Reinaldo Lobo
Direita e esquerda
brasileiras estão vivendo um momento delicado. O centro também. É que todos os
lados estão desconfortáveis com a presença de Dilma na presidência. Alguns
prefeririam removê-la. Por motivos e métodos diferentes, claro. Mas ocorre que
essas forças políticas, que não seguem sequer cegamente a "opinião pública",
estão supondo que o problema se localiza na sua permanência no Executivo.
Os mais conservadores adorariam ver
Joaquim Levy livre da presidente para executar sua política econômica. Querem
deixar o Chicago Boy solto a fim de
corrigir a "escorregadinha" brasileira na área, como ele próprio
disse. Outros, mais radicais à direita, dizem que o País está sem governo mesmo,
por incompetência sabem de quem. Então, tanto faz tirar a titular e colocar o
reserva. É a turma do impeachment.
Esses esquecem quem colocou o Levy no
cargo, pois certamente não foi só "o mercado". A decisão presidencial
foi política, refletiu o que as urnas e
metade do país disseram. Uma decisão democrática. O ex-presidente FHC chamou a
atitude de Dilma de uma "cambalhota", talvez para não ter que
elogiar. Pois ele bem que gostaria de ver o Aécio escolher um Joaquim desses.
Quanto à esquerda, dentro e fora do PT,
está perplexa há muitas semanas. O cacique José Dirceu foi quem deixou mais
claro o descontentamento com a tomada de posição surpreendente de Dilma e com
as medidas econômicas decorrentes. Quanto à esquerda fora do PT, já fazia franca
oposição e até se alinhava com a direita em algumas denúncias. Apenas reiterou
as críticas.
Ocorre que a realidade é mais forte do que
as ideologias e está impondo uma complexidade na situação que torna muito
perigosa a simples remoção de Dilma da presidência. É preciso encarar essa
complexidade de frente.
Primeiro, Dilma fez um gesto em direção à
direita ao montar o seu ministério, ignorando as sugestões vindas da esquerda. A
direita não morre de amores por ela, mas derrubá-la, simplesmente, seria abrir
uma crise institucional, afetando outras instâncias democráticas. Provocaria
também uma reação dos sindicatos e dos trabalhadores em geral. Seria uma
profunda crise política, da democracia e da sociedade, somada à crise
econômica.
Dilma
, de fato, não é um Jânio nem um Collor. Tem 1,5 milhão de militantes do mais
organizado partido atrás dela, além de boa parte das classes trabalhadoras.
Segundo, a crise é mais profunda, exige
continuidade e soluções cautelosas. Algumas medidas são mistas: "neoliberais",
mas conservando as conquistas trabalhistas, em paralelo. Todo cuidado é pouco.
Os próprios conservadores, incluindo aí
o seu herói da competência do momento, estão temerosos de um processo de
austeridade muito brutal, pois sabem o que está
acontecendo na Europa.
Uma boa parte da confusão política atual
deve-se aos ecos recentes do discurso eleitoral, reforçado pela presença de um
congresso composto por deputados e senadores retrógrados e oportunistas ( os
"300 picaretas" mais a "vanguarda do atraso"). Ocorre que o
discurso eleitoral foi pautado ideologicamente nos moldes dos anos 60, dos dois
lados. A dicotomia direita-esquerda foi exaltada por ambos os lados da disputa.
A retórica anti-comunista da oposição era
"vintage", ao ponto de até
surgir uma nova direita que pedia o retorno dos militares ao poder. O velho
slogan duplo, contra a corrupção e o comunismo, era repetido até por políticos
sérios dos partidos oposicionistas. Revivemos um pouco a era da Guerra Fria.
Quanto
à esquerda que apoiou Dilma, gastou até à exaustão o discurso contra o
neoliberalismo e as medidas de ajuste fiscal, sendo obrigada agora a engolir
desse amargo remédio, se quiser continuar apoiando o governo da distribuição de
renda e de crescimento com justiça social.
A crise atual não se deve apenas aos erros
do governo ou à fraqueza da oposição, como querem os mais afoitos. São os
mesmos que questionaram a legitimidade da eleição de Dilma. Como disse o ex-ministro
da ditadura, o professor Delfim Neto, insuspeito de esquerdismo, o povo não
votou por ser idiota, mas idiotas são os que pensam assim. As pessoas votaram
em Dilma porque a vida de grande parte da população melhorou muito nos doze
anos de governo "lulo-petista".
Os críticos mais contumazes do governo Lula costumam
repetir que o seu sucesso se deveu a uma "sorte", em função da
conjuntura econômica internacional favorável (preços das commodities, baixa do
dólar, mercado da China, etc.). Ora, o mesmo pode ser dito, em sentido contrário,
sobre o governo Dilma, que pegou uma maré de "azar" internacional,
com as baixas gerais das commodities, recuperação da economia dos EUA, alta do
dólar,etc.)
A realidade econômica e social não pode
ser ignorada em função dos argumentos marcados ideologicamente e das crenças,
sob pena de não sairmos da crise neste 2015. A confusão atual é , em grande
parte, efeito da perda da embocadura na análise, substituída pelo foco único da
ideologia. Está na hora de mirarmos no buraco certo, colocado no seu devido
lugar.
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