Reinaldo Lobo
Três tiros certeiros no peito. A mulher
sacou rápido a arma da bolsa e o assaltante não teve sequer tempo de perceber o
que se passava. Caiu gemendo de dor e morreria depois no hospital, tal a
precisão da “mãe PM” à paisana, que atirou na frente de sua filha e de outras
crianças na porta da escola, quando iam para uma cerimônia de homenagem pelo
Dia das Mães.
Aparentemente, o assaltante queria levar
a bolsa de uma ou de várias mães paradas na frente do portão da escola,
esperando que abrisse. Por sua ação eficiente no combate ao crime, o novo
governador de São Paulo, Márcio França, deu um prêmio em cerimônia pública, na
frente da imprensa, para a cabo Kátia Sastre.
A maior autoridade do Estado legitimou e
exaltou um ato de violência, que considerou “legítima defesa”. As perguntas e
as discussões que se seguiram ao evento, muito comum na Grande São Paulo,
giraram em torno da “mãe PM”, se ela agiu certo, se foi mesmo legítima defesa,
por que atirou no seu dia de folga ou se ela não exagerou nos tiros, pondo em
risco a vida das crianças presentes.
O foco das perguntas não deveria ser a
ação da “mãe PM”, mas a atitude das autoridades legitimando a violência.
Será que o melhor caminho é dar exemplo às
crianças de que é preciso “matar bandidos”?
É necessário legitimar o uso de armas de
fogo como melhor meio para proteger os cidadãos de bem?
A violência deve ser respondida
preferencialmente com mais violência por parte das autoridades e premiar a
execução sumária?
Por ser véspera do Dia das Mães a ação de
uma “mãe PM “ não precisa ter inquérito
e ser imediatamente louvada por um político à procura dos votos da classe média
ameaçada?
Essas questões fazem pensar não só no
momento pelo qual passa nosso País, mas também na forma de combater a
violência. Se adotarmos a política do slogan “bandido bom é bandido morto”, que
aliás já é praticada nas periferias e nos morros das grandes cidades, nós não
estaremos assumindo que há uma guerra civil entre os que possuem bens e aqueles
que quase nada possuem?
A violência é contagiosa, psíquica e
socialmente. Não é por acaso que existem tantos filmes e séries de ação onde a vingança,
o ódio e a retribuição de agressão é feita por heróis que cometem , eles
próprios, crimes tão ou mais brutais do que aqueles sofridos pelos personagens
ou pela sociedade. Esses filmes e séries liberam emoções reprimidas e funcionam
como uma espécie de vacina contra o contágio da violência real.
Num plano sublimado, as cenas de violência
do cinema são uma prevenção. Mas, mesmo nesse plano, o grau crescente de
virulência na arte pode induzir mentes frágeis à imitação e à ação. A cena da
PM Kátia matando o assaltante bem poderia fazer parte de um desses filmes.
A violência deve sua efetividade e
virulência contagiante à aparência de justificação, que a torna realmente
epidêmica O terrorismo funciona assim, por contágio e imitação, sob o signo de
uma religião ou ideologia que o apresenta como legítimo e justificável.
O que se sente justificado como
antiviolência é também violência. Proibida como delito, ela é prescrita como
sanção e punição ao crime. As justificativas geram e fazem progredir aquilo que
se quer negar e esconder: a própria violência. A sua legitimação utiliza a
trama das denominações e racionalizações, como “legítima defesa”, “direito
natural”, “serviços a causas mais elevadas”, “objetivos superiores”, a “Pátria”
e o “dever”.
Muitas vezes, a negação ou a repressão
da própria agressividade, projetada no inimigo, torna mais fácil que se
acredite estar praticando o contrário da violência, apenas uma defesa
necessária. Sente-se, nesses casos, que se está combatendo o bom combate contra
a “verdadeira” violência. Hitler sempre
justificou sua busca pelo “espaço vital” para a “raça ariana” invadindo países
que teriam cometido algum tipo de agressão, real ou inventada, contra a
Alemanha nazista.
No Brasil atual, onde o ódio de classes
e entre partidos políticos têm-se exacerbado, bem como a guerra entre os
“moralmente puros” e os “corruptos”, é preciso refletir sobre a natureza da
violência. Nem toda agressão, em sua gradação que vai do bate-boca ao sarcasmo
e desprezo, é violência, mas toda violência é agressão em seu grau extremo.
Quem mata um assaltante está agindo em
“defesa da sociedade”, mas está também ensinando as crianças que o único
caminho para defender a sociedade é a morte do outro.
É preciso perguntar se a violência, que
se apresenta simples e bruta, só pode ser enfrentada de uma forma
simplificadora e igualmente bruta. Se ela é simples, talvez a solução não seja
simples, mas complexa. A complexidade não pode ser reduzida agressivamente, sob
pena de gerar mais brutalidade e não simplicidade.
A solução para a violência talvez
implique em buscar as raízes dela, suas ramificações na alma humana e na
sociedade.
A educação violenta para induzir a paz e
a redução da agressividade pode criar um sistema metódico de brutalidade e
crime. Ensinar que é permitido matar
bandidos, como costumavam fazer, e ainda fazem, o BOPE e a ROTA, pode ajudar a
eliminar seres humanos , mas não a violência.
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