quarta-feira, 12 de agosto de 2015

SOCIALISMO PARA BILIONÁRIOS



                                                               Reinaldo Lobo*
           Conselho de auto-ajuda de George Bernard Shaw em seu livro "Socialismo Para Milionários" (hoje, bilionários) : não desperdicem dinheiro fazendo benemerência, mesmo que seja uma vantagem junto ao imposto de renda. Ele será mal aplicado, destinado a uns poucos, às vezes desviado. Se tiver um dinheiro queimando no bolso e quiser "jogar fora", aplique pelo menos em educação, cujo alcance e reprodução será maior. Mas, o ideal mesmo, seria usar a verba para mudar progressivamente a infra-estrutura econômica e social do capitalismo, transformando-o em socialismo, distribuindo automaticamente a renda entre todos, limitando os lucros dos ricos, criando impostos decentes e gerando riquezas menos concentradas nas mãos de alguns privilegiados.
        É de duvidar que os muito ricos seguiram os seus conselhos, exceto talvez aqueles que gostaram da idéia  preferencial de investir em educação. Na maioria dos casos, os bilionários (cerca de um por cento da população mundial, segundo o economista francês Thomas Piketty) estão acumulando cada vez mais capital às expensas, às vezes, de um crescimento bem lento das  próprias economias de seus países e mesmo em plena crise ou recessão.  Justificam sua situação afirmando que, ao enriquecerem, estão criando postos de trabalho. O que é meia verdade, pois também estão criando consumidores de seus produtos e ampliando o escopo do acúmulo de capital.
      A ironia de grandes escritores como Shaw -- teatrólogo e humorista irlandês, um dos inspiradores do Partido Trabalhista britânico, da primeira metade do século XX-- deu origem a personagens curiosos e paradoxais, como o do poeta Fernando Pessoa,  o "Banqueiro Anarquista" :  um sujeito cínico capaz de sofismar ao ponto de provar que, mesmo sendo dono de banco, comerciante e açambarcador, representa o modelo exemplar da política anarquista e libertária. Respeita ,sobretudo, a "liberdade alheia" e, por isso, não ajuda a ninguém, para que todos  possam realizar sozinhos suas próprias potencialidades. Algo assim com o "banqueiro petista", que nunca lucrou tanto na vida, mas compreende e defende em teoria a causa dos pobres.
     Já Oscar Wilde, igualmente irlandês como Shaw, disserta com a elegância e o humor habituais em "A Alma do Homem sob o Socialismo" sobre  a crença de que a individualidade humana correria risco sob um regime socialista e , conclui que sim, correria perigo --  mas também poderia ser despida do seu egoísmo,   enriquecida, preservada e tornada mais livre para criar. O principal é livrar o indivíduo da escravidão de trabalhar para o enriquecimento de outro, dizia o autor de "O Retrato de Dorian Gray".
     No Brasil atual, não chegamos ao socialismo e, no entanto, já ouvimos algumas pessoas admitirem que a era Lula procurou diminuir a fome e a miséria, apesar de fazê-lo da "forma errada" e até de modo a preservar privilégios. Admitem, porém, que avançamos. É alguma coisa. Apesar do ódio generalizado da classe média contra a ascensão dos sem terra, dos sem comida, dos sem geladeira nova, dos  sem teto e dos sem letras, quem sabe alguns gatos pingados já aperfeiçoaram um pouco a própria alma?
     A tendência dos muito ricos, contudo, é "naturalizar" a sua situação. É "normal" que existam pessoas desmedidamente ricas e outras extremamente pobres. O único problema seria a dificuldade de resolver  a condição dos muito pobres.   A ordem natural das coisas, segundo essa ideologia, é que haja diferença de classes -- e não se questione nunca isso, pois é a "realidade". A questão da justiça fica reduzida às leis existentes -- fazer o quê, se as leis consagram a propriedade privada e a "livre" concorrência? Que vença o melhor...
    George Bernard Shaw sugere que a questão da justiça social seja colocada assim, com uma metáfora: "Quando um homem quer matar um tigre, chama a isto de "esporte". Quando o tigre quer matá-lo, o homem dá a isto o nome de "ferocidade". A distinção entre crime e justiça não é maior". Se os trabalhadores sem terra querem um pedaço do quinhão das grandes propriedades rurais, são criminosos; se os grandes latifundiários conquistaram seu quinhão pela violência, grilagem ou a matança de índios, mas detém o papel  que lhes garante a posse, então eles estão com a justiça do seu lado.
    A filantropia dos bilionários é, segundo Shaw, apenas uma forma de dispensar os governos de cumprirem o seu dever, isto é, prover educação, saúde e trabalho ao povo. Gente como Bill Gates, uma das maiores fortunas do planeta, compensa  privilégios enviando computadores usados para a África e fazendo contribuições para entidades assistenciais latino-americanas e asiáticas. Neste caso, o indivíduo foi pressionado pelo imposto de renda e pelas agências fiscalizadoras de seu país a não concentrar tudo num monopólio internacional. Ele merece ser rico, por ter tido a intuição genial de formar uma empresa de informática criativa? Talvez. Mas deveria concentrar o poder econômico e tecnológico exclusivos em escala mundial? Certamente, não. Monopólio não é "livre concorrência", como prega a ideologia oficial.

    Para que os bilionários aprendessem algo sobre o socialismo seria necessário, primeiro, que não fossem idolatrados como faraós e a diferença social não estivesse "naturalizada" na mente das pessoas. Em segundo lugar, seria preciso que a filosofia dos caçadores de tigres não prevalecesse e os pobres não fossem apenas chamados de invejosos, vagabundos ou de criminosos potenciais.

Um comentário: