Reinaldo Lobo*
Foi um norte-americano, Thomas Skidmore,
quem estudou o autoritarismo brasileiro a partir do esquema: "os que estão
dentro" e os que "são de fora". Esse cientista político viveu
vários anos no Brasil, acompanhou todo o período ditatorial e também o advento
da Nova República, e descobriu um sistema inteiro de poder implícito, informal,
quase invisível, mas muito operativo entre nós. A fórmula é interessante para
entender nossa atual - e grande- crise política.
Ao longo de nossa história desde, pelo
menos, o Império, Skidmore detectou um bloco interno da oligarquia dominante,
que impede solavancos e instabilidade no
seu domínio. E auxilia sua recuperação das crises.Esse grupo é representado de
forma variável por diferentes partidos e líderes. Na República Velha, antes de
1930, eram os governadores provinciais e presidentes nacionais sucessivos sob a
égide dos barões do café e fazendeiros, aos quais foram acrescidos, aos poucos,os
emergentes industriais e, claro, os banqueiros. O grupo dominante "de dentro" eram
os políticos mineiros e paulistas, a fórmula do "café com leite".
O gaúcho Getúlio Vargas, revolucionário de
30, veio "de fora" ao lado de gente como o convertido ao comunismo
Luiz Carlos Prestes. Ambos, além da burguesia e da pequena burguesia
ascendentes, trouxeram a questão do trabalho e dos trabalhadores.
Getúlio, que pertencia a um filão da
oligarquia rural, aliou-se a setores
"de dentro", mas surrupiou dos comunistas e socialistas a bandeira do
trabalho e criou o "trabalhismo", inspirado em parte no fascismo e
também na social democracia européia. Procurou conciliar o empresariado, então
ascendente, e a classe trabalhadora, mostrando um traço sociológico
característico do populismo. Populismo, aliás, que é uma forma de dominação e
não de transformação.
O trabalhismo foi apenas tolerado
pelos "de dentro" do núcleo
férreo da oligarquia dominante. A presença de Getúlio foi combatida com vigor
por várias frações oligárquicas, durante décadas. E todos conhecem a história
que culminou no "mar de lama"
criado pelos militares e Carlos Lacerda na República golpista do Galeão, com
processos investigativos que inspirariam os sumários IPMs da Ditadura Militar,
que foi o Estado Novo udenista.
Após a morte de Getúlio, o bloco dominante
"de dentro" , constituído politicamente pela UDN, o oportunista PSD
mineiro e vários partidos satélites, não parou de perseguir o caminho do golpe
contra qualquer resquício de trabalhismo. Até o liberal Juscelino Kubitschek,
ao aliar-se a João Goulart no caminho da presidência e aos militares nacionalistas
que impediram o cancelamento de sua posse, foi posto para fora do bloco dos "virtuosos"
conservadores brasileiros -- que nada tinham de virtuosos em suas ações entre
amigos no interior de seu núcleo.
O trabalhismo e a tomada de posição pelos
trabalhadores passaram a ser o sinal maldito que deixava "de fora"
das elites oligárquicas qualquer político ou partido. Por outro lado, os trabalhistas
do PTB e alguns do seus aliados circunstanciais, o populismo ademarista, os comunistas e
outros, cuidaram de formar seu próprio bloco. Chegaram ao poder com Jango em
meio a uma crise violenta, provocada pelo populista que se aliara aos poderosos
"de dentro", Jânio, e que tentou um golpe bonapartista, acima das
classes e das diferenças ideológicas. Queria-- megalomaniacamente, diga-se--
ser uma espécie de Nasser ou de Nehru, líderes autoritários
"neutralistas" na Guerra Fria. Jânio fracassou porque emitiu uma
mensagem ambígua para os "de dentro" e os "de fora" do
sistema dominante.
Quando Lula foi eleito em 2002, acenou
com concessões políticas e econômicas para os poderosos, a fim de passar por
dócil o seu "novo sindicalismo", uma versão pós-ditadura e
pós-modernista do trabalhismo. Lula começou combatendo o peleguismo getulista,
estava ,portanto, com autoridade para negociar não só com o patronato, mas com
as raposas políticas herdeiras do bloco anti-trabalhista, como os do DEM, do
PMDB e -- last but not...-- a nova face da UDN, o PSDB.
Lula tinha plena consciência de que
fariam de tudo para varrê-lo para fora do bloco de poder, assim como sua
sucessora, Dilma, pelos mesmos meios da desmoralização e dos IPMs. Agora, ao
modo da Nova República.
A caça a Lula e ao PT foi adiada uma década em função do sucesso do
modelo econômico duplo, de inclusão social e de crescimento econômico, que
deixou satisfeitos a burguesia, as multi, os ruralistas e os banqueiros. Somadas
às práticas "informais" rotineiras no sistema dos "de
dentro", adotadas pelo PT para ser aceito, sobreviver e fazer sua política
dupla de mudança e acomodação, o trabalhismo "lulopetista" (como o chamam seus inimigos) até que tem
durado bastante, com manobras cada vez mais conciliatórias.
O PT
aderiu, de várias formas, ao sistema que não o quer e adotou todos os métodos
de ação da rotina de relação incestuosa entre poder político e empresariado,
sobretudo desde a Ditadura Militar, que, neste sentido, prossegue na Nova
República.
A crise política, agravada por uma crise
econômica real e pelo terrorismo econômico do empresariado ameaçado pelas
investigações apoiadas por Dilma, que lhes tirou a "imunidade"
histórica, chegou ao seu ponto máximo, ao paroxismo. A onda conservadora
latino-americana (e norte-americana) que avança contra todos os governos
populares da última década empurra ainda mais o governo Dilma para a defensiva
na guerra de vida e de morte.
Nos
últimos dias, os combates se aguçaram, Dilma tenta as últimas táticas, chamou
Ciro Gomes, mais ativo e agressivo que seus ministros, para se aconselhar e
partiu para o ataque contra a tropa de choque de Eduardo Cunha e seu chefe no
PMDB, Temer. Não vai ser fácil, a imprensa cuida para não deixar de enfocar as
denúncias em Lula e pedir que a classe média participe nas ruas. Mas a
população parece enojada também com os métodos dos representantes do bloco
hegemônico dos "de dentro", que se tornaram públicos demais. A guerra
não é moral, mas política. Só que a classe média está perplexa com o que tem
descoberto. Pode estar dividida politicamente por isso.
O golpe, se consumado, virá por cima
partindo em bloco dos "de
dentro" da oligarquia neoliberal, incluída aí a mídia conservadora.Foi
como aconteceu no Paraguai, ainda que mais sorrateiramente e nas suas
proporções. Nossa oligarquia tem vergonha de seguir o "modelo" do
Paraguai -- que dominam, estão imitando e,ao mesmo tempo, desprezam.
Só não somos parecidos com o Paraguai por
termos um movimento social, sindicatos, militâncias e lideranças no Nordeste suficientemente fortes
e grandes para reagir a um golpe...paraguaio. Quem viver, verá.
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