Reinaldo Lobo*
O PT
não é mais aquele. Mudou muito nos seus 35 anos de vida. De movimento dos
trabalhadores do ABC, dos intelectuais
de esquerda, de ex-guerrilheiros e de agentes das pastorais católicas, passou a
ser um partido eleitoral e de massas. São 1,5 milhão de filiados, mais de doze
anos no poder, várias crises internas e externas.
Muitas rupturas depois, o partido
da estrela vermelha e do programa de maior coerência ideológica no cenário
democrático brasileiro, encontra-se numa encruzilhada ao mesmo tempo promissora
e perigosa: seguir na trilha eleitoral vitoriosa ou voltar, mesmo
eleitoralmente vencedor, às suas origens programáticas.
Hoje, a militância petista é composta
por funcionários públicos, classes médias, antigos militantes socialistas e
políticos com variados graus de interesses e de princípios. Houve uma alteração
qualitativa em sua composição, mas sobretudo em sua estrutura burocrática.
Dizia o célebre Robert Michels,
sociólogo que estudou a natureza das organizações partidárias e sindicais já no
início do século passado, que há nos partidos uma tendência à centralização e
estratificação de poder. Do seu ponto de vista, isso não significa necessariamente
um mal, mas tem o risco de desvitalizar a luta política e esvaziar o sentido
original dos programas ideológicos. Chamou essa tendência de "lei de ferro da
oligarquização".
A rotinização burocrática conduz à
delegação de poder às chefias, que passam a tomar decisões em comissões e
gabinetes. Funcionários, sobretudo quando o partido está no comando do Estado,
podem ser pessoas que se valem dos pequenos poderes, que se encostam na
estrutura partidária em busca de benefícios e que,às vezes, são tipos medíocres
e corruptos. No entanto, não devemos nos
fiar no mito difundido de que "o poder corrompe".
O
poder não corrompe, revela --como dizia um colega psicanalista, Fábio Herrmann,
já falecido. O corrupto encarapitado em sinecuras pode usá-las, em seu favor e
dos interesses particulares de alguns grupos, simplesmente por ser corrupto ou
ter uma mente corruptível.
O PT tem passado por essas
vicissitudes, não por defeito de origem ou por defender princípios socialistas,
mas por ter-se modificado em direção à política tradicional, às alianças
eleitorais e de classe de um presidencialismo perverso. As chamadas bases de
sustentação dos presidentes impõem alianças absurdas, que petistas e tucanos
acusam-se mutuamente de cometer. Esse é um problema que a Constituição de 1988
não preveniu nem resolveu e que só a proverbial reforma política profunda
poderia solucionar.
A colaboração com governos de transição, a
busca da chamada governabilidade, envolvendo um empresariado e um sistema
social corruptos, levou-o a dissolver sua identidade revolucionária original e
parte de sua natureza diferenciada.
Sempre que criticam o PT, à direita
ou à esquerda, é para dizer que o seu maior defeito foi ter ficado igual aos
outros partidos. Ou seja, há uma desidealização do PT por deixar, em alguns
momentos, de representar uma genuína
opção ética e política "ao que aí está".
Talvez muitos não se dêem conta disso,
mas quando essa crítica parte da direita é auto-contraditória, pois acusam o
partido de deixar de ser diferente justamente daqueles que os conservadores
apóiam: os partidos do sistema. No mínimo, está-se dizendo que temos um sistema
político e uma sociedade corruptos -- o que, pelo menos em parte, é verdade.
O maior desafio do PT neste momento, o
seu dilema existencial, é sobreviver em meio a essa ambigüidade da nossa
República, sem perder a chama que lhe deu força, confiança das massas e poder.
Ninguém pode negar que o PT tem sido o único partido com consistência
ideológica no seu DNA e, principalmente, o mais organizado do País, além de o
mais ativo nas lides sociais.
O seu principal drama é mesmo o pacto
político pela governabilidade com forças muito diferentes dele mesmo. A aliança
com o empresariado, que caracteriza sua moderação continuada e progressiva, é,
ao mesmo tempo, o pólo de equilíbrio da governabilidade e também a fonte das
crises e conflitos constantes repercutidas pela imprensa conservadora. A
pressão é enorme. A mídia desempenha hoje um papel adicional na "desmoralização"
do PT, como se ele fosse a única razão dos descompassos econômicos e da
corrupção endêmica do Estado brasileiro. Sabemos todos que não é assim, e que a
corrupção vem de longe e sempre foi
volumosa. No entanto, tudo "é culpa do PT".
Uma outra característica do Partido dos
Trabalhadores nestes 35 anos de vida foi ter rompido com preconceitos e mitos
históricos em relação aos pobres, às mulheres, aos homossexuais e transgêneros
, aos negros e aos excluídos em geral. Tem combatido o racismo, a homofobia e a
violência contra os jovens. Representa com freqüência o melhor papel em relação
aos Direitos Humanos, estando na origem da luta para a consecução da Comissão
da Verdade, que vasculhou na medida do possível os crimes da Ditadura
civil-militar de 1964.
Se dependesse dos partidos que
expressam os interesses e os pontos -de- vista da "oligarquia liberal",
tudo seria varrido para o mesmo lixo em que muitos órgãos militares jogaram
documentos do período ditatorial.
Não é preciso falar de Lula e de
Dilma, ainda que façam parte da principal força política do PT, e
simbolizem sua existência. Nem dizer que
é necessária uma autocrítica de todo o corpo desse partido, pois isso está
óbvio. Mas o alcance do PT vai além
disso na sociedade brasileira e só será ainda mais vitorioso se der a devida
relevância a um projeto maior do que suas lideranças -- o projeto de uma sociedade cada vez mais democrática,
inclusiva e justa.
Se não for assim, a luz da estrela
vermelha se apaga e, com ela -- não tenham dúvidas disso-- a principal e quase única esperança de milhões
de brasileiros.
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