Reinaldo Lobo
Diante da ascensão de Benito Mussolini,
em 1922, o italiano Antônio Gramsci perguntou: “O que é o fascismo?”. E deu uma
resposta hoje histórica: “É a tentativa de resolver problemas de produção e
troca com disparos de metralhadora e tiros de pistola”.
O fascista clássico resistia à complexidade
da sociedade surgida com a revolução industrial e pretendia resolver tudo pela
violência. Para isso, precisava de mitos, rituais e perfis humanos específicos.
O fascista típico é um reducionista. Tudo
se resume a uma questão de força e de vontade. É uma força que leva ao “triunfo
da vontade”, como intitulou a nazifascista alemã Leni Riefenstahl. O próprio
Mussolini escreveu em 1932, dez anos depois do diagnóstico gramsciano: “Eles
[os inimigos] se perguntam sobre programas, mas já há programas demais. Não são
programas que estão faltando para a salvação da Itália, mas homens com força de
vontade”.
Era
uma reunião de fanáticos armados em torno de uma extrema simplificação diante
de situações difíceis como a luta de classes, a diversidade de demandas, o
pluralismo democrático, as novas estruturas sociais surgidas com as classes
médias, a radicalização operária e a concentração do capital.
O fascista sempre foi um inimigo feroz da
ciência, das artes e da cultura e partia para a agressão à modernidade.
Propunha suas próprias ciência e cultura megalomaníacas. Combatia a
racionalidade iluminista e as instituições liberais.
Vários sociólogos classificaram o fascismo
como uma “revolução conservadora”, regressiva. Havia uma nostalgia romântica da
vida no campo, da base agrária e dos pequenos artesãos anteriores ao tsunami
capitalista ocorrido na passagem do século 19 para o 20.
O meio buscado para realizar essa
revolução era um Estado forte e um líder (o Duce, o Füehrer) ditatorial, dotado
dessa visão mítica da sociedade simplificada e “purificada” dos “maus
elementos”. Daí o genocídio e os campos de concentração.
Hoje existe um neofascismo, que se livrou
parcialmente da ideia de um Estado totalitário forte e se aliou até a um
extremo liberalismo econômico, o neoliberalismo. Mas o neofascismo não se
afastou de muitos traços antigos, como de um pseudo romantismo simbólico, e,
principalmente, da simplificação violenta.
Freud foi o primeiro psicanalista a
notar que havia “um estado mental” específico para o tipo de perfil do
fascista, ao se referir àquelas pessoas nas quais predomina a pulsão de morte,
contrária à energia heterogênea provocada pelas pulsões de vida, Diante da
anarquia da vida, impõe-se dentro dos seres humanos (nós todos), uma pulsão
conservadora, voltada para a repetição e geralmente vinculada ao poder e à
dominação.
Haveria em todos nós uma tentação
totalitária oposta à liberdade, que gera muita insegurança e angústia, obrigando
o Ego a ter força suficiente para assumir responsabilidades éticas e realistas.
Depois da intuição freudiana, expressa em sua linguagem particular, surgiram
vários outros psicanalistas a tocar no assunto.
O alemão Willhem Reich falava de um “desejo
de fascismo” que animava as massas e os indivíduos. Os psicólogos e sociólogos
da Escola de Frankfurt , Adorno, Horkheimer
e Eric Fromm realizaram uma pesquisa de campo na Alemanha pré nazista
que apontou a existência de uma “personalidade autoritária” pronta para se
identificar com um ditador prepotente, arrogante e dominador.
Eram
pessoas frágeis e desamparadas, no fundo, ameaçadas pela brutal crise econômica
após a I Guerra mundial. Ficou conhecido um ensaio de Fromm, de muito sucesso após a II Guerra e as revelações das
atrocidades nazistas, intitulado “Fuga à Liberdade”, onde ampliou os achados
iniciais de Freud.
Tanto Fromm como outros autores seguiram
uma linha de relativa “patologização” do fascista. Seria um sujeito muito
particular : um louco, um anormal, um delirante furioso, um psicopata, um
sociopata ou alguém que teria um perfil médio que mereceria ser internado num
hospital psiquiátrico. Os outros frankfurtianos eram mais sóbrios e diziam que
destacavam a personalidade autoritária no momento particular da crise alemã e
não faziam tantas generalizações.
Sem dúvida, alguns personagens como Hitler
e Mussolini poderiam encaixar-se no perfil capaz de ocupar o papel, mas prefiro
a linhagem de interpretação de que há um “estado mental fascista”, que ultrapassa
a teoria política e a ideologia, e se refere à condição humana.
É
a concepção que vem da intuição inicial de Freud, passa por Reich, a filósofa
Hannah Arendt, o psicanalista italiano
Massimo Recalcati e o anglo-americano
Christopher Bollas, para os quais existe um fascista dentro de cada um
nós, sendo que somos passíveis da tentação por essa política autoritária em
certas circunstâncias. Os fascistas explícitos não são os únicos a encarnar o
Mal.
É
um desejo de fascismo ou uma busca de segurança extrema, disparada pelas crises
do capitalismo, o que induz até ao racismo e à intolerância. Precisamos de cuidados
próprios especiais e de egos fortes para resistir ao apelo fácil que atinge as
massas, pois temos forças da morte dentro de nós, que operam de forma
conservadora e, ao mesmo tempo, destrutivas. Imaginem se o governo Bolsonaro,
como o de Hitler, tivesse um êxito econômico inicial. Quantos neofascistas não
teríamos?
O bolsonarismo brasileiro surpreende
algumas mentes das elites liberais, assustadas com a força remanescente de um
governo inepto, sem considerarem que elas próprias estão sujeitas ao desejo de
fascismo.
A pulsão de morte conservadora envolve o
poder e os poderosos de tal modo ambíguo que perdem a perspectiva que os
ameaça. Não se pode esquecer que Mussolini, o inventor do fascismo, acabou
pendurado num poste.
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