Reinaldo Lobo*
Vários são veganos e naturalistas, como
os antigos anarquistas. Andam de bicicleta e combatem a cultura do automóvel.
Dizem que a era dos combustíveis fósseis acabou, lutam pela preservação das
reservas florestais e ecológicas, pela humanização das cidades e a
sustentabilidade. Não se limitam a praticar esportes e se manterem “fit”; sua
energia é canalizada para causas sociais e culturais. Lembram um pouco os
antigos hippies, alguns vivem fora do perímetro urbano, mas muitos trabalham
nas cidades como a maioria das pessoas.
Aos poucos, vai surgindo no Brasil uma
geração preocupada em dar um uso vital e humano aos espaços públicos, como
salvar praças, destiná-las às crianças, aos idosos e à convivência. Em lugar de
muros, preferem pontes – para citar a sugestão do Papa Francisco. Em lugar dos
congestionamentos de trânsito, da poluição do ar e da falta de mobilidade,
preferem andar a pé ou de metrô, valorizando o transporte público. Lutam pela
energia eólica, os mananciais e fontes alternativas. São os campeões da
reciclagem e do reaproveitamento da água.
Alguns críticos ainda repetem a tolice
de que esses são os “ecochatos”. Não são. Preparam o futuro.
As próprias crianças, educadas na época
do pós-fumo, da condenação dos cigarros de tabaco e dentro de uma consciência
levemente ecológica, vão exigindo condutas dos pais, como se os educassem e,
devagar, engrossarão as fileiras dessa militância discreta e menos eufórica do
ponto de vista ideológico.
A consciência de estarmos perdendo a
camada da atmosfera em que respiramos e vivemos impõe uma mudança de
comportamento. Isso vai além dos partidos políticos e das causas tradicionais –
o que não significa que outras lutas perderam o sentido, como, por exemplo, a
dos Direitos Humanos. Curiosamente, essa nova geração de militantes é também
tolerante com a diversidade de gêneros, as diferenças de opiniões e intolerante
com a corrupção da política tradicional. Calcula-se que existam cerca de dois
milhões de militantes sociais desse tipo no País.
Como a mudança se passa na esfera dos
comportamentos, é uma política relativamente silenciosa. Não faz alarde. Produz
eventos, maratonas, apelo à saúde e ao bem-estar das pessoas, o que implica em
reivindicações e crítica do caráter destrutivo da economia de consumo.
Uma dessas críticas consiste em apontar a
superficialidade, a banalização e a robotização dos consumidores. Algumas
intervenções dessa nova militância, como as atividades ao lar livre num país
ensolarado são uma denúncia direta dos shopping centers espalhados pela febre
do consumo, cuja iluminação artificial em pleno dia cria ambientes de
desperdício, clausuras de aprisionamento com foco exclusivo na sedução das
compras. Num país como o nosso, cheio de Sol em todos os quadrantes, chega a
ser bizarro que tenhamos tantos shoppings escuros e fechados, gastando energia
preciosa durante o dia em ambientes concentracionários.
Nas grandes cidades, como São Paulo,
Rio, Porto Alegre, Salvador, etc., as praças públicas deterioram, entregues às
vezes ao uso do crack e à ocupação dos sem teto. Os carros passam com
motoristas apressados e indiferentes, pois a civilização do automóvel ignora os
espaços públicos de virtual convivência. É verdade que os grandes problemas sociais
agravam a situação, mas a condescendência geral nos informa: enquanto as
desigualdades não forem corrigidas, nada mudará. É uma meia verdade.
Se nada for feito pela política e as
autoridades, ficaremos esperando uma revolução geral, por enquanto utópica. As
praças e as pessoas estarão do mesmo jeito. Geralmente, nada é feito. A própria
esquerda criticou o prefeito Haddad de São Paulo por priorizar pedestres e
bicicletas, enfrentado pela primeira vez a cultura do automóvel. Quanto à
direita, estava no seu papel de detonar tudo o que viesse de uma política da
esquerda, sobretudo do PT, uma vez que sua visão de mundo prioriza a
eficiência, a produção, o lucro, o empreendedorismo e a rapidez de resultados.
O novo prefeito de São Paulo, João Dória
Jr., percebeu essa falha da direita em se restringir a uma visão conservadora e
procura combinar espertamente o empreendedorismo com uma tentativa de dar uma
face humana. Como é uma política contraditória, que começou negando a ousadia
de Haddad, premiada e elogiada internacionalmente, sua maquiagem de São Paulo ainda
não se definiu, esbarrando na atitude equivocada de pintar de cinza os muros
onde havia verdadeiras obras de arte em grafites. São Paulo era considerada uma
das cidades com os melhores grafites no mundo, junto com Barcelona e Nova York.
A característica principal da outra militância
surgida no País são as ações sociais e ecológicas concretas, sem fazer
ideologia disso. A crítica está no gesto, não no discurso. Não se propõe a
traçar programa eleitoral ou tomar o poder. Como é --digamos-- uma política de
baixo para cima, questionando as autoridades, age por atitudes críticas
específicas e tem a tolerância da mídia conservadora. Atua na esfera da
sociedade civil, mas não é privatista, uma vez que combate por melhores usos do
espaço público e pela solidariedade comunitária.
Penso que essas ações, principalmente da
juventude, ajudam a instaurar uma nova estrutura ética na organização da
sociedade, que assim não se limitará a políticos de vários matizes, sobretudo
os corruptos. Devagar, bem devagar, vai-se criando uma postura educativa
positiva que pode, um dia, tornar-se hegemônica. O italiano Antônio Gramsci
aprovaria.
Seria muito triste e pouco inteligente se
todos os que se acham progressistas se limitassem a julgar ingênua, inconsequente
ou ideologicamente equivocada essa outra geração espontaneamente contestadora,
acreditando -- aí sim, erradamente-- que a mudança só se faz com sindicatos,
barricadas ou mimeógrafos, como no passado.
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