Reinaldo Lobo*
Conselho de auto-ajuda de George
Bernard Shaw em seu livro "Socialismo Para Milionários" (hoje,
bilionários) : não desperdicem dinheiro fazendo benemerência, mesmo que seja
uma vantagem junto ao imposto de renda. Ele será mal aplicado, destinado a uns
poucos, às vezes desviado. Se tiver um dinheiro queimando no bolso e quiser "jogar
fora", aplique pelo menos em educação, cujo alcance e reprodução será
maior. Mas, o ideal mesmo, seria usar a verba para mudar progressivamente a
infra-estrutura econômica e social do capitalismo, transformando-o em
socialismo, distribuindo automaticamente a renda entre todos, limitando os
lucros dos ricos, criando impostos decentes e gerando riquezas menos
concentradas nas mãos de alguns privilegiados.
É de duvidar que os muito ricos
seguiram os seus conselhos, exceto talvez aqueles que gostaram da idéia preferencial de investir em educação. Na
maioria dos casos, os bilionários (cerca de um por cento da população mundial,
segundo o economista francês Thomas Piketty) estão acumulando cada vez mais
capital às expensas, às vezes, de um crescimento bem lento das próprias economias de seus países e mesmo em
plena crise ou recessão. Justificam sua
situação afirmando que, ao enriquecerem, estão criando postos de trabalho. O
que é meia verdade, pois também estão criando consumidores de seus produtos e
ampliando o escopo do acúmulo de capital.
A ironia de grandes escritores como Shaw
-- teatrólogo e humorista irlandês, um dos inspiradores do Partido Trabalhista
britânico, da primeira metade do século XX-- deu origem a personagens curiosos
e paradoxais, como o do poeta Fernando Pessoa, o "Banqueiro Anarquista" : um sujeito cínico capaz de sofismar ao ponto
de provar que, mesmo sendo dono de banco, comerciante e açambarcador,
representa o modelo exemplar da política anarquista e libertária. Respeita
,sobretudo, a "liberdade alheia" e, por isso, não ajuda a ninguém,
para que todos possam realizar sozinhos
suas próprias potencialidades. Algo assim com o "banqueiro petista",
que nunca lucrou tanto na vida, mas compreende e defende em teoria a causa dos pobres.
Já Oscar Wilde, igualmente irlandês como
Shaw, disserta com a elegância e o humor habituais em "A Alma do Homem sob
o Socialismo" sobre a crença de que
a individualidade humana correria risco sob um regime socialista e , conclui
que sim, correria perigo -- mas também
poderia ser despida do seu egoísmo,
enriquecida, preservada e tornada mais livre para criar. O principal é
livrar o indivíduo da escravidão de trabalhar para o enriquecimento de outro,
dizia o autor de "O Retrato de Dorian Gray".
No Brasil atual, não chegamos ao socialismo e,
no entanto, já ouvimos algumas pessoas admitirem que a era Lula procurou
diminuir a fome e a miséria, apesar de fazê-lo da "forma errada" e
até de modo a preservar privilégios. Admitem, porém, que avançamos. É alguma
coisa. Apesar do ódio generalizado da classe média contra a ascensão dos sem
terra, dos sem comida, dos sem geladeira nova, dos sem teto e dos sem letras, quem sabe alguns
gatos pingados já aperfeiçoaram um pouco a própria alma?
A tendência dos muito ricos, contudo, é
"naturalizar" a sua situação. É "normal" que existam
pessoas desmedidamente ricas e outras extremamente pobres. O único problema
seria a dificuldade de resolver a
condição dos muito pobres. A ordem
natural das coisas, segundo essa ideologia, é que haja diferença de classes --
e não se questione nunca isso, pois é a "realidade". A questão da
justiça fica reduzida às leis existentes -- fazer o quê, se as leis consagram a
propriedade privada e a "livre" concorrência? Que vença o melhor...
George Bernard Shaw sugere que a questão da
justiça social seja colocada assim, com uma metáfora: "Quando um homem quer
matar um tigre, chama a isto de "esporte". Quando o tigre quer
matá-lo, o homem dá a isto o nome de "ferocidade". A distinção entre
crime e justiça não é maior". Se os trabalhadores sem terra querem um
pedaço do quinhão das grandes propriedades rurais, são criminosos; se os
grandes latifundiários conquistaram seu quinhão pela violência, grilagem ou a
matança de índios, mas detém o papel que
lhes garante a posse, então eles estão com a justiça do seu lado.
A filantropia dos bilionários é, segundo Shaw, apenas uma forma de dispensar os governos de cumprirem o seu dever, isto é,
prover educação, saúde e trabalho ao povo. Gente como Bill Gates, uma das
maiores fortunas do planeta, compensa
privilégios enviando computadores usados para a África e fazendo
contribuições para entidades assistenciais latino-americanas e asiáticas. Neste
caso, o indivíduo foi pressionado pelo imposto de renda e pelas agências
fiscalizadoras de seu país a não concentrar tudo num monopólio internacional.
Ele merece ser rico, por ter tido a intuição genial de formar uma empresa de
informática criativa? Talvez. Mas deveria concentrar o poder econômico e
tecnológico exclusivos em escala mundial? Certamente, não. Monopólio não é
"livre concorrência", como prega a ideologia oficial.
Para que os bilionários aprendessem algo
sobre o socialismo seria necessário, primeiro, que não fossem idolatrados como
faraós e a diferença social não estivesse "naturalizada" na mente das
pessoas. Em segundo lugar, seria preciso que a filosofia dos caçadores de
tigres não prevalecesse e os pobres não fossem apenas chamados de invejosos,
vagabundos ou de criminosos potenciais.
Demais!!
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