Reinaldo Lobo*
Nunca na história deste país os
conservadores tiveram tanto público e tantos aplausos. São um sucesso na
imprensa, na TV e até nas ruas. Alguns intelectuais orgulham-se de dizer que
"endireitaram", isto é, foram cada vez mais para a direita. Têm seguidores
e até mesmo "tietes". Fazem palestras pagas nas casas do Saber,
escrevem em jornais, blogs e revistas de massa, são chamados para comentar as
notícias dos telejornais e animam grandes audiências. É um fenômeno novo, que
pode ter explicação.
Os "novos conservadores" parecem fazer
oposição ao "status quo", são verdadeiros representantes de um
movimento contra o "politicamente correto" e culpam a esquerda e o
Estado distributivista, "socialista keynnesiano", pela corrupção e o
déficit das contas públicas.
Não adianta argumentar que a corrupção,
na forma de um velho Sistema Corrupto, sempre existiu em grandes proporções
entre nós, sendo apenas revelada agora.
Ou que o déficit público tem uma história nos governos de direita, sobretudo na
Ditadura. Vão responder rápido : a culpa é do governo do PT.
Num país do Terceiro Mundo, onde a
"intelligentsia" costumava ser
de esquerda, apoiava movimentos sociais e guerrilhas de libertação nacional,
não deixa de ser um tanto surpreendente o sucesso do discurso de ex-stalinistas
convertidos, ex-trotskistas, velhos ideólogos aristocratas, burocratas e
mandarins universitários.
Esses "neoconservadores",
alguns deles bem antigos na praça, fazem questão de aparentar uma revolta
indignada contra o "estabelecido", seja na universidade ou em
qualquer área. Isso é facilitado pelo fato de a direita ter pela primeira vez, além
da audiência, a possibilidade de chegar ao poder com apoio eleitoral.
Um deles, professor de filosofia, não
hesita em se rebelar contra o que chama de hegemonia das Ciências Humanas nas
escolas, lembrando que o Japão, esse exemplo de civilização tecnocrática, está
cortando as humanidades de seu currículo.
Seu
argumento é simples, tão lhano que Sócrates chamaria de mero sofisma: no meio
universitário brasileiro há um grande número de professores que privilegiam o
ensino de Marx e de Foucault, abusando na dose; logo, seria de bom alvitre até
mesmo suprimir, quem sabe, o ensino das Ciências Humanas.
O
raciocínio é tão irresponsável, leviano
e tosco que nem valeria a pena comentar,
não fossem grandes o seu sucesso ideológico e os aplausos vindos do seu público
fascinado. A aparência é de uma rebelião contra o "establishment"
universitário, mas o sentido é o de corroborar os bons e velhos valores
tradicionais acadêmicos, políticos e sociais. É um discurso justificador com
aparência de transgressor. Com todo o
respeito, poderíamos dizer que esse é "um
discurso do poder", citando ... Foucault.
O professor que "endireitou"
tem o direito óbvio de pensar à sua maneira, mas é preciso dizer que está
completamente equivocado no seu diagnóstico sobre as Ciências Humanas e o seu
ensino -- de cujo mandarinato, aliás, faz parte. Não conhece ou prefere ignorar
a história da universidade brasileira. Além disso, sua retórica tenta confirmar
um mito da cultura tecnológica contemporânea segundo o qual as humanidades e as
artes seriam um desperdício de tempo.Esse mito é fundado num valor de segunda classe
-- o da eficiência a qualquer preço. Tudo o que funciona -- leia-se: dá
resultados "produtivos" ou "econômicos" -- é bom.
A explicação para o sucesso dessa
conversa da "nova direita", reforçada pelas confusas manifestações do
anti-petismo das classes médias, deve ser buscada em duas áreas diferentes : a
da própria luta pela hegemonia intelectual na universidade e pela onda de
moralismo oportunista que tomou conta dos meios de comunicação de massas no
país.
A opinião pública vem sendo preparada
cuidadosamente nos últimos anos pelas revistas, internet , rádio e TV, para
odiar o pensamento crítico, a distribuição de renda e a igualdade de direitos
humanos. As campanhas anti-intelectualistas são tão sistemáticas como aquelas contra a
"ascensão da classe C" , a "preferência pelos pobres" , a
presença de cubanos e estrangeiros no Brasil. Estão em moda na mídia há pelo menos uma década e meia.
Um conhecido jornalista "neoconservador" fez, recentemente, pregações
abertas em favor de um livro
pseudo-sociológico intitulado "Em defesa do preconceito".
Os setores intelectuais da direita, que
sempre foram minoritários e indigentes nas universidades, apropriaram-se agora
da linguagem transgressiva da ... esquerda,
como se esta existisse, por sinal, de modo uniforme e unívoco. Falam
hoje como "rebeldes" para serem ouvidos, inclusive pela juventude.
Inverteram o sinal ideológico da crítica, para ver se isso "pegava" .
Pegou.
Não
se ouve nenhuma fala abertamente
"machista" oriunda dessa direita, mas uma linguagem que se
apresenta "contra a dominação" da fala feminista na mídia.
Apresenta-se contrária ao "abuso do feminismo" e à sua pregação
"exagerada". Também não há nenhum ataque direto aos negros e a seus
movimentos, mas um combate contra o "racismo ao contrário" que
partiria dos próprios negros.
Todos conhecem a arenga contra o
sistema de cotas nas universidades, que seria "injusto" com os que
merecem por "legítimo" desempenho escolar, que seria um "privilégio"
dos negros e pardos e que a seleção seria falha , contemplando pessoas de
"cor duvidosa". Com isso, oculta-se a injustiça histórica contra os
negros, a desigualdade de classes e de educação que os atinge principalmente.
O efeito ideológico e político dessa
"rebeldia" conservadora é engrossar os números da massa que sai às
ruas para "protestar" contra a corrupção e insuflar, paradoxalmente,
o imaginário dos que pedem uma "profunda transformação" no país : a
volta à Ditadura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário