quinta-feira, 2 de agosto de 2018

BOLSONARIO, O MITO




                                                                Reinaldo Lobo

           A mitologia grega, com seus deuses e semideuses trágicos, está na base da cultura ocidental. Ainda hoje nos inspira. Todos sabemos que um mito tem um significado histórico, antropológico, filosófico e até político. O Mito da Caverna, de Platão, é ensinado nas escolas como forma de acesso a uma concepção da Razão. A revelação da verdade foi demonstrada muitas vezes por meio dos mitos, como o célebre mito de Édipo.
         Essa é a face nobre do mito, mas os dicionários nos ensinam que há um lado sombrio, com o sentido de pura mentira ou de “história da carochinha”. Os meios de comunicação veiculam mentiras nesse sentido mítico todos os dias.
        Os adeptos do capitão Jair Messias Bolsonaro, atual candidato à presidência por um certo “Partido Social Liberal”, perceberam, apesar de pouco sutis, essa ambiguidade da palavra. Inventaram a atribuição de “mito” a esse deputado bizarro, dublê de militar e político, antes desconhecido em sua longa permanência na Câmara Federal desde 1991.
        A palavra poderia conferir a essa figura do “baixo clero” político uma aura de potência, autoridade e coragem, como os heróis gregos. Nessa construção, o ex- capitão do Exército, aposentado em circunstâncias nebulosas, apareceria como um herói da luta contra corrupção, uma vez que foi citado pelo ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, como um dos únicos-- ao lado de Paulo Maluf!--, que não teria recebido a propina do “mensalão”. Além disso, a palavra alimentaria a narrativa de que lutou, durante a Ditadura, contra o “terrorismo”.
       No entanto, as contradições reveladas na entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura em São Paulo, mostraram que o ídolo não se sustenta. Aliado próximo do ex-deputado Eduardo Cunha, o Rei do Baixo Clero, de quem foi próximo durante vários anos, recebeu de forma indireta uma verba da JBS, que se apressou em devolver para o seu partido de então , o PP de Paulo Maluf e Ciro Nogueira, uma vez que a Lava Jato já estava em curso e os escândalos estouravam. Não há notícias de como pagou suas sucessivas campanhas a deputado federal nas legislaturas anteriores.
       Perguntado pela repórter Daniela Lima, da Folha, sobre a sua defesa do porte de armas pelo cidadão comum como forma de defesa contra os bandidos, enroscou-se de vez na resposta.  A jornalista fez uma pesquisa sobre ele e mostrou que , em 1995, o capitão treinado Bolsonaro foi assaltado numa rua do Rio de Janeiro e os assaltantes levaram sua arma e sua moto. Tentou explicar que foi “rendido” pelos bandidos num sinal de trânsito e que o seu batalhão de origem recuperou depois  a arma e a moto, sem responder de fato à questão.  Mas a repórter insistiu perguntando:  se ele que era treinado no uso de armas e defesa militar, foi rendido pelos bandidos, o que se poderia dizer do cidadão comum carregando uma arma?
        Os mitos da valentia militar e do herói messiânico também caíram no chão junto com o seu argumento a respeito da legislação sobre  armas e segurança.
        O capitão Bolsonaro, para associar a ex-presidente Dilma Rousseff à guerrilha de Carlos Lamarca, lembrou com orgulho que combateu no Vale do Ribeira, onde esteve, de fato, sob o comando, inclusive, do ex-coronel Erasmo Dias, como parte das tropas do Exército.
       O que ele não disse é que o Exército levou o maior baile dos guerrilheiros, que chegaram a capturar oficiais e a negociar sua soltura para abrir uma saída do cerco formado por centenas de soldados e vários batalhões, além de helicópteros e forças especiais anti-guerrilha. Enquanto negociavam, comandantes tentaram localizar Lamarca, o que resultou em combates e na morte de um tenente, executado pela guerrilha.
       A derrota das Forças Armadas no Vale do Ribeira levou o coronel Erasmo Dias a ser afastado de suas funções e relegado ao papel de chefe de polícia em São Paulo. Na versão de Bolsonaro – e, provavelmente, na versão oficial do Exército-- os “terroristas” de Lamarca foram traiçoeiros, os militares as vítimas e não existiram combates propriamente, apenas uma fuga. Ora, tudo indica, segundo inúmeros relatos históricos e de ex-agentes do governo, que os combates aconteceram e o Exército levou a pior. Lamarca só seria preso e executado no interior da Bahia muito depois.
      O capitão Bolsonaro não tem muito do que se orgulhar do desempenho no Vale do Ribeira nem em sua carreira militar de um modo geral.  Além de inventar versões históricas e dizer que apresentou 500 projetos de Lei nunca aceitos no Congresso-- quando, na verdade, admitiu na TV que foram 176 e nenhum foi aprovado--, sua carreira política não tem sido exatamente um sucesso. Mas é preciso admitir que sua equipe tem habilidade em criar “factoides” para impressionar a mídia e causar polêmica, como aquela foto dele ensinando crianças a atirar e fazendo gestos agressivos.
       O mito Bolsonaro é o resultado de vários fatores, sendo o principal a desilusão da população com os políticos em geral. Ele se apresenta como a única alternativa “fora do sistema” civil da chamada Nova República, agora em estado falimentar. As acusações de corrupção contra ele nunca apresentaram flagrantes e são relativamente pequenas.
       Seu discurso, se é que se pode chamar de discurso, é policialesco e se apresenta como um fruto da Operação Lava Jato, de caça aos políticos. A questão da segurança no País produz uma espécie de terror na classe média e também entre os pobres, que veem na fala de tom brutal uma única via simples para sairmos da guerra civil como a do Rio de Janeiro.
      Um fato inegável é que, desde 2013, quando os conservadores e a oligarquia dominante empalmaram um movimento de massas, pela primeira vez em décadas essas forças conseguem ter uma audiência. Existe hoje um público à direita que entende a política como uma luta entre a polícia e os bandidos, e ninguém apela melhor a essa demagogia simples.
       Bolsonaro não é um mito, mas uma “história da carochinha”. No entanto, tem o apoio de forças poderosas para exercer o seu populismo conservador e, se não for detido em sua ascensão eleitoral, causará sérios estragos à democracia.   Depois, será tarde, e nenhum de nós poderá dizer que não foi avisado.


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