quarta-feira, 11 de outubro de 2017

O CINISMO PROTETOR

  

                                                       Reinaldo Lobo*

       O cinismo psíquico é uma defesa sofisticada, usada principalmente pelos adultos. Do que nos defendemos? Da realidade, ou melhor, da dor que ela provoca ou pode causar. Dizemos de algumas profissões como a de policial, de cirurgião, de juiz e de jornalista, que elas expõem seus praticantes a duras experiências da vida. Podem levar ao cinismo, que envolve uma certa indiferença cúmplice e uma anestesia diante da dor infligida ao outro.
     O Brasil é hoje um país com muitos cínicos nesse sentido, gente de quase todas as profissões.
     Uma grande parte do povo que foi às ruas a partir de 2013, pedindo a cabeça dos governantes, agora está paralisada, medrosa ou, sobretudo, cínica. Isso tem a função óbvia de não ver o próprio erro e de não reconhecer as consequências dos seus atos. O alcance de uma atitude política imediatista nos escapa com frequência e pode dar no que está acontecendo agora, no presente de recessão profunda e estagnação econômica.
    Além disso, pode revelar o que ninguém esperava—ou seja, que nossos aliados eram também corruptos, alguns até há mais tempo do que aqueles que imaginávamos.
    O cinismo protege também de ver a miséria, a destruição da natureza, as leis arbitrárias e regressivas, a perseguição às minorias, o fanatismo religioso a serviço do dinheiro, o massacre de jovens nas favelas, a inoperância do combate às drogas, a eliminação de direitos humanos e trabalhistas e a enxurrada de leis aprovadas em benefício de bilionários e aproveitadores dos recursos públicos.
      A irmã do cinismo é a hipocrisia, outro recurso pré-consciente e, às vezes, consciente, destinado a reassegurar uma pessoa ou um grupo.
     Não deixa de ser uma ironia bizarra sabermos que boa parte dos que ostentavam cartazes e gritavam contra a corrupção eram, eles próprios, notórios corruptos. Geddel Vieira Lima, por exemplo, estava na linha de frente das manifestações de camisas amarelas e, agora, tudo indica que é o dono daquelas malas com mais de 50 milhões de reais achadas em apartamento de sua propriedade. Assim como não deixa de ser ridículo, mas revelador, que personagens como o ator pornô Alexandre Frota esteja também à frente dos protestos moralistas contra a nudez em museus, ou, ainda, que se lance um olhar pedófilo recalcado sobre uma performance no MAM.
          O preconceito consiste em julgar um fato ou um fenômeno baseado em apenas informações parciais. É assim que um antissemita justifica sua generalização a partir de uma experiência com um judeu determinado ou por sua estranheza em relação a hábitos que não entende ou não conhece o suficiente.
         Essa extensão no julgamento é frequente igualmente na avaliação dos políticos, como defesa em relação à constatação de que aqueles nos quais votamos também prevaricaram: “Todos são iguais, devem ser punidos igualmente com a violência da Lei! ”.
        O cínico atribui a culpa ao outro e lava as mãos.  Pilatos pode ser considerado um dos pioneiros do cinismo comportamental. Interessante é o seu recurso à inação, que, na verdade, é um ato. Parece um gesto de complacência, neutralidade e de democracia, mas consiste numa tomada de posição. Pilatos escolheu o seu lado, romano, deixando para o povo a decisão que sua própria lei e seu pessoal executou.
         No Brasil atual, Pilatos encarnou na forma de uma parte do povo, que se recusa a agir contra a máfia que empalmou o poder na onda de ódio anti-petista. Aceitar que certos atores políticos são parte de um antigo Sistema Corrupto é dar aval ao petismo. O PT virou a Gení da atualidade. O ódio e o pseudomoralismo exacerbado de juízes e promotores estão levando a desastres como o suicídio daquele reitor da Universidade Federal do Paraná, que se jogou do alto do vão livre de um shopping.
        Agir saindo às ruas ou protestando contra o governo Temer seria reconhecer a precipitação, a parcialidade, o excesso, o erro, a ingenuidade política, mas, sobretudo, constituiria violar uma lei ideológica atacando um governo que, apesar de acusado de corrupto como o anterior, é conveniente para setores adeptos do capitalismo de resultados.
       Boa parte das nossas classes médias está surfando a onda do “todos são iguais, mas alguns são nossos iguais”. Há, para esses, alguns corruptos chiques que devem ser mais tolerados do que os sindicalistas “vulgares e deselegantes”. Daí o silêncio cínico.
       O cinismo a que nos referimos tem pouco ou nada a ver com o cinismo filosófico, aquela doutrina criada por Antístenes de Atenas (444-365 a.C.), que pregava uma vida simples e natural, uma felicidade desapegada de riquezas, artifícios e frivolidades e que tomava a vida dos cães como uma espécie de modelo ideal da simplicidade. A única ligação possível com o sentido original da palavra, hoje deformada, talvez seja a indiferença, comum ao desapego grego aos bens e riquezas vigentes e, hoje, o gesto de virar os olhos para lá diante da imoralidade evidente “dos iguais”, cheios de riquezas e de bens.

        O cinismo a que nos referimos é diferente da filosofia antiga, pois aplaca a consciência dos que não querem enxergar a corrupção, a riqueza ilegal e o abuso daqueles que amavam, toleravam, e até agora toleram. Muitos dos que votaram em Aécio Neves, por exemplo, só querem ouvir falar de outros corruptos e, apesar de prometerem não votar mais nele, lastimam sua decadência política: “um rapaz tão igual a nós, simpático e bem vestido”.
       O cinismo psíqu

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