Reinaldo Lobo
O eleitor não existe. Há eleitores, no
plural. Pertencem a classes sociais diferentes, têm sonhos e aspirações distintas,
alguns professam uma ideologia propriamente dita, expressam raivas,
ressentimentos, visão-de-mundo e expectativas diversas. Os chamados analistas
políticos costumam, às vezes, juntar tudo sob um mesmo rótulo e tentam entender
as diversidades pelas pesquisas de opinião, hoje mais científicas do que no
passado, mas ainda falhas.
Em 2014, várias sondagens davam como
vencedor Aécio Neves, que perdeu no seu próprio Estado e, de fato, quase ganhou
em escala nacional. Foi apontado o fator Nordeste, o que também não é simples,
pois o voto dos nordestinos não é homogêneo. Aí, um dado decisivo foi a saída
do pernambucano Eduardo Campos da corrida presidencial. Outro ponto foi a
sombra do ex-presidente Lula, de origem nordestina, catalisando votos em favor
de Dilma Rousseff.
Hoje, as disposições psíquicas dos
eleitores variam nas diferentes classes e regiões, mas existem elementos comuns
de desconfiança, de descrédito dos políticos e de completo realismo – quase
cinismo— provocado pela crise econômica e o desencanto generalizados.
O fator Lava Jato impera nas eleições
deste ano de modo a produzir escolhas que variam da busca da “pureza” na
política até uma certa complacência em relação a políticos alvejados pela
Justiça, mas cuja história está registrada na memória de muitos eleitores como
aqueles que deram algo novo à população –isto é, os que fizeram efetivamente alguma coisa que
beneficia as maiorias mais pobres do País.
A complacência aparece com clareza no
caso de Lula, a maior surpresa destas eleições estranhas, uma vez que está
preso, mas ganharia no primeiro turno segundo as pesquisas mais recentes.
Depois de vários anos de desconstrução de sua imagem de líder popular, seu
registro quase “de protesto” no TSE --
uma espécie de anticandidato, na forma de desobediência civil--, deixa muitos
eleitores confusos e perplexos, mas também demonstra que o seu eleitorado registrou
na memória a fase de crescimento econômico, de pleno emprego e de distribuição
de renda, e entendeu perfeitamente sua mensagem.
Houve uma desidealização geral da
atividade política na mente dos eleitores, mas que deu lugar aos poucos a um
maior realismo numa fatia significativa do eleitorado. O ódio surgido a partir
de 2013 levou às ruas uma classe média
que se sentia ameaçada pela “ascensão” dos mais pobres e que saiu em passeatas
repercutidas com barulho pela imprensa Foi
a origem do antipetismo militante que desembocaria nas vitórias eleitorais
municipais do tucanato e do MDB há dois anos e meio, e ,agora, na candidatura
do militar fascista.
Na cabeça dos eleitores de classe média,
eliminar definitivamente o PT é um objetivo prioritário. Esses são os mais
decepcionados com as pesquisas neste momento. A força simbólica da figura de
Lula não deu espaço para candidaturas que expressariam o “novo”, isto é, a
anticorrupção, a moral, os bons costumes e o anticomunismo, tradicionais
“princípios” das frações que apoiaram um dia o golpe de 1964 e hoje pediriam,
em última instância, intervenção militar.
Os petistas costumam incluir nessa
categoria de eleitores os juízes e procuradores que condenaram celeremente o
ex-presidente Lula. Em parte, podem ter razão. Mas esquecem nessa avaliação a
presença de um forte corporativismo no judiciário e o fato de que não são todos
os juízes que comungam com os magistrados de Curitiba e de Porto Alegre.
É muito provável que a escolha do próximo
presidente, da maioria parlamentar e dos governadores dependerá de uma “onda”
de impulsos na opinião pública, que é diferente das manifestações de classe, e
que ultrapassa as fronteiras sociais na reta final das eleições. Essa “onda”
esteve convergindo para o candidato militar até há pouco, em função do medo “do
comunismo”, da inação das autoridades de segurança e do ódio anti-petista
estimulados, inclusive, pelos meios de comunicação, incluídas aí as redes
sociais, a TV, o rádio, os jornais e as revistas, em sua maioria.
As aspirações dos mais diferentes
eleitores podem ser dirigidas, em grande parte, para a visão paranoica que
elege um” inimigo comum”. Neste momento da luta eleitoral, no entanto, os
cidadãos estão cansados, saturados de informações e de notícias de violência. Há
um governo praticamente inerte, incapaz de dar direção até aos seus próprios
candidatos, Alckmin e Meireles, que representam o período de “austeridade” que
se seguiu ao governo petista, exacerbando a crise e o desemprego sem o
prometido crescimento econômico real. Além disso, o inimigo comum mais visível
até agora --a Corrupção--, está diluído e presente em todos os partidos do
cenário político, exceto em alguns virgens como o Psol, na esquerda, e o Partido Novo, à direita. São
os que mais empunham a bandeira do moralismo político, são as novas UDNs.
O impeachment que derrubou Dilma Rousseff
teve como consequência a destruição da força do Executivo quando já havia um
Legislativo desmoralizado e fraco. Os corações e mentes dos cidadãos
dirigiram-se, então, com esperanças para um Judiciário subitamente fortalecido,
ao ponto de se falar de um Partido da Justiça.
Hoje, o próprio Judiciário perdeu força perante a chamada opinião
pública, pela divulgação de seus privilégios e por suas contradições quanto ao
prosseguimento da Lava Jato.
A perplexidade é o estado mental de boa
parte do eleitorado, mas os mais pobres ainda esperam dos seus símbolos uma
saída vitoriosa. Vai depender do que o Judiciário Eleitoral vai fazer com a
chapa “triplex”: Lula, Haddad e Manuela.
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