quarta-feira, 29 de julho de 2020

TEMPOS DIFÍCEIS



                               Reinaldo Lobo

Passei sem querer na frente de um espelho e vi um velho com medo de pegar Covid.
No início, assustei-me, depois olhei para ele com certa ternura. Inspirou-me cuidados e senti carinho. Pedia indulgência.
Lembrei-me do meu pai na velhice, andando com cautela, mas com um olhar de pressa em fazer o que ainda não fizera, de pedir o perdão que faltou, de publicar o livro que não foi escrito.
Recordei-me de um texto do psicanalista inglês Elliott Jacques sobre a velhice obrigada a elaborar novamente a posição depressiva diante da ambivalência entre vida e morte, amor à vida e ódio inconformado, a fim de lidar com a maior perda de todas.
Como gosto de livros e autores, veio-me também à lembrança o bruxo de Cosme Velho, dedicando ironicamente as “Memórias Póstumas de Brás Cubas” ao primeiro verme a roer “meu cadáver”.
Surgiu igualmente na memória Erik Erikson, o psicanalista que escreveu sobre a “escolha final” entre generatividade (deixar algo para as futuras gerações) versus desespero.
Ou Winnicott e o seu último desejo pedido a Deus: “fazei com que eu esteja vivo na hora da minha morte”.
Então, depois da inevitável tristeza e da comiseração, veio a esperança.




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