quinta-feira, 1 de outubro de 2015

ONDE ESTÁ A SAÍDA?



                                                                           Reinaldo Lobo*
         As pessoas estão mais preocupadas com a bunda da Kim Kardashian do que com as brutalidades do Estado Islâmico, afirma a escritora e feminista norte-americana Camille Paglia, o furacão pensante que veio  pela nona vez ao Brasil e deu uma interessante entrevista ao suplemento "Aliás", do Estadão.
        Crítica feroz da alienação da sociedade contemporânea, a autora de "Personas Sexuais", "Vadias" e outros ensaios tão brilhantes quanto polêmicos, Camille Paglia fala como uma metralhadora. Dispara. 
      Seu estilo lembra muito  o daquele filósofo leninista lacaniano, Slavoj Zizek, de origem eslovena,  cujos diagnósticos sobre a contemporaneidade são tão peremptórios e incisivos quanto os dela. Ambos, cada um a seu modo, descrevem as mazelas da modernidade com alguma precisão e muito pessimismo, mas têm dificuldades de apresentar soluções. Diz ela: "Estamos caminhando para a morte, ou melhor, para o suicídio da civilização ocidental.[...] Sinto que a classe média próspera está numa bolha em relação à instabilidade internacional, do terrorismo ".
       A ênfase de Paglia é na critica à tecnologia eletrônica e à realidade virtual, que estariam facilitando por demais a vida da classe média dos países desenvolvidos. Diz ainda mais:
      "As pessoas não querem dificuldades, não querem se sentir deprimidas.E deixam de fazer reflexões importantíssimas. Precisamos reaprender a contemplar a arte para sobrevivermos na era da vertigem. As crianças , principalmente, merecem ser salvas do redemoinho de imagens que hoje fazem a realidade, com suas tarefas e preocupações, parecer uma coisa fútil e menor".
     A caracterização de uma Era da Vertigem pode ser correta. É um dos nomes da época em que vivemos --pós-modernidade, modernidade líquida, sociedade do espetáculo, capitalismo avançado, modernidade singular, etc. A expressão descreve bem a velocidade e a torrente de imagens no meio das quais estamos mergulhados. Somos atravessados por informações e figuras veiculadas por mídias cada vez mais rápidas e perecíveis. Uma figura substitui ou se converte em outra, um novo meio técnico é inventado a cada dia. A imagem de um menino sírio morto numa praia turca "viralizou-se" de tal maneira no mundo inteiro que acolher os refugiados da guerra civil na Síria se tornou ... moda.
    A sociedade da Vertigem funciona assim. Não dá para dizer que estamos numa nova estrutura social diferente do capitalismo, uma vez que permanecemos submetidos ao consumo irrefreável e ao mito do crescimento econômico interminável. Mas existe, sem dúvida, algo que poderíamos chamar de "pós-industrial" nessa era vertiginosa.  Não é mais uma sociedade puramente industrial, onde predominavam as fábricas com aquelas colunas de chaminés fumegantes e o sistema taylorista de trabalho das linhas de produção. Hoje existem empresas que começam a funcionar automatizadas diariamente, apenas com a inserção de um cartão com chip,. Só que continuam essencialmente desiguais os métodos de apropriação dos meios de produção, da renda, da distribuição do capital e das classes sociais.
     Houve algo como uma inversão do esquema da sociedade, onde o saber e a informatização tornaram-se a nova infra-estrutura. Como lembrou o filósofo Michel Serres, a ciência entrou diretamente para o rol da produção e da reprodução do capital.
     Camille Paglia não está especificamente interessada na descrição sócio-econômica dessa nova estrutura, mas em seus efeitos na cultura, que está fragmentada e à deriva. Dirige-se ao público privilegiado da próspera classe média dos países desenvolvidos e adverte com seu prognóstico: esse universo está-se tornando autista e vai-se auto-destruir.
     O remédio que aponta é fraco. Propõe a reflexão como antídoto para essas elites culturais, como se pudessem se interessar por repensar o próprio meio em que afundam. Acha que a única solução é pela arte, isto é, uma nova forma de pensar a arte que poderia nos levar a todos a uma espécie de purificação perceptiva e estética. Essa solução é compreensível numa intelectual que se dedica a ensinar cultura e literatura numa universidade norte-americana. E  que, apesar de gostar da sensualidade brasileira e desta nossa parte do mundo, ainda não parece ter compreendido que o sistema capitalista é ligado à miséria dos outros, não apenas a uma classe média próspera e desenvolvida.
     Sua solução da salvação pela arte é tão simples e ingênua, a meu ver, quanto a fórmula de Slavoj Zizek para resolver as contradições da sociedade ocidental : voltar ao comunismo, por meio de uma mudança do tipo leninista-stalinista. Quem leva isso a sério?

     Fato é que ainda não temos a saída visível para essa sociedade que caminha, é verdade, por sendas perigosas e produz o aumento da alienação, ao lado de invenções tecnológicas extraordinárias. Como dizia um filósofo alemão do século XIX, se tudo o que é sólido desmancha no ar, também é legítimo esperar que o incremento sem igual das forças produtivas leve à criação de um novo mundo. 

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