quarta-feira, 7 de outubro de 2015

OS FALSOS REBELDES

                                     

                                                                 Reinaldo Lobo*

        Nunca na história deste país os conservadores tiveram tanto público e tantos aplausos. São um sucesso na imprensa, na TV e até nas ruas. Alguns intelectuais orgulham-se de dizer que "endireitaram", isto é, foram cada vez mais para a direita. Têm seguidores e até mesmo "tietes". Fazem palestras pagas nas casas do Saber, escrevem em jornais, blogs e revistas de massa, são chamados para comentar as notícias dos telejornais e animam grandes audiências. É um fenômeno novo, que pode ter explicação.
        Os "novos conservadores" parecem fazer oposição ao "status quo", são verdadeiros representantes de um movimento contra o "politicamente correto" e culpam a esquerda e o Estado distributivista, "socialista keynnesiano", pela corrupção e o déficit das contas públicas.
       Não adianta argumentar que a corrupção, na forma de um velho Sistema Corrupto, sempre existiu em grandes proporções entre nós,  sendo apenas revelada agora. Ou que o déficit público tem uma história nos governos de direita, sobretudo na Ditadura. Vão responder rápido : a culpa é do governo do PT.
       Num país do Terceiro Mundo, onde a "intelligentsia"  costumava ser de esquerda, apoiava movimentos sociais e guerrilhas de libertação nacional, não deixa de ser um tanto surpreendente o sucesso do discurso de ex-stalinistas convertidos, ex-trotskistas, velhos ideólogos aristocratas, burocratas e mandarins universitários.
      Esses "neoconservadores", alguns deles bem antigos na praça, fazem questão de aparentar uma revolta indignada contra o "estabelecido", seja na universidade ou em qualquer área. Isso é facilitado pelo fato de a direita ter pela primeira vez, além da audiência, a possibilidade de chegar ao poder com apoio eleitoral.
     Um deles, professor de filosofia, não hesita em se rebelar contra o que chama de hegemonia das Ciências Humanas nas escolas, lembrando que o Japão, esse exemplo de civilização tecnocrática, está cortando as humanidades de seu currículo.
     Seu argumento é simples, tão lhano que Sócrates chamaria de mero sofisma: no meio universitário brasileiro há um grande número de professores que privilegiam o ensino de Marx e de Foucault, abusando na dose; logo, seria de bom alvitre até mesmo suprimir, quem sabe, o ensino das Ciências Humanas.
        O raciocínio é tão  irresponsável, leviano e tosco  que nem valeria a pena comentar, não fossem grandes o seu sucesso ideológico e os aplausos vindos do seu público fascinado. A aparência é de uma rebelião contra o "establishment" universitário, mas o sentido é o de corroborar os bons e velhos valores tradicionais acadêmicos, políticos e sociais. É um discurso justificador com aparência de transgressor. Com  todo o respeito, poderíamos dizer  que esse é "um discurso do poder", citando ... Foucault.
       O professor que "endireitou" tem o direito óbvio de pensar à sua maneira, mas é preciso dizer que está completamente equivocado no seu diagnóstico sobre as Ciências Humanas e o seu ensino -- de cujo mandarinato, aliás, faz parte. Não conhece ou prefere ignorar a história da universidade brasileira. Além disso, sua retórica tenta confirmar um mito da cultura tecnológica contemporânea segundo o qual as humanidades e as artes seriam um desperdício de tempo.Esse mito é fundado num valor de segunda classe -- o da eficiência a qualquer preço. Tudo o que funciona -- leia-se: dá resultados "produtivos" ou "econômicos" -- é bom.
       A explicação para o sucesso dessa conversa da "nova direita", reforçada pelas confusas manifestações do anti-petismo das classes médias, deve ser buscada em duas áreas diferentes : a da própria luta pela hegemonia intelectual na universidade e pela onda de moralismo oportunista que tomou conta dos meios de comunicação de massas no país.
     A opinião pública vem sendo preparada cuidadosamente nos últimos anos pelas revistas, internet , rádio e TV, para odiar o pensamento crítico, a distribuição de renda e a igualdade de direitos humanos. As campanhas anti-intelectualistas são tão  sistemáticas como aquelas contra a "ascensão da classe C" , a "preferência pelos pobres" , a presença de cubanos e estrangeiros no Brasil. Estão em  moda na mídia há pelo menos uma década e meia. Um conhecido jornalista "neoconservador" fez, recentemente, pregações abertas em favor de um  livro pseudo-sociológico intitulado "Em defesa do preconceito".
       Os setores intelectuais da direita, que sempre foram minoritários e indigentes nas universidades, apropriaram-se agora da linguagem transgressiva da ... esquerda,  como se esta existisse, por sinal, de modo uniforme e unívoco. Falam hoje como "rebeldes" para serem ouvidos, inclusive pela juventude. Inverteram o sinal ideológico da crítica, para ver se isso "pegava" . Pegou.
        Não se ouve nenhuma fala abertamente  "machista" oriunda dessa direita, mas uma linguagem que se apresenta "contra a dominação" da fala feminista na mídia. Apresenta-se contrária ao "abuso do feminismo" e à sua pregação "exagerada". Também não há nenhum ataque direto aos negros e a seus movimentos, mas um combate contra o "racismo ao contrário" que partiria dos próprios negros.
        Todos conhecem a arenga contra o sistema de cotas nas universidades, que seria "injusto" com os que merecem por "legítimo" desempenho escolar, que seria um "privilégio" dos negros e pardos e que a seleção seria falha , contemplando pessoas de "cor duvidosa". Com isso, oculta-se a injustiça histórica contra os negros, a desigualdade de classes e de educação que os atinge principalmente.

         O efeito ideológico e político dessa "rebeldia" conservadora é engrossar os números da massa que sai às ruas para "protestar" contra a corrupção e insuflar, paradoxalmente, o imaginário dos que pedem uma "profunda transformação" no país : a volta à Ditadura.

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