Reinaldo Lobo*
Eles estão em toda parte. Como gafanhotos
vorazes, ocupam espaços na cultura, nas ciências humanas, na imprensa, na TV,
no rádio, nas universidades em geral, entre os chamados "formadores de
opinião". São os "neoconservadores" à brasileira, cuja missão é desconstruir
o que consideram o pensamento "politicamente correto" de esquerda.
Infiltram-se nas brechas e interstícios de vários setores culturais e do poder
porque é isso o que imaginam que a
esquerda faz. Seu truque secreto é usar o que pensam ser-- depois de uma
leitura ligeira de Gramsci-- o método ou a estratégia esquerdista para manter a
hegemonia e o mando na sociedade civil e no Estado. Esse é um dos seus grandes
equívocos.
Os "neocons", como alguns
gostam de ser chamados, reúnem desde filósofos (Denis Rosenfield, Luiz Felipe
Pondé), sociólogos e geógrafos (Demétrio Magnoli), historiadores (Marco Antonio
Villa), artistas, roqueiros (como o conhecido Lobão), adeptos da geopolítica
pós-militarista (como ocorre com um apresentador da Rede Globo, William Waack),
humoristas do "infoentretenimento" (Danilo Gentile, Jô Soares) até ensaístas de ocasião (Arnaldo Jabor) e
jornalistas da imprensa mais conservadora do País (como Reinaldo Azevedo). Jô
Soares uma vez chamou Jabor de "comunista de direita". Essas
personagens têm, obviamente, qualificações e talentos diferentes entre si, mas
é possível traçar um fio comum -- o repúdio às políticas distributivistas e
desenvolvimentistas do PT e de quaisquer outros grupos mais socializantes. O
máximo que aceitam é a social-democracia à maneira tucana, aliada aos
"liberais" dos Democratas (ex- ditadura civil-militar) e com uma base
de centro direita.
O neoconservadorismo, como muitos sabem, é
uma visão política do mundo inaugurada nos Estados Unidos. Essa corrente
ideológica surgiu logo após a Segunda Guerra Mundial, quando surgiu a Guerra
Fria. Desenvolveu-se entre ex-comunistas que passaram da crítica à burocracia soviética e aos horrores do
stalinismo para uma posição de direita. Nasceu num meio de jornalistas
trotskistas, ao redor da revista "Commentary". Dois dos seus
primeiros intelectuais convertidos foram
Irving Kristol e James Burnham, este último autor de um best-seller intitulado
"A Revolução dos Gerentes", onde defendia a tese de que as sociedades
capitalista e comunista tendiam a se tornar uma coisa só, sob uma administração
tecnoburocrática e gerencial. Essa mesma teoria foi defendida na França por
Raymond Aron, um franco conservador. Foi a raiz da ideologia da "terceira
via", que ressurgiria recentemente na Inglaterra com Anthony Giddens e o
primeiro ministro Tony Blair. Mas os neocons dos EUA não hesitavam em aderir ao
"modo de produção menos ruim", o capitalismo no sentido estrito. Não
é preciso dizer que o auge de seu prestígio foi sob os governos de Reagan e
Bush (pai e filho).
Os neocons brasileiros, diferentes dos
norte-americanos, são mais sutis na defesa do capitalismo. Preferem
apresentar-se como os verdadeiros transformadores e democratas, a partir de uma
crítica pretensamente demolidora das ideologias em geral e do socialismo
petista em particular. A sua ideologia consiste em se declararem
anti-ideológicos. E os seus procedimentos argumentativos são de dois tipos.
O primeiro, é a teoria do aparelhamento do
Estado, pois o Partido tenderia a se confundir com o poder estatal, como na
URSS, sem se considerar que todos os partidos no Brasil colocam, sem exceção,
os seus aliados e militantes nos cargos mais importantes. Como o regime do PT e
do País está longe de ser uma URSS, esse argumento se liquefaz. Fazem parte da
base do governo e da burocracia estatal mais de dez outros partidos e estamos
numa democracia. Os atuais membros
petistas do governo sempre disputaram eleições livres e assim se mantiveram em uma parte do poder
coligado.
O segundo procedimento dos neocons deriva
do fato de muitos deles terem migrado da esquerda para a direita, talvez por
motivos até semelhantes aos norte-americanos -- "o peso da realidade"
da vitória do capitalismo na Guerra Fria e os horrores do stalinismo.
Concedamos que seja assim. O seu truque consiste, porém, em inverter os argumentos da esquerda contra
ela própria. Assim, tivemos há pouco um artigo do colunista da Folha, R.
Azevedo, em que inventa um "racismo de segunda ordem" a ser atribuído
a qualquer petista que criticar as decisões erradas do ministro do STF, Joaquim
Barbosa. Todos sabem que a luta contra o racismo é uma bandeira histórica da
esquerda. O próprio Barbosa já foi chamado pela direita de ministro da
"cota de Lula". Nada melhor
para os propósitos ideológicos do colunista Azevedo do que "informar",
invertendo o racismo da elite, dizendo à população que "racistas" são
Lula e o PT. É como a crítica ao programa de cotas-- estimularia o
"racismo ao contrário", dos negros contra os brancos e criaria uma
"elite privilegiada".
Essas figuras decidiram que a melhor defesa
do sistema elitista, escondendo suas
mazelas, é partir para o ataque. São os falsos rebeldes que desejam destruir os
"mitos" da esquerda para impor seus próprios mitos, como a
"captura das mentes" e a "infiltração".
O truque é simples, mas tem funcionado e se
repete. Um outro articulista, Jabor, só se refere aos adversários como a
"velha esquerda", como se ele fizesse parte da nova, a moderna e
vanguardista. É bem conhecida a relação de Jabor com a
"social-democracia" tucana. E sua luta para se tornar Ministro da
Cultura numa pretendida volta dos tucanos ao poder. Há algo de mais velho na
praça do que a social- democracia?
Uma característica dos neocons é a de se
mostrarem os defensores da modernidade (capitalista, é claro). Ou como a
encarnação da pós-modernidade. Todos falam do "atraso" da esquerda e
de seu ultrapassamento. Mas as
ideologias dos "novos conservadores" , em alguns casos,
lembram demais a Velha Direita de Joseph
de Maistre , da Action Française e das falanges de Mussolini.
Autores um pouco mais sofisticados, como
Luis Felipe Pondé, reproduzem aqui no Brasil as idéias do filósofo pessimista
inglês John Gray, para quem não existe progresso real na história e a
"natureza humana" predatória e violenta só se coaduna com regimes de "alta
competição"-- como se o capitalismo atual, de monopólios, fosse
competitivo! Essa pequena teoria "hobbesiana", evidentemente
distorcida, vale para tudo: o capital, o combate ao crime, etc. O paradoxo de
Gray -- ele defende a modernidade, mas sustenta ao mesmo tempo que ela não tem
sentido, pois é a maior ilusão vinda do Iluminismo e da noção de progresso.Em
seu livro "Straw Dogs (Cachorros de Palha): Thoughts on Human and other
Animals", Gray diz que, de Platão à
Cristandade, do Iluminismo a Nietzsche, a tradição ocidental tem sido baseada
em crenças arrogantes e errôneas sobre os seres humanos e o seu lugar no mundo.
Quer retirar o "privilégio" concedido por essa tradição ao homem em
relação aos animais e à sua própria animalidade. Filosofias como o liberalismo
e o marxismo pensariam a humanidade como uma espécie cujo destino é transcender
seus limites naturais. Gray argumenta que essa crença na diferença humana é uma
ilusão perigosa. Propõe investigar a
vida do homem "da forma como ela se parece", uma vez que o
"humanismo foi finalmente abandonado" ( pelo pós-modernismo). Ele
pensa ter perturbado nossas mais profundas crenças, mas nada mais faz, na
melhor das hipóteses, do que propor uma natureza humana ao modo do século XVIII
ou, na pior das hipóteses, à maneira do ultra-conservadorismo pessimista do
fascismo. Sua teoria quer-se moderna ou
até pós, mas é mais antiga do que andar para a frente.
O filósofo Pondé importa até os cacoetes e
ironias de autores como Gray. A frase mais espirituosa do brasileiro é também
uma contradição em termos -- "O
Viagra fez mais pela humanidade do que 200 anos de marxismo". Ora, para quem
vê o progresso como ilusão, cabe a pergunta--o Viagra não é progresso? Tecnológico,
é verdade, mas progresso? Saibam que o Viagra é perfeitamente compatível com o
marxismo e até com o liberalismo. A incompatibilidade só pode ser uma
brincadeirinha de mau gosto do filósofo da PUC.
Pessimismo sempre foi uma marca registrada
do conservadorismo. É regressivo. Seu corolário é a anti-utopia e o
conformismo. Mas essa turma tem prestígio e muitos ganham bem para cumprir a
função que outrora Paul Nizan, escritor
de esquerda vítima do fascismo, chamou de "cães de guarda" do
sistema.
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