quarta-feira, 22 de outubro de 2014

SEGUNDO TURNO


 

 

                                                             Reinaldo Lobo*

 

 A maior parte das análises sobre o primeiro e o segundo turnos das eleições presidenciais negligencia o papel da imprensa e dos meios de comunicação. Na verdade, nega, conscientemente ou não, essa participação.

Os colunistas políticos dão por certo que a “realidade” que descrevem corresponde aos fatos e não aos fatos como são narrados e construídos. A mídia está totalmente implicada no trabalho de esculpir esses artifícios, ainda que as ocorrências, efetivamente, tenham uma mistura de manipulação própria da política e uma boa dose de acaso. A mídia fala, no entanto, do interior da realidade que habita e que ela mesma ajudou a criar.

 Todos sabem que o acidente que matou o candidato Eduardo Campos – o Acaso-- quase liquidou também a candidatura de Aécio Neves. Mas, assim que Marina Silva saiu da obscuridade de candidata a vice,passou a  ser inflada e mimada pelos chamados “formadores de opinião”, em geral instalados na imprensa mais conservadora do País.

Era a “anti-Dilma” por excelência. Os mercados, a bolsa, a imprensa e até os norte-americanos festejaram a possível retirada do PT do poder, com o consequente fim almejado da política desenvolvimentista, da distribuição de renda e da política externa independente, visando a um realinhamento quase total com os EUA.

   A ressurreição na reta final do primeiro turno de Aécio-- um neoliberal--, muda, paradoxalmente,tudo de novo.Aécio defende com mais frieza quasetudo o que o lançamento de Marina prometia, mas o quadro politico mudou.

Será um pouco mais fácil para Dilma conseguir a transferência de votos de Marina Silva do que seria conquistar os votos dos eleitores de Aécio Neves. Isso apesar da acachapante derrota de Dilma e do PT em São Paulo. Os eleitores de Marina são um misto de pobres, trabalhadores, jovens estudantes e intelectuais de mente mais aberta, além do contingente de classe média que migrou do tucano para a ecologista da “Nova Política”, seguindo a mídia e afetado pelo impacto emocional dodia 13 agosto, quando houve o acidente aéreo.

  Os eleitores típicos de Aécio, que se parecem um pouco com ele, acreditam no capitalismo como a via régia para o sucesso e odeiam o PT inclusivo e distributivista.  Dificilmente migrariam para a candidatura da presidenta.  Mas, por outro lado, é mais complicado enfrentar o candidato tucano fortalecido pelo impulso que recebeu com a votação ascendente no primeiro turno e com a paridade que terá no horário eleitoral (fiftyXfifty). Além disso,vai para o combate com previsível agressividade e com apoio suplementar da mídia, que provavelmente será maciço.

   Como Aécio estava na lanterna das pesquisas, foi poupado de críticas intensivas e severas. Na verdade, foi ele quem bombardeou Marina e Dilma com uma saraivada de denúncias. Agora que ressuscitou como Lázaro da morte, vai enfrentar na TV e nos debates o tiroteio petista destinado a devolvê-lo ao túmulo político tucano. Nessa fase, porém, Aécio deverá receber também o estímulo de verbas de campanha e apoio das empresas que o haviam abandonado quando ocupava o terceiro lugar.

    A desvantagem principal que Dilma terá nesta segunda fase da disputa eleitoral será a manipulação por parte da mídia conservadora. Já nas reportagens e comentários das apurações, a TV mostrou o espetáculo da participação ostensiva da opinião subjetiva dos comentadores. Muitos torciam abertamente por Aécio. Na Rede Globo, a alegria era geral a cada avanço de Aécio sobre Marina e a cada aproximação de Dilma. Havia quase uma festa “cívica”.

 É possível ressalvarcerta objetividade de alguns jornalistas, casos individuais, mas o grosso da tropa alinhava-se ostensivamente nas fileiras da campanha de Aécio. Não faltaram sequer aqueles que se esmeravam em dar dicas e conselhos à campanha de Aécio sobre a melhor estratégia para derrotar Dilma. Não faziam análises ou interpretações dos fatos, mas esforçavam-se para criá-los ou participar deles.

    Um dos primeiros jornalistas e intelectuais sérios que discutiram o fenômeno da “opinião publica” moderna, Walter Lippmann, já apontava em 1922 o perigo para a democracia constituído pela manipulação do pensamento das massas. Dizia que a opinião pública se forma por meio de estereótipos e de preconceitos, inevitáveis em todas as sociedades. Só que essas formações ideológicas podem ser corrigidas ou sedimentadas pelos meios de comunicação.

   Lippmann não hesitava,inclusive, em apontar uma espécie de “tirania” na manipulação dos fatos pela sua distorção subjetiva, quando ela é maciça e controlada por monopólios de poder, seja dos governos ou da iniciativa privada.

   A imprensa -- ou pelo menos a parte mais conservadora dela-- costuma apontar nos seus editoriais e artigos o poder do Estado como o único risco para a liberdade de expressão e de pensamento. Mas sempre esquece o poder econômico. Contudo, ele estará ativo como nunca no segundo turno da eleição. Não se pode esquecer que a grande imprensa brasileira é monopólio de algumas famílias, contando ainda com participação cada vez maior, hoje, do capital estrangeiro.

  Alguns desses grupos não hesitam em chamar esta eleição de “guerra” ou de cruzada “para extinguir o PT” da cena política. Daqui a alguns dias, saberemos não só quem vence, mas quais serão os sobreviventes dessa guerra de vida ou morte.

 

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