Reinaldo Lobo*
A
cada quatro anos, temos o breve direito de escolher livremente. Só no dia da eleição há liberdade de opção na
democracia representativa. Depois, assistimos os outros governarem por nós. Mas,
mesmo nesse dia , será que somos livres para escolher?
A eleição já vem pré-marcada por decisões
anteriores dos partidos, dos lobbies, das agências de propaganda, dos
marqueteiros, dos interesses econômicos e políticos. As próprias pseudo-opções
são predeterminadas pelas chefias partidárias e, muitas vezes, são vazias.
Que são os chamados "programas"
dos partidos políticos, hoje, no Brasil? No mais das vezes são colchas de
retalhos dos resultados das pesquisas de opinião, das enquetes destinadas a
sondar algumas preocupações do eleitorado e torná-las "propostas",
como se atendessem à população. Em alguns outros casos, consistem em acomodações
entre os partidos para alianças
temporárias.
Os
candidatos vêm embalados como um produto comercial que precisamos comprar para
poder experimentar ou avaliar.
Quando se levanta a questão da democracia
hoje, trata-se sempre da democracia representativa, seja para elogiá-la ou para
criticá-la. Mas não se avança mais que isso. Já no século XVIII, Rousseau a
criticava dizendo sobre os ingleses que "eles só são livres no dia das
eleições". Hoje, a situação não mudou muito, talvez tenha até piorado.
A democracia contemporânea está organizada,
concebida de tal modo que a participação dos cidadãos seja de fato impossível
-- como dizia um outro filósofo, Castoriadis. Depois, os partidos e os
políticos ficam lastimando sua própria falta de representatividade. Eles mesmos
falam muito do vazio da política , da crise da representação e da pequena
participação do povo na democracia atual.
Dentro do regime atual, os cidadãos podem,
de fato, fazer muito pouco. Quase nada, a não ser votar no dia da eleição ou
protestar nas ruas. Há uma permanente alienação que é estrutural, pela forma do
regime. Não é provocada apenas pelo fato de vivermos em sociedades que são
verdadeiros convites ao alheamento, ao consumo desenfreado, ao prazer
imediatista e à estupidificação promovida pelos meios de comunicação. Vivemos
em sociedades viciadas em superficialidades e na privatização da vida, isto é, na
retirada dos cidadãos da esfera pública para confiná-los nos espaços na frente
do aparelho de TV, nas indústrias e nos escritórios ou, no melhor dos casos,
nas academias de ginástica ou nos shows de entretenimento. Não é por acaso, que vivemos em "sociedades de lobbies e
hobbies", no dizer da Castoriadis. Isto, em países como os da Europa ou
nos EUA. Nos mais pobres, há lobbies, mas poucos hobbies.
Nos tempos de eleições, as questões que se
apresentam para a coletividade parecem muitas vezes abstratas para o
cidadão.Sem compreendê-las, ele acha muitas vezes que sua exclusão das decisões
é inevitável.
É a ilusão da "expertise", a
miragem tecnicista. Mas não se fala nas decisões absurdas tomadas pelos peritos
sobre o confisco da poupança do dinheiro dos cidadãos, sob o governo Collor,
que resultaram apenas em mais crise e em inflação de 80 por cento ao mês. Não
se fala da opção por uma estrada como a Transamazônica que, além de devastar as
florestas, não levou a lugar nenhum.
Existem hoje peritos capazes ou em vias de
modificar o genoma humano. Vamos deixar que eles decidam sobre isso sozinhos?--perguntou
Castoriadis.
O fato é que os "técnicos" ou
tecnocratas estão quase sempre divididos , não são eles que decidem. Quando os
dirigentes políticos querem que uma "perícia" vá em certo sentido,
encontram sempre especialistas para produzirem um relatório coerente.
É difícil acreditar que , num plebiscito, o
povo dos Estados Unidos aprovaria a fabricação dos "drones" para
usá-los como arma contra populações indefesas, a menos que esse povo estivesse
manipulado de tal modo pela mídia, como na "guerra ao terror". Essa
idéia só poderia sair originalmente da cabeça de engenheiros a serviço dos
militares do governo norte-americano.
Mesmo que seja possível falar em relevância
da escolha eleitoral -- em casos como o da atual eleição no Brasil, em que
questões essenciais serão decididas no domingo e onde haja diferença
considerável entre as duas opções propostas-- não há dúvida de que a chamada
democracia representativa precisa ser revista. Mesmo que seja a menos ruim que
temos, como diziam Churchill e outros. E não se trata apenas de propor uma
"democracia participativa" como têm feito o PT e algumas lideranças
cristãs, sobretudo católicas.
É preciso ter a coragem de defender uma
desmontagem do sistema representativo típico, a democracia dos espectadores.. E
de propor a democracia direta, na qual o
povo decida ao longo de todo o processo do período republicano.
Essa forma direta de governo é possível de
executar nos tempos dos meios de comunicação interativos e agregadores. Para
isso, será necessário remover uma série de obstáculos, a começar por aqueles
impostos pelos partidos políticos e pela resistência conservadora à própria
democracia.
Se o regime democrático é o "do povo,
pelo povo e para o povo", por que será que exatamente ele, o povo, não
pode decidir de perto o que lhe interessa, seja por meio de referendos, plebiscitos, grupos de pressão, de decisões e de sugestões, grupos
de intervenções ou organizações de base e de bairro?
*Reinaldo Lobo é
psicanalista e articulista. Tem um blog: imaginarioradical.blogspot. com
Nenhum comentário:
Postar um comentário