se diversificou.
Os que tinham como referência política um
determinado partido -- para combater os principais focos de corrupção nacional,
segundo sua visão--, perderam a referência ao ver o líder em quem votaram aparecer
indigitado por graves denúncias.
Antes, os inimigos eram Lula e Dilma,
então como é possível que Aécio Neves e mesmo o “mal menor” apoiado
taticamente, Temer, surjam como chefes de quadrilhas?
A essa dificuldade de percepção
contraditória chama-se, em psicologia, “dissonância cognitiva”. Essa mesma dissonância
afeta a esquerda, quando se vê o principal partido originalmente contrário à
corrupção, o PT, com vários líderes citados em listas de propinas e manobras
pouco republicanas.
Contra quem dirigir o ódio neste momento,
uma vez que a situação de crise econômica, também difícil de compreender, induz
a essa emoção forte e politicamente poderosa? Já não é tão fácil achar um
culpado, inclusive, pela própria crise econômica.
Como recuperar uma visão de mundo
binária, capaz de operar de modo semelhante aos computadores: sim ou não, isto
ou aquilo? Apesar desse maniqueísmo não ser desejável, ele oferece às pessoas
algum solo onde se apoiar. Não é justificável, mas compreensível. Até esse
“consolo” está faltando neste momento da vida do País.
Quando a perplexidade parece diminuir um
pouco, logo vem alguma notícia
perturbadora e com linguagem de dupla mensagem. A mídia não para de dizer, por
exemplo, que as “reformas” do governo pós-impeachment são essenciais para
salvar o País e acabar com a crise.
O uso da palavra reforma é enganador nesse
caso e passa uma mensagem dúbia. Primeiro, porque nada indica que são
verdadeiras reformas, mas medidas de “austeridade”, restaurações, acertos e
legislações liberais à moda antiga, quase anteriores à revolução de 1930 --
quando houve, aí sim, uma série de reformas que deram maior segurança aos
cidadãos em geral e aos trabalhadores, em particular. E nada garante que as
tais “reformas” atuais vão tirar o País da crise econômica e, menos ainda, da
precária situação política. Apenas ameaçam lançar o ônus da crise para os mais
pobres.
Um
ponto parece certo: as mudanças propostas afetam negativamente a vida dos
trabalhadores, retirando garantias conquistadas por décadas de lutas sociais e
políticas.
Como é possível confiar nas diretrizes
propostas por quem dirige a vida nacional se as próprias palavras usadas são
ambíguas ou contraditórias? Certamente, os mais pobres são os que têm as
maiores expectativas, mas são também os que mais desconfiam e temem o futuro.
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