Reinaldo Lobo*
A maior parte das análises sobre o primeiro e
o segundo turnos das eleições presidenciais negligencia o papel da imprensa e
dos meios de comunicação. Na verdade, nega, conscientemente ou não, essa
participação.
Os colunistas políticos dão
por certo que a “realidade” que descrevem corresponde aos fatos e não aos fatos
como são narrados e construídos. A mídia está totalmente implicada no trabalho
de esculpir esses artifícios, ainda que as ocorrências, efetivamente, tenham
uma mistura de manipulação própria da política e uma boa dose de acaso. A mídia
fala, no entanto, do interior da realidade que habita e que ela mesma ajudou a
criar.
Todos sabem que o acidente que matou o
candidato Eduardo Campos – o Acaso-- quase liquidou também a candidatura de
Aécio Neves. Mas, assim que Marina Silva saiu da obscuridade de candidata a
vice,passou a ser inflada e mimada pelos
chamados “formadores de opinião”, em geral instalados na imprensa mais
conservadora do País.
Era a “anti-Dilma” por excelência.
Os mercados, a bolsa, a imprensa e até os norte-americanos festejaram a
possível retirada do PT do poder, com o consequente fim almejado da política
desenvolvimentista, da distribuição de renda e da política externa independente,
visando a um realinhamento quase total com os EUA.
A ressurreição na reta final do primeiro
turno de Aécio-- um neoliberal--, muda, paradoxalmente,tudo de novo.Aécio
defende com mais frieza quasetudo o que o lançamento de Marina prometia, mas o
quadro politico mudou.
Será um pouco mais fácil
para Dilma conseguir a transferência de votos de Marina Silva do que seria
conquistar os votos dos eleitores de Aécio Neves. Isso apesar da acachapante
derrota de Dilma e do PT em São Paulo. Os eleitores de Marina são um misto de pobres,
trabalhadores, jovens estudantes e intelectuais de mente mais aberta, além do
contingente de classe média que migrou do tucano para a ecologista da “Nova
Política”, seguindo a mídia e afetado pelo impacto emocional dodia 13 agosto,
quando houve o acidente aéreo.
Os eleitores típicos de Aécio, que se parecem
um pouco com ele, acreditam no capitalismo como a via régia para o sucesso e
odeiam o PT inclusivo e distributivista.
Dificilmente migrariam para a candidatura da presidenta. Mas, por outro lado, é mais complicado
enfrentar o candidato tucano fortalecido pelo impulso que recebeu com a votação
ascendente no primeiro turno e com a paridade que terá no horário eleitoral (fiftyXfifty).
Além disso,vai para o combate com previsível agressividade e com apoio
suplementar da mídia, que provavelmente será maciço.
Como Aécio estava na lanterna das pesquisas,
foi poupado de críticas intensivas e severas. Na verdade, foi ele quem
bombardeou Marina e Dilma com uma saraivada de denúncias. Agora que ressuscitou
como Lázaro da morte, vai enfrentar na TV e nos debates o tiroteio petista
destinado a devolvê-lo ao túmulo político tucano. Nessa fase, porém, Aécio
deverá receber também o estímulo de verbas de campanha e apoio das empresas que
o haviam abandonado quando ocupava o terceiro lugar.
A desvantagem principal que Dilma terá
nesta segunda fase da disputa eleitoral será a manipulação por parte da mídia
conservadora. Já nas reportagens e comentários das apurações, a TV mostrou o
espetáculo da participação ostensiva da opinião subjetiva dos comentadores.
Muitos torciam abertamente por Aécio. Na Rede Globo, a alegria era geral a cada
avanço de Aécio sobre Marina e a cada aproximação de Dilma. Havia quase uma
festa “cívica”.
É possível ressalvarcerta
objetividade de alguns jornalistas, casos individuais, mas o grosso da tropa
alinhava-se ostensivamente nas fileiras da campanha de Aécio. Não faltaram
sequer aqueles que se esmeravam em dar dicas e conselhos à campanha de Aécio
sobre a melhor estratégia para derrotar Dilma. Não faziam análises ou
interpretações dos fatos, mas esforçavam-se para criá-los ou participar deles.
Um dos primeiros jornalistas e intelectuais
sérios que discutiram o fenômeno da “opinião publica” moderna, Walter Lippmann,
já apontava em 1922 o perigo para a democracia constituído pela manipulação do
pensamento das massas. Dizia que a opinião pública se forma por meio de
estereótipos e de preconceitos, inevitáveis em todas as sociedades. Só que
essas formações ideológicas podem ser corrigidas ou sedimentadas pelos meios de
comunicação.
Lippmann não hesitava,inclusive, em apontar
uma espécie de “tirania” na manipulação dos fatos pela sua distorção subjetiva,
quando ela é maciça e controlada por monopólios de poder, seja dos governos ou
da iniciativa privada.
A imprensa -- ou pelo menos a parte mais
conservadora dela-- costuma apontar nos seus editoriais e artigos o poder do
Estado como o único risco para a liberdade de expressão e de pensamento. Mas
sempre esquece o poder econômico. Contudo, ele estará ativo como nunca no
segundo turno da eleição. Não se pode esquecer que a grande imprensa brasileira
é monopólio de algumas famílias, contando ainda com participação cada vez
maior, hoje, do capital estrangeiro.
Alguns desses grupos não hesitam em chamar
esta eleição de “guerra” ou de cruzada “para extinguir o PT” da cena política.
Daqui a alguns dias, saberemos não só quem vence, mas quais serão os
sobreviventes dessa guerra de vida ou morte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário