quarta-feira, 16 de maio de 2018

LIÇÃO DE VIOLÊNCIA




                                                          Reinaldo Lobo

      Três tiros certeiros no peito. A mulher sacou rápido a arma da bolsa e o assaltante não teve sequer tempo de perceber o que se passava. Caiu gemendo de dor e morreria depois no hospital, tal a precisão da “mãe PM” à paisana, que atirou na frente de sua filha e de outras crianças na porta da escola, quando iam para uma cerimônia de homenagem pelo Dia das Mães.
      Aparentemente, o assaltante queria levar a bolsa de uma ou de várias mães paradas na frente do portão da escola, esperando que abrisse. Por sua ação eficiente no combate ao crime, o novo governador de São Paulo, Márcio França, deu um prêmio em cerimônia pública, na frente da imprensa, para a cabo Kátia Sastre.
      A maior autoridade do Estado legitimou e exaltou um ato de violência, que considerou “legítima defesa”. As perguntas e as discussões que se seguiram ao evento, muito comum na Grande São Paulo, giraram em torno da “mãe PM”, se ela agiu certo, se foi mesmo legítima defesa, por que atirou no seu dia de folga ou se ela não exagerou nos tiros, pondo em risco a vida das crianças presentes.
     O foco das perguntas não deveria ser a ação da “mãe PM”, mas a atitude das autoridades legitimando a violência.
     Será que o melhor caminho é dar exemplo às crianças de que é preciso “matar bandidos”?
     É necessário legitimar o uso de armas de fogo como melhor meio para proteger os cidadãos de bem?
     A violência deve ser respondida preferencialmente com mais violência por parte das autoridades e premiar a execução sumária?
      Por ser véspera do Dia das Mães a ação de uma “mãe PM “ não precisa  ter inquérito e ser imediatamente louvada por um político à procura dos votos da classe média ameaçada?
      Essas questões fazem pensar não só no momento pelo qual passa nosso País, mas também na forma de combater a violência. Se adotarmos a política do slogan “bandido bom é bandido morto”, que aliás já é praticada nas periferias e nos morros das grandes cidades, nós não estaremos assumindo que há uma guerra civil entre os que possuem bens e aqueles que quase nada possuem?
      A violência é contagiosa, psíquica e socialmente. Não é por acaso que existem tantos filmes e séries de ação onde a vingança, o ódio e a retribuição de agressão é feita por heróis que cometem , eles próprios, crimes tão ou mais brutais do que aqueles sofridos pelos personagens ou pela sociedade. Esses filmes e séries liberam emoções reprimidas e funcionam como uma espécie de vacina contra o contágio da violência real.
     Num plano sublimado, as cenas de violência do cinema são uma prevenção. Mas, mesmo nesse plano, o grau crescente de virulência na arte pode induzir mentes frágeis à imitação e à ação. A cena da PM Kátia matando o assaltante bem poderia fazer parte de um desses filmes.
     A violência deve sua efetividade e virulência contagiante à aparência de justificação, que a torna realmente epidêmica O terrorismo funciona assim, por contágio e imitação, sob o signo de uma religião ou ideologia que o apresenta como legítimo e justificável.
      O que se sente justificado como antiviolência é também violência. Proibida como delito, ela é prescrita como sanção e punição ao crime. As justificativas geram e fazem progredir aquilo que se quer negar e esconder: a própria violência. A sua legitimação utiliza a trama das denominações e racionalizações, como “legítima defesa”, “direito natural”, “serviços a causas mais elevadas”, “objetivos superiores”, a “Pátria” e o “dever”.
       Muitas vezes, a negação ou a repressão da própria agressividade, projetada no inimigo, torna mais fácil que se acredite estar praticando o contrário da violência, apenas uma defesa necessária. Sente-se, nesses casos, que se está combatendo o bom combate contra a “verdadeira” violência.  Hitler sempre justificou sua busca pelo “espaço vital” para a “raça ariana” invadindo países que teriam cometido algum tipo de agressão, real ou inventada, contra a Alemanha nazista.
       No Brasil atual, onde o ódio de classes e entre partidos políticos têm-se exacerbado, bem como a guerra entre os “moralmente puros” e os “corruptos”, é preciso refletir sobre a natureza da violência. Nem toda agressão, em sua gradação que vai do bate-boca ao sarcasmo e desprezo, é violência, mas toda violência é agressão em seu grau extremo.
       Quem mata um assaltante está agindo em “defesa da sociedade”, mas está também ensinando as crianças que o único caminho para defender a sociedade é a morte do outro.
        É preciso perguntar se a violência, que se apresenta simples e bruta, só pode ser enfrentada de uma forma simplificadora e igualmente bruta. Se ela é simples, talvez a solução não seja simples, mas complexa. A complexidade não pode ser reduzida agressivamente, sob pena de gerar mais brutalidade e não simplicidade.
        A solução para a violência talvez implique em buscar as raízes dela, suas ramificações na alma humana e na sociedade.
       A educação violenta para induzir a paz e a redução da agressividade pode criar um sistema metódico de brutalidade e crime.  Ensinar que é permitido matar bandidos, como costumavam fazer, e ainda fazem, o BOPE e a ROTA, pode ajudar a eliminar seres humanos , mas não a violência.

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